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Falta de saneamento básico atinge principalmente saúde de crianças

Em Teresina, o Parque Vitória faz parte de um recorte preciso em que, em diferentes aspectos, é possível mensurar o impacto da falta de saneamento na vida da população

17/11/2018 08:37

Nos braços, Nildete da Silva, de 51 anos, carrega com cuidado a pequena Isadora Isis de um ano, ultrapassando um terreno íngreme e desviando de poças de esgoto a céu aberto de um lado a outro da Rua Riva Davi, no Parque Vitória, zona Sul de Teresina. O percurso de poucos metros é feito com cuidado redobrado porque, pela própria experiência de vida, a dona de casa sabe que estar em contato com o cenário pode prejudicar a sua saúde e, principalmente, a da neta. Dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2017 não deixam negar: a falta de saneamento básico, o uso de água imprópria e poluição do ar causam a morte de mais de 1,7 milhão de crianças com menos de cinco anos de idade em todo o mundo a cada ano.

Em Teresina, o Parque Vitória faz parte de um recorte preciso em que, em diferentes aspectos, é possível mensurar o impacto da falta de saneamento na vida da população. A região é fruto de uma ocupação irregular feita há sete anos, mas que, hoje, concentra a vida de cerca de três mil famílias que encontraram no espaço uma oportunidade de estabelecer a vida. 


Foto: Jailson Soares/O Dia

A falta de planejamento da ocupação, no entanto, fez com que ligações irregulares de água e a falta de esgotamento sanitário adequado repercutissem no cotidiano da população.

“Os canos estouram e ficam desperdiçando água durante muitos dias e a água acaba sendo contaminada com o esgoto que não é tratado de forma certa. A água que chega para a gente, quando chega, também não é do jeito que é pra ser e, por isso, eu sei que é comum as crianças adoecerem, eu mesma já senti diarreia”, explica Nildete.

A mãe da pequena Isis também reforça os argumentos. Deila Barbosa, de 27 anos, para evitar ver a filha adoecendo, decidiu não mais consumir a água que chega através das ligações irregulares. “Todo mês gastamos cerca de R$ 50 comprando galões de água para consumir e fazer a comida, porque essa aqui, mesmo filtrada, fazia a neném ter dor de barriga”, conta.

O consumo de água não tratada pode causar doenças como diarreia, febre tifoide, hepatite A, infecção intestinal, leptospirose, salmonela e outras doenças como cólera, rotavírus ou noravírus. Tais diagnósticos poderiam ser prevenidos com o investimento adequado na infraestrutura. De acordo com levantamento divulgado no 7º Encontro Nacional das Águas, realizado em agosto de 2018, a universalização do saneamento básico no Brasil geraria uma economia anual de R$ 1,4 bilhão em recursos gastos na área de saúde para tratar doenças provenientes da falta de coleta de esgoto e do fornecimento de água sem qualidade à população.


“Os canos estouram e ficam desperdiçando água durante muitos dias e a água acaba sendo contaminada com o esgoto que não é tratado de forma certa", diz Nildete da Silva.


Realidade em transformação

A Prefeitura de Teresina e a empresa Águas de Teresina estão em processo de implantação de 22,6 quilômetros de rede de água no Parque Vitória. Com o processo de regularização fundiária em andamento, os mais de 3.200 imóveis farão parte da área de atendimento da concessionária recebendo água de qualidade em suas residências.

Na continuação desta matéria, que será publicada em duas edições do Jornal O DIA, serão exploradas as demais consequências para a saúde da falta de saneamento e como os órgãos institucionais têm enfrentado tal realidade.

Por mês, 80 crianças são atendidas por diagnósticos ligados à falta de saneamento

Na Unidade Básica de Saúde Dr. José Arimatéa dos Santos, local que é a principal porta de entrada para o atendimento dos moradores das localidades que circundam o Loteamento Alto Bonito, entre eles, o Parque Vitória, a média de atendimentos de crianças por conta de doenças ligadas à falta de saneamento, segundo a equipe médica, chega a cerca de 80 por mês.

“Atendo a população do Parque Vitória e do Betinho II aqui na UBS. No caso do Parque Vitória, como é uma área de invasão, a carência da população é enorme em todos os aspectos e o saneamento básico é uma carência que a gente enfrenta aqui no bairro. Isso influencia na vida da população de várias formas, no convívio dentro de casa, nas atividades profissionais e no convívio das crianças na escola, ou seja, na saúde da população como um todo”, explica Camilla Aniele Areia, médica da estratégia saúde da família 308.

Segundo a profissional, as principais queixas que chegam para atendimento são associadas a problemas gastrointestinais, incluindo diarreia e vômitos. “E a gente vê que a população mais afetada são as crianças de 0 até cerca de 7 anos”, ressalta.


Camilla Aniele atende a população do Parque Vitória e do Betinho II (Foto: Poliana Oliveira/O Dia)

Na Unidade de Saúde, além da prescrição de remédios, a população também é orientada a realizar medidas básicas para prevenir as doenças, tais como ferver água, lavar alimentos, principalmente verdura e fruta, e não entrar em contato com água contaminada.

