Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

Covid-19: psicóloga fala sobre rotina com pacientes em isolamento

Principal queixa de quem está internado é a tristeza pelo isolamento. Familiares reclamam de falta de informação e profissionais temem contaminar a família.

23/05/2020 15:46

Quando se fala em atuação na linha de frente no combate à pandemia da covid-19, um dos primeiros pensamentos que vem à mente são os médicos, enfermeiros e técnicos que trabalham dia e noite nos hospitais para tentar amenizar o sofrimento de pacientes e familiares. Mas não se pode esquecer que além deles, que cuidam da saúde física de quem recebe o diagnóstico, há também aqueles profissionais responsáveis pelo apoio psicológico e mental a quem sofre com a doença.


Leia também: 

Saúde mental: veja como se cuidar durante a pandemia 

Hospital desenvolve ações para cuidar da saúde mental de profissionais 


É que o baque causado pelo coronavírus não é apenas no corpo, mas também na mente de quem precisa de tratamento. Diante de uma doença para a qual não se tem ainda um medicamento eficaz e nem vacina, o paciente fica na incerteza sobre a evolução do seu quadro no dia seguinte, a mente acaba por vezes pregando peças. E o próprio tratamento em si é muito solitário.

Pacientes em isolamento e familiares reclamando de não receberem informações precisas. Esta é a realidade mais comum nos hospitais que tratam daqueles contaminados pelo coronavírus. E é nesse ponto que entram os profissionais da Psicologia Hospitalar. São eles que se preocupam com o sofrimento subjetivo dos pacientes e fazem intervenções que minimizem os efeitos da internação como sintomas ansiosos, depressivos, rebaixamento de humor, tristeza e desejo de se evadir do hospital.


Pacientes em isolamento e familiares reclamando de não receberem informações precisas. Esta é a realidade mais comum nos hospitais que tratam daqueles contaminados pelo coronavírus.


O Portalodia.com conversou com um desses profissionais para conhecer mais um pouco sobre a rotina de acompanhamento psicológico dos pacientes com covid-19. A psicológica Julianna Sampaio de Araújo, 31 anos, é formada pela Ufpi, especialista em Saúde Mental e em Educação, Pobreza e Desigualdades Sociais e mestra em Saúde Coletiva pela Unicamp. Ela atua há quatro anos no Hospital Estadual Dirceu Arcoverde (HEDA), em Parnaíba, e conta que as demandas são muitas: vem tanto dos pacientes, quanto dos familiares e dos próprios profissionais da saúde.

“As principais demandas dos familiares de pacientes covid giram em torno da falta de informação. Como o paciente internado não pode receber visitas, e não pode ter acompanhante, imposições do coronavírus, as famílias ficam muito ansiosas, com medo do que possa estar acontecendo com o seu familiar. Já para os pacientes, o principal motivo que gera atendimento psicológico é a tristeza provocada pelo isolamento, a vontade de estar com os seus”, explica Julianna.


"Para os pacientes, o principal motivo que gera atendimento psicológico é a tristeza provocada pelo isolamento", diz psicóloga.


Foi para tentar minimizar o sofrimento dos pacientes covid e a distância entre eles e seus familiares, que o setor de Psicologia do HEDA pensou nas visitas virtuais. A tecnologia se torna uma grande aliada no projeto, que permite que os pacientes conversem com seus parentes por meio de ligação de vídeo durante o acompanhamento psicológico.


"Hoje  foi dia do Sr Raimundo ver a filha que está lá em Brasilia", escreveu Julianna nas redes sociais - Foto: Reprodução/Twitter (autorizado pelo paciente)

“São realizadas chamadas de áudio ou de vídeo, dependendo das condições das famílias, já que nem todos têm internet boa, e durante alguns minutos, os familiares podem se ver, conversar, se tranquilizar. É notória a diferença. Os pacientes se emocionam ao ver e ouvir suas famílias, compartilham angústias, se tranquilizam e hoje já demandam pelo serviço, pedem pra poder conversar com suas famílias”, diz. 

Segundo os últimos boletins fornecidos pelo Estado, o HEDA possuía 26 pacientes internados com covid-19, sendo que 18 deles estão nas enfermarias e oito em UTI. “Nosso acompanhamento tem acontecido principalmente com os pacientes das enfermarias, que têm uma boa capacidade de comunicação efetiva. Estamos tentando aprimorar para os pacientes graves em UTI que as famílias enviem chamada de áudio e a gente coloque para tocar ao lado deles”, explica Julianna.


"E teve também dona Benedita", postou a psicóloga - Foto: Reprodução/Twitter (autorizado pelo paciente)

Ela acrescenta que a rotina no hospital é meio imprevisível. Existem dias calmos, mas também tem dias que quando o psicólogo chega, já tem uma demanda de óbito esperando para dar apoio à família na hora da notícia. Por causa disso, a quantidade de pacientes atendidos varia também. “Geralmente a gente chega, vai às clínicas pegar prescrições de avaliação psicológica feitas pelo médico ou pelos enfermeiros e fica à disposição das demandas que chegam do pronto-socorro”, diz. Em média, são feitos mais de nove atendimentos por plantão.

E enquanto profissionais que atuam na linha de frente da covid-19, os psicólogos hospitalares também estão expostos a todo tipo de demanda, pressão e estresse. E há ainda as situações extremas, como lidar com a morte de algum paciente. Em momentos como este, eles são fundamentais para tornar tudo o menos doloroso possível, ainda mais levando-se em conta as imposições de um óbito por covid.

“Num óbito as reações são as mais variadas possíveis. Algumas pessoas conseguem se organizar mais rápido e entendem as imposições do coronavírus, outros se indignam e transfere sua raiva para a equipe. Neste momento, temos que ter maturidade de compreender o sofrimento do outro, de perceber que a família está projetando sua tristeza e perda na gente”, afirma a psicóloga.

Para Julianna, quando há um óbito na ala de covid, a situação fica especialmente difícil, por conta principalmente da afinidade com o paciente e sobretudo porque a família não vai poder velar e se despedir do ente querido como gostaria de fazê-lo. O enterro, em casos da doença, precisa acontecer o mais rápido possível para evitar que o vírus se espalhe.

Por: Maria Clara Estrêla
Mais sobre: