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Projeto de transformar Cine Rex em abrigo é criticado por pesquisadores

Especialistas ressaltam que imóvel é tombado e integra o sítio histórico da cidade. Estrutura teria que ser reformada para nova destinação

05/01/2021 15:53

No dia 25 de fevereiro de 1939, há 81 anos, era inaugurada umas das principais referências da história do cinema e da arquitetura em Teresina: o icônico Cine Rex. Situado na Praça Pedro II – principal corredor cultural da cidade – ao lado do monumental Teatro 4 de Setembro, o estabelecimento está gravado na memória afetiva de milhares de teresinenses que ali se reuniram para assistir filmes neste que foi o primeiro cinema da Capital. O Cine Rex fechou em 2008 após a crise causada pela chegada dos shoppings centers em Teresina e agora, em 2021, ele volta aos holofotes, pois, o novo prefeito, Dr. Pessoa (MDB) , pretende transformar o prédio em um ponto de apoio para pessoas em situação de vulnerabilidade . 

Cine Rex foi o primeiro cinema de rua de Teresina. Foto: Jailson Soares/ODIA

De acordo com o chefe do executivo municipal, o local será um dos quatro pontos que devem ser instalados nas quatro zonas de Teresina para prover alimentos, além de banheiros e dormitórios à essa parcela da população. O prefeito disse ainda que atenção às pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica será uma das prioridades da sua gestão e, portanto, esse deverá ser o seu primeiro decreto à frente do Palácio da Cidade. 

Contudo, a proposta vem sendo criticada por especialistas em patrimônio histórico. A coordenadora de Patrimônio Cultural do Estado, Patrícia Mendes, por exemplo, avalia com cautela a transformação do espaço. O Cine Rex, inclusive, foi tombado por decreto estadual pelo então governador do Piauí, Mão Santa, em 1995, a pedido do próprio dono do imóvel. Na época, o processo foi realizado pela Secretaria da Cultura do Estado Piauí (Fundac), hoje Secult. Além disso, o extinto cinema faz parte do chamado sítio histórico de Teresina por estar localizado próximo a outros bens tombados. 

Monumentos históricos na Praça Pedro II. Foto: Reprodução/ Coordenação de Registro e Conservação – CRC/SECULT

“O Cine Rex é tombado. Mesmo que ele não fosse tombado, ele está ao lado e no entorno de bens tombados. No caso, o Teatro 4 de Setembro, o Clube dos Diários, o Centro de Artesanato, a própria Igreja São Benedito apesar de ficar um pouco mais distante. Portanto, é importante reforçar que ele é um prédio de muito valor por estar no sítio histórico, que nada mais é do que um local que ainda se mantém com características de edificação de uma época. Então, ao olhar os prédios em volta, a gente percebe o sítio histórico além do tombamento do local”, explica. 



DECRETO DE TOMBAMENTO DO CINE REX 



Esse é o mesmo entendimento da pesquisadora e doutora em História, Viviane Pedrazani, que lembra ainda que, historicamente, o Cine Rex vem sofrendo abandono por parte das autoridades. Para ela, o local deveria ser revitalizado e destinado à cultura, apesar de não ser ilegal a possibilidade de transformação do espaço para receber pessoas desabrigadas. 

Sítio histórico em Teresina. Reprodução/ Coordenação de Registro e Conservação – CRC/SECULT

Transformar o local em abrigo para pessoas vulneráveis não é ilegítimo. O interessante era se ali fosse um espaço de exposições ou uma casa de cultura, mas se não é possível, esse uso enquanto um local de abrigo não é ilegítimo. A questão passa porque esse tipo de reforma será necessário para adequar um espaço que não foi pensado de maneira nenhuma para receber pessoas desabrigadas. No local, temos salas, temos espaços que não condizem com local de abrigo, que precisa de dormitórios, banheiros, cozinha, espaços coletivos que possam de fato dar esse contorno que o prefeito Dr. Pessoa imagina”, disse.  

Patrícia Mendes explica que, para além do decreto de tombamento estadual, há também um inventário municipal que determina a proteção do local. “Temos uma outra proteção que, inclusive, se dá por meio de uma lei municipal. Antes, elas eram chamadas de Zonas de Prevenção Ambiental que, com a mudança do planejamento do município, agora é trabalhado como PDOT (Plano Diretor de Ordenamento Territorial). E as praças entram nisso. E por que eu estou falando de praça? Porque quando pensamos em um edifício, a gente não pensa nele sozinho. Pensamos como um todo. Além disso, o Cine Rex, por lei municipal, através de inventário, o chamado IPAC (Inventário de Proteção de Acevo Cultural) de 98, é chamado de inventariado. Portanto, tem o tombamento estadual pela Secult e também é protegido por inventário municipal – que tem a mesma força de um tombamento”, detalha. 