“O saneamento influencia também em outras comorbidades, a de doenças transmitidas pelo ar, por exemplo, como é o caso da tuberculose e até casos de hanseníase, também encontramos na população desta área”, destaca Camila.

Como profissional da saúde, a médica sabe que com investimentos em infraestrutura e prevenção, o impacto dos gastos na saúde para o tratamento de doenças simples seria diluído e os recursos possíveis de serem investidos em outras áreas. “O saneamento é fundamental para a saúde”, finaliza.

Exposição a cenários contaminados prejudica desenvolvimento infantil

A falta de saneamento traz complicações para a saúde das mais diversas, desde infecções diarreicas, que são as mais prevalentes, à febre tifoide e cólera, diagnósticos ainda mais graves. O efeito das doenças causadas pela exposição à água e ao esgoto contaminados pode prejudicar diretamente o desenvolvimento de crianças. É que nesta fase da vida, os fatores externos são determinantes, principalmente, para o desenvolvimento físico e intelectual da faixa etária de 0 a 5 anos.

A infectologista Elna Amaral explica que as frequentes diarreias e desidratações causadas pela ingestão de alimentos contaminados, água sem tratamento adequado ou até mesmo por pequenas infecções intestinais causadas por agentes transmissores, podem comprometer seriamente o estado nutricional e, consequentemente, o crescimento da criança. 


Crianças expostas à água e aos esgotos contaminados sofrem as consequências (Foto: Jailson Soares/O Dia)

“Por vários motivos, a falta de saneamento acaba ocasionando o acúmulo de sujeira, de esgoto, fezes de animais no ambiente e isso faz com que haja proliferação de mosca, mosquito, de baratas, ratos e outros animais, que são agentes transmissores de várias doenças. A mosca, por exemplo, pode sentar no prato e levar uma série de vírus causadores de verme e anemia”, relata.

A instalação de doenças também pode acontecer de forma direta. O contato com água parada e esgotos a céu aberto, muito comum em ocupações irregulares que não contam com o uso de banheiros e fossas sépticas, acaba favorecendo que agentes infecciosos que estão no ambiente sejam contraídos pelo organismo. “Como as crianças são menos cuidadosas com a higiene e podem brincar em locais que a colocam diretamente em contato com esse tipo de cenário, pelo contato das mãos com olhos e boca, pode fazer com que criança adquira doenças de forma recorrente”, alerta.

Elna destaca que infecções repetitivas ou crônicas podem deixar sequelas e ter impacto no crescimento. “A criança pode até ter um déficit neurológico por conta da repetição da presença dos agentes infecciosos no organismo, além do que a falta de nutrientes impedirá o seu desenvolvimento físico de forma adequada”, pontua.


"A falta de saneamento acaba ocasionando o acúmulo de sujeira, de esgoto, fezes de animais no ambiente e isso faz com que haja proliferação de agentes transmissores de várias doenças", diz infectologista.


Cuidados

É por isso que nessas condições ambientais, os cuidados quanto à higiene são ainda mais indispensáveis. Medidas simples podem ajudar na prevenção de doenças como lavar muito bem os alimentos, higienizar as mãos, ferver a água e evitar contato com ambientes de risco podem ajudar a minimizar os problemas. 

Com a presença de sintomas como de falta de apetite, vômito e diarreia, as pessoas devem procurar a unidade de saúde mais próxima para acompanhamento médico. No caso das crianças, a utilização de suplementos nutricionais e uma dieta balanceada podem ajudar a recuperar e fortalecer o seu sistema imunológico.

“A cada real de investimento em saneamento, você economiza R$ 4 em saúde”

A relação entre saneamento e saúde é tão direta que dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que a cada R$ 1 investido em saneamento básico, economiza-se R$ 4 em gastos com o sistema de saúde pública. O dado também é usado por Pedro Alves, gerente de Sustentabilidade da Águas de Teresina - subconcessionária responsável pelos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto da zona urbana de Teresina, para explicar o cenário de atuação da instituição.

“Sabemos que a OMS constatou que a cada real de investimento em saneamento, você economiza R$ 4 em saúde. Atualmente, a Águas de Teresina realiza todo o tratamento e distribuição da água em Teresina e já estamos ampliando nossos serviços”, pontua.


Pedro Alves destaca investimentos da Águas de Teresina (Foto: Poliana Oliveira/O Dia)

Segundo Pedro, a empresa vai universalizar, no terceiro ano de concessão, o acesso à água tratada na capital do Piauí, reduzindo o índice de perdas para 25% em uma década e implantar, em 16 anos, o sistema de esgotamento sanitário a 90% da população.

O gerente dá o exemplo do Parque Vitória, que está em processo de finalização de ligamentos regulares de água e esgotamento. No local, as ligações irregulares possibilitavam que a água tivesse contato com esgoto e impedia a garantia da qualidade de vida da população. Uma realidade que começa a ser transformada a partir da regularização da rede, que influencia diretamente também na diminuição de desperdício e incentivo ao consumo consciente.

