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Nova cadeia minimiza, mas não resolve superlotação, diz sindicato

Inauguração de cadeia abre mais 604 vagas, mas o Piauí precisaria de pelo menos 2.200 vagas para conseguir atender à demanda.

22/09/2019 07:59

Nesta segunda-feira (23), será inaugurada pelo Governo do Estado e a Secretaria de Justiça a Cadeia Pública de Altos. Com 604 vagas, o estabelecimento deverá receber o excedente carcerário das demais unidades, mas, mesmo assim, o problema da superlotação no Piauí não se resolve. Ele será apenas minimizado. É o que denuncia o Sinpoljuspi (Sindicato dos Agentes Penitenciários do Piauí) e a Defensoria Pública do Piauí.

Construída por meio de convênio entre Estado e União, com investimento na casa dos R$ 17 milhões, a cadeia pública começou a ser idealizada ainda em 2008, quando o sistema prisional do Piauí abrigava cerca de 1.900 detentos, segundo dados do Sinpoljuspi, como resposta ao problema de superlotação dos presídios na época.

Celas da nova Cadeia Pública de Altos. (Foto: Divulgação/Sejus)

Mais de uma década depois, o sistema quase triplicou a quantidade de presos. Segundos dados da Secretaria de Justiça, o sistema possui atualmente 5.105 presos para as 2.390 vagas disponíveis. Ou seja, mesmo com as 604 novas vagas da cadeia pública, elevando o número de vagas disponíveis para quase três mil, os presídios do estado continuarão operando com 70,47% além da sua capacidade.

"Essa inauguração dará certo alívio por uma média de seis meses, mas é uma demanda crescente”, revela Kleiton Holanda.

“A obra está muito bem feita, já passou por várias tentativas de inauguração e, por falta de servidores, não foi inaugurada, mas há uma necessidade urgente devido à superlotação em várias unidades prisionais. Essa inauguração dará certo alívio por uma média de seis meses, mas é uma demanda crescente”, explica o presidente do Sinpoljuspi, Kleiton Holanda.

Visão externa da nova Cadeia Pública de Altos. (Foto: Divulgação/Sejus)

Para a titular da 4ª Defensoria Criminal, o estabelecimento não resolve o problema da superlotação no Piauí. Segundo Viviane Setúbal, não é só abrir uma nova cadeia. Trata-se de se investir em projetos de ressocialização para os detentos e também na formação e capacitação dos profissionais que vão lidar diretamente com eles.

“Infelizmente a ideia que se tem é que investir nessa área é algo que não tem futuro. O Executivo, os administradores precisam ter consciência de que não é investimento em vão. A gente não pode ver aquele preso que está ali como uma pessoa que não tem mais perspectiva, pelo contrário. Existem pessoas no sistema que têm sim toda a capacidade de mudar de vida e só precisa de oportunidade. A oportunidade que não teve antes”, avalia Viviane.

Agentes penitenciários

Outro ponto destacado pelo sindicato, diz respeito à quantidade de agentes penitenciários atuando no novo presídio. A Resolução Nº 9 de 2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), determina que o número de agentes do estabelecimento penal deve respeitar a proporção de um agente penitenciário para cada cinco presos.

"A necessidade total seria de 448 agentes penitenciários para trabalhar somente nessa unidade", diz presidente do Sinpoljuspi.

Pelo cálculo, o presídio deveria operar em sua plenitude com 122 agentes penitenciários por plantão. “Considerando que são quatro plantões, a necessidade total seria de 448 agentes penitenciários para trabalhar somente nessa unidade. No entanto, o governo quer colocar apenas 50 agentes na inauguração”, denuncia o presidente do Sinpoljuspi.

Kleiton Holanda, presidente do Sinpoljuspi. (Foto: Arquivo O Dia)

Segundo o Sinpoljuspi, o Estado possui atualmente 800 agentes penitenciários divididos entre as 16 unidades prisionais. Desse total, 110 possuem pedidos de aposentadoria em andamento.“Em 2016 houve concurso e 316 agentes passaram por todas as fases. A gente sabe que o concurso não era o número ideal, mas mesmo assim houve o curso de formação para 150, foram chamados alguns para trabalhar nas unidades que já necessitam hoje”, explica Kleiton Holanda.

