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Flexibilização do uso de armas pode aumentar criminalidade, avalia sociólogo

Com os altos índices de violência e intolerância associados ao alto estresse da sociedade, a flexibilização pode trazer grandes riscos.

13/04/2021 11:06

Nesta segunda-feira (12), a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu trechos dos quatros decretos sobre porte e uso de arma, editados pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro deste ano. Os textos, que passam a valer a partir de hoje (13), flexibilizam a compra de armamentos e munição por atiradores, colecionadores de armas e agentes de segurança.


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Entre as mudanças que estavam previstas nos decretos e foram suspensas por Rosa Weber está o aumento, de dois para seis, do limite de armas de fogo para uso pelo cidadão comum. Outro ponto suspenso diz sobre o fim do controle feito pelo Comando do Exército sobre categorias de munições e acessórios para armas. A decisão da ministra deve ser avaliada pelo plenário do Supremo ainda nesta semana.

Mesmo com o impasse sobre a validade dos decretos, as alterações no Estatuto do Desarmamento preocupam especialistas. Para o sociólogo e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Francisco Mesquita, caso sejam validadas, as mudanças podem trazer graves consequências para a segurança pública, culminando, inclusive, no aumento dos índices de criminalidade.

Foto: Arquivo O Dia

O sociólogo avalia que, com os altos índices de violência e intolerância associados ao alto estresse da sociedade, a flexibilização pode trazer grandes riscos. Segundo ele, a facilitação do acesso a armas pode influenciar na ocorrência de ações impensadas, em que as pessoas agem no “calor da emoção”.

"Essas pessoas vão agir pelo ímpeto da emoção em que, dependendo de determinada situação, a primeira coisa que se faz é recorrer ao uso dessa arma"

“Pode influenciar no atentado à vida de outros, quanto pode encorajar indivíduos a acharem que estão mais seguros portando arma e esta sensação pode causar outros problemas, como acidentes domésticos ou até mesmo o uso dessas armas em brigas cotidianas. Essas pessoas vão agir pelo ímpeto da emoção em que, dependendo de determinada situação, a primeira coisa que se faz é recorrer ao uso dessa arma”, afirma.

Outro risco que deve ser considerado é o fato de que, com a flexibilização, aumentam as chances de que armas legalizadas parem nas mãos da criminosos, seja através de roubos e furtos, ou pela compra legalizada feita pelos próprios grupos criminosos junto aos órgãos de controle.

“No Brasil, mesmo sem ter políticas de flexibilização de armas, as armas do Estado se encontram nas mãos de grupos criminosos, o que significa dizer que, tendo mais armas nas mãos dos cidadãos, que não tem um controle como as Forças Armadas, é um grande risco de armar ainda mais esses grupos marginais. Por outro lado, quem garante que esses grupos não vão conseguir uma forma de comprarem, eles mesmo, armas legalmente? Porque, até que se prove o contrário, o cidadão é honesto”, declara.

Foto: Arquivo O Dia

Segundo dados da ONG Sou da Paz, em janeiro deste ano, o Brasil possuía 1,151 milhões de armas legais nas mãos de cidadãos – 65% a mais do que o acervo ativo em dezembro de 2018, que era de 697 mil. Com a facilitação, esse número tende a crescer exponencialmente.

“Se está flexibilizado o acesso, mesmo as pessoas que não têm condições de comprarem as armas vão fazer de tudo para conseguir. Tudo que é proibido é objeto de desejo. As pessoas querem ter uma sensação de maior empoderamento e a arma é um objeto almejado. Evidentemente, quem vai ter acesso mais rápido são os grupos com maior poder aquisitivo, mas haverá também uma maior circulação entre as classes populares”, diz o sociólogo.

“Facilitação do acesso às armas assinam atestado de incompetência do Estado”

Para o professor da UFPI, as mudanças colocam em xeque a competência do Estado em garantir políticas públicas de segurança para a população, delegando ao cidadão o papel de garantir a sua própria proteção.

"O papel que era do Estado de construir essas políticas de segurança agora vai ser de sua responsabilidade"

“Não é disso que a sociedade está precisando, não precisamos de um revólver e, sim, que o Estado aja para garantir a segurança da população. É um assinado de incompetência. O Estado está dizendo que não tem competência para dar segurança à população, mas te dá a liberdade de se armar. Ou seja, o papel que era do Estado de construir essas políticas de segurança agora vai ser de sua responsabilidade”, destaca.

O sociólogo explica que pensar melhorias na segurança pública perpassa outros fatores e não se pode resolver o problema da violência atacando apenas as consequências, mas agindo diretamente nas causas, seja nos problemas históricos que perpetuam a situação da desigualdade no país ou na garantia de que a sociedade evite discursos de ódio, que, segundo ele, “geram o caldo da violência”.

“Tem que tratar a questão da violência por vários fatores, atacar o problema da pobreza, da miséria e da marginalidade, gerar emprego, investir na educação, investir na informação da sociedade, orientar o cidadão de que forma ele poderia construir uma forma mais coletiva e pacífica de se viver em sociedade. Não dá para se pensar segurança pública somente construindo penitenciárias, contratando policiais e colocando armas nas mãos dos cidadãos”, finaliza. 

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