Projeto de reforma deve ser submetido à análise do Estado 

Além de coordenadora do Patrimônio Cultural do Piauí, na Secult, Patrícia Mendes é também conselheira titular do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Piauí (CAU/PI), órgão que fiscaliza o cumprimento da legislação no exercício da Arquitetura e Urbanismo. Ela destaca ainda que, por meio da lei estadual de nº 4.515, que dispõe sobre a proteção do Patrimônio Cultural do Estado do Piauí, é necessário que haja uma comunicação prévia sobre qualquer alteração no bem. O projeto de reformas deverá ser submetido a uma análise do Estado

“Comunicar a quem? Tem que comunicar exatamente à coordenação da Secretaria Estadual de Cultura. No capítulo III, artigo 19º, fala da intervenção ou alteração nos bens imóveis tombados ou seu entorno, que deverão ser previamente examinados e autorizados pela Secult. Aqui a gente não entra no mérito do uso do local, mas da parte legal. O projeto deverá ser submetido ao Estado e será analisado para uma eventual aprovação ou não”, explica a conselheira. 

“A Secretaria de Cultura tem a ideia de comprar o Cine Rex. O que nós faríamos era transformar em um polo cultural. Além do cinema, nós poderíamos trabalhar outras coisas, como oficinais de fotografias, teatro, música. Eu acho que existem outros locais em Teresina aonde poderia haver esse centro de apoio. Acho correta a intenção do prefeito com os mais vulneráveis, mas acredito que poderíamos usar outros prédios”, completa. 

A professora Viviane faz um alerta para que a sociedade fique atenta sobre a transformação do Cine Rex. “É importante, nesse momento, que a sociedade se atente para que não haja a descaracterização do prédio para essa finalidade. O uso é importante, mas deve se manter a integridade do bem cultural”, finaliza. 

“A ideia é dar a eles um pouco de cidadania”, defende vice-prefeito  

Em entrevista ao Jornal O DIA, o vice-prefeito de Teresina, Robert Rios (PSB), rebateu as críticas e disse que a ideia é reformar o local em um espaço de acolhimento. Segundo ele, as pessoas em situação de vulnerabilidade não irão morar no local. 

“Por hora, é uma ideia. O Cine Rex é de propriedade privada. Não é município, Estado, nem da União. Ele tem dono. Tanto a Praça Pedro II quanto a Rio Branco são os locais que mais têm moradores de rua. Esses moradores fazem suas necessidades fisiológicas nas praças mesmo. Eu não conheço nenhuma política de levar moradores de rua para abrigos que deu certo. O Cine Rex está há anos fechado e ninguém nunca tentou dar um destino a ele. Então a nossa ideia é negociar com os proprietários para reformar o espaço e que se torne um local de acolhimento. Não um abrigo, pois eles não vão morar no local”, completou. 

Vice-prefeito de Teresina, Robert Rios. Foto: Assis Fernandes/ODIA

Rios disse ainda que a ideia é reformar banheiros para que eles tenham onde fazer suas necessidades e ainda adaptar um espaço para atendimentos odontológicos. Ele reconheceu ainda que qualquer transformação na estrutura do local precisará de autorização. 

“A ideia é dar a eles um pouco de cidadania. Se for no Cine Rex mesmo, vamos colocar banheiros para eles fazerem suas necessidades além de adaptar um espaço para que recebem atendimento odontológico. Alguns têm feridas pelo corpo, lá também terão um espaço para alguém fazer curativos. É reformar o lugar em um centro de acolhimento para auxiliar. Nós não vamos derrubar o Cine Rex e tão pouco modificá-lo. Até porque, qualquer transformação precisa de autorização”, atesta. 

Sobre a escolha do local, Rios alegou ser por causa da proximidade com os moradores. “É porque eles já ficam na porta do local. Nas praças que mencionei. Se não der certo lá, pensaremos em outro local. Agora essa é uma prioridade estabelecida pelo próprio Dr. Pessoa”, finalizou. 

Por: Jorge Machado e Virgiane Passos
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