No último dia 17, o governador Wellington Dias assinou a prorrogação, por mais dois anos, do concurso ao qual se refere o sindicalista, cuja validade seria encerrada no dia 20 de outubro de 2019. Atualmente, cerca de 40 agentes penitenciários aprovados no concurso público passaram pelo curso de formação e estão esperando há um ano pela nomeação, outros 166 ainda aguardam o curso de formação. Dentre os aprovados, 107 foram convocados e já atuam no sistema penal.

Aprovados em concurso protestam em frente ao Palácio de Karnak. (Foto: Arquivo O Dia)

“Se convocassem esses aprovados, daria para inaugurar o estabelecimento, mesmo trabalhando com o número mínimo. Queremos que a obra inaugurada funcione em sua plenitude, e não de forma parcial, e o Governo do Estado pode resolver essa questão, chamando imediatamente os que já fizeram o curso de formação”, argumenta o sindicalista.

Em entrevista a uma emissora de TV local, o secretário de Justiça, Carlos Edilson, informou que os agentes que passaram pelo curso de formação serão convocados em breve. Já os outros 166 aprovados serão capacitados a atuar no sistema prisional quando o Estado tiver a capacidade financeira de arcar com o curso, sem especificar datas.

Superlotação sem ressocialização, diz defensora

Com uma superlotação que atualmente chega à casa dos 110% além da sua capacidade, o sistema carcerário do Piauí não ressocializa seus detentos. É o que afirma a titular da 4ª Defensoria Criminal do Piauí, Viviane Setúbal, que integra um grupo de trabalho responsável pelo levantamento das condições de cumprimento de pena dos presos e das instalações dos presídios do Estado. De acordo com ele, o Piauí precisaria de, no mínimo, mais duas mil vagas no sistema prisional para poder começar a atender a demanda.

Visão interna da Cadeia Pública de Altos. (Foto: Divulgação/Sejus)

O caso mais grave é o da Penitenciária José de Ribamar Leite, a Casa de Custódia, que é a maior unidade carcerária do Estado. Com capacidade para 396 detentos, ela recebe atualmente 1.200, ou seja, quase o triplo do que realmente suporta. Piora ainda mais a situação o fato de que boa parte destes detentos é formada por presos que já deveriam estar cumprindo o regime semiaberto em outra unidade prisional.

"Tem que ser dividido entre os reincidentes e os não reincidentes e aqui no Piauí essa lei não é cumprida", afirma defensora.

“A Lei de Execução Penal diz que preso provisório deve ficar em uma cadeia e que o preso condenado deve ir para a penitenciária. E esse condenado, para cumprir pena devidamente na forma da lei, tem que estar separado por crime, por idade, tem que ser dividido entre os reincidentes e os não reincidentes e aqui no Piauí, assim como no Brasil todo, essa lei não é cumprida”, explica a defensora.

O caos da superlotação dos presídios piauienses chegou ao ápice em julho deste ano, quando presos da Colônia Agrícola Major César se rebelaram, atearam fogo em colchões, dominaram agentes e depredaram boa parte da estrutura da cadeia. Na ocasião, a Defensoria Pública entrou na Justiça com um pedido de habeas corpus coletivo que beneficiaria 600 presos com o regime aberto monitorado (mediante uso de tornozeleira eletrônica).

A medida visava basicamente desafogar o sistema prisional, colocando em liberdade aqueles detentos aptos para isto. O Ministério Público emitiu um parecer contrário ao pedido da Defensoria e três meses depois o habeas corpus ainda não foi julgado pela justiça. A situação na Major Cesar, de acordo com Viviane, continua a mesma: superlotada e com estrutura deficitária.

“A CAMCO [Colônia Agrícola Major César Oliveira] é um estabelecimento relativamente pequeno e a população carcerária tem aumentado, logo, ele não atende mais à demanda e superlota. Há pessoas lá que deveriam estar fora do sistema prisional e não estão por falta de expedição da guia, que é o que dá início ao cumprimento da pena em um novo regime. O objetivo do habeas corpus era esse: de minimizar a situação dessas pessoas e, por consequência, abrir algumas vagas dentro da Major Cesar para quem deve cumprir pena lá”.

Por: Nathalia Amaral e Maria Clara Estrêla.
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