“Temos perda de água superior a 50% e queremos reduzir pela metade nos próximos 10 anos. Isso é muito. Já mapeamos cerca de 11 localidades de ocupação irregular em Teresina, onde vivem aproximadamente 10 mil famílias, são áreas que esperamos alcançar”, descreve.

Tratamento de água

Atualmente, a Águas de Teresina distribui cerca de 3 mil m² de água por hora na cidade através de um sistema constituído por unidades de captação, adução, tratamento, reservação e distribuição. “Temos duas captações mais representativas que são as dos rios, captamos a água do Rio Parnaíba, na parte Sul e Norte, e fazemos todo o tratamento. Pegamos uma água que não está própria e deixamos totalmente adequada para consumo humano. A cada dois meses, fazemos uma análise e ela vai impressa na conta para o consumidor poder acompanhar”, finaliza.


Info: O Dia

Ampliação de rede de esgoto é impulsionada

Segundo o Sistema Nacional de Saneamento, conduzido pelo Ministério das Cidades, Teresina é a 5ª capital com pior indicador de cobertura de esgoto dentre as capitais do Nordeste. Mudar essa realidade é um dos grandes desafios do plano diretor da Águas de Teresina, que assumiu a subconcessão há um ano e quatro meses.

Em 2017, os índices de tratamento de esgoto na Capital eram de 19,12% de cobertura de esgotamento sanitário. Atualmente, o percentual é de 26%, sendo essa malha de rede de esgoto localizada nas regiões do Centro, Pirajá (zona Norte) e parte da zona Leste. Dentro do programa Teresina Saneada, a previsão é de ampliar significativamente essa rede nos próximos anos.

“Até 2020, queremos ampliar para 40% [a cobertura de esgotamento sanitário], mais do que o dobro do índice que temos hoje, com 100% de água de tratada. Vale lembrar que a média nacional é de 30% e só 50% deste percentual tem tratamento. Para avançar ainda mais, as outras intervenções serão na zona Leste e até 2023/2024 iremos para 63%”, afirma Diego Dal Magro, diretor executivo da Águas de Teresina.

O sistema de tratamento da zona Leste atende 85 mil pessoas na área urbana e contém cerca de 236 quilômetros de esgoto existente. Já a estação de tratamento Pirajá, na zona Norte, atende 58 mil pessoas e têm 169 quilômetros de rede existente. O plano diretor da Águas de Teresina prevê a colocação de um interceptor saindo do Poti Velho ao Saci. Isso será fundamental para atender a rede de domicílios, que encaminhará esses resíduos até as estações de tratamento de esgoto.


Em 2017, os índices de tratamento de esgoto na Capital eram de 19,12% de cobertura de esgotamento sanitário. Atualmente, o percentual é de 26%.


Plano Municipal de Saneamento traça intervenções a curto, médio e longo prazo

Teresina faz parte, desde o início do ano, do grupo de um terço das cidades brasileiras que possuem um Plano Municipal de Saneamento Básico. Implementado no primeiro semestre, o documento traça o diagnóstico e ações a serem praticadas na área de saneamento a curto, médio e longo prazo.

Segundo José Alberto Rodrigues, assessor de coordenação da Secretaria Municipal de Planejamento (Semplan), o plano traz ganhos em diferentes escalas para a cidade. Isto porque o documento pontua as metas e diretrizes a serem realizadas nos quatro eixos que compõem o saneamento, que são o esgotamento sanitário, abastecimento de água, drenagem e gestão de resíduos sólidos. 


José Alberto detalha documento que apresenta metas e diretrizes para Teresina (Foto: Jailson Soares/O Dia)

“Temos um prognóstico das ações que precisam ser implementadas a curto [prazo], de 1 a 4 anos; a médio, de 4 a 8 anos, e a longo prazo que são as com tempo esperado de 8 a 20 anos. Além disso, o plano também dá a prioridade no acesso a recursos do Governo Federal. A Prefeitura, após implementação do documento, entra para o seleto grupo de municípios brasileiros, apenas de 30%, que têm esse plano”, destaca José.

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Trata Brasil, por meio do estudo de 2017 denominado “Diagnóstico da situação dos Planos Municipais de Saneamento Básico e da regularização dos serviços nas 100 maiores cidades brasileiras”, das 5.570 cidades brasileiras, apenas 1.693 (30%) realizaram seus Planos Municipais; 38% das cidades declararam que estão com os planos em andamento. Os planos estão previstos na Lei 11.445 de 2007, conhecida como a Lei do Saneamento Básico.

Em Teresina, a Prefeitura gere ações relacionadas à drenagem e à gestão de resíduos sólidos; enquanto os serviços de esgotamento sanitário e abastecimento de água são geridos pela concessionária Águas de Teresina.

Por: Glenda Uchôa e Isabela Lopes
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