Apesar de ter fechado no patamar inédito de R$ 5,66 na sexta-feira (24), o recorde do dólar não é real, ou seja, não é o valor máximo da moeda americana no Brasil em termos corrigidos pela inflação. Dessa forma, é chamado de recorde nominal, que se refere apenas ao número em si.
Em 10 de outubro de 2002, entre o primeiro e o segundo turno das eleições que levaram Lula à Presidência, a moeda dos EUA foi ao recorde de R$ 4,00 durante o pregão –fechou a R$ 3,99.
Naquela época, R$ 4 tinham um poder de compra maior do que têm hoje, devido à inflação.
A inflação é a alta contínua no nível geral de preços, ou seja, o quanto o custo das coisas fica maior ao longo do tempo. Como consequência, a moeda perde poder de compra.
Ela é medida por meio de índices de preços, que reúnem diversos bens e serviços de acordo com o gasto médio das famílias de determinada faixa de renda.
Para bater recorde real, dólar teria de subir mais 39% e chegar a R$ 7,86. Foto: Agência Brasil
O índice mais utilizado é o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE e considerado a inflação oficial do país.
De 10 de outubro de 2002 até março deste ano, o IPCA acumula variação de 179,41%, o que faz os R$ 4 daquela época equivalerem a R$ 11,18 hoje.
"Como temos uma inflação forte no Brasil, ela amplia a desvalorização do real, e, se olharmos só para a cotação nominal, a comparação é limitada. O valor do dinheiro muda conforme a inflação", afirma Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV.
Há também que considerar a inflação americana. Do mesmo modo que o real perdeu valor ao longo dos anos, o dólar desvalorizou, e US$ 1 em 2002 equivalia a US$ 1,42 hoje, uma perda dede 42%, segundo o CPI (Índice de Preços ao Consumidor, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.
Levando em conta a inflação dos dois países de outubro de 2002 a março de 2020 –dado mais recente disponível–, o dólar teria que subir mais 39% e superar os R$ 7,86 para bater o recorde real.
"Pelo andar da carruagem, não é um o recorde difícil de bater", diz Sampaio, da FGV.
Além da pandemia de coronavírus, que gera fortes impactos econômicos, o Brasil vive uma crise política, com a saída de Sergio Moro do governo de Jair Bolsonaro e o atrito do presidente com os demais Poderes.
"É possível bater esse recorde, mas não me arrisco a fazer projeções. Entre economistas, há a máxima de que o câmbio foi feito para nos humilhar, porque é difícil de prever", diz Alan Ghani, professor de finanças do Insper.
Além do cenário de aversão ao risco, no qual investidores procuram ativos mais seguros como o dólar, a Selic em 3,75% ao ano e a perspectiva que ela caia para 3% também aumentam a pressão sobre o real devido ao carry trade.
Nessa prática de investimento, o ganho está na diferença do câmbio e do juros. Nela, o investidor toma dinheiro a uma taxa de juros menor em um país, para aplicá-lo em outro, com outra moeda, onde o juro é maior. Com a Selic na mínima histórica, investir no Brasil fica menos vantajoso, o que contribui com uma fuga de dólares do país, elevando assim sua cotação.
Fonte: folhapress