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Em parecer, promotor defende obstetra suspeito de abuso e duvida de vítimas

Promotor Francisco Raulino Neto pediu arquivamento do inquérito que investiga suposto abuso sexual praticado pelo obstetra Felizardo Batista

09/06/2017 14:23

O promotor Francisco Raulino Neto concluiu o seu parecer e pediu o arquivamento do inquérito presidido pela delegada Carla Brizzi, que indiciou o obstetra Felizardo Batista, denunciado por abuso sexual a pacientes.

De acordo com informações apuradas pelo Portal O DIA, em seu parecer, o promotor questiona as testemunhas e as vítimas, considerando ainda que o médico denunciado é um profissional renomado. Ele afirma também que a delegada Carla Brizzi não teve a cautela necessária para coletar provas que embasassem a denúncia. “As provas carreadas para este inquérito policial foram, basicamente, testemunhais. O que se pode constatar foi uma excessiva pressa em indiciar um médico renomado”, afirma Raulino Neto.

Ele relata as condutas descritas pelas vítimas e pelas testemunhas, mas anula as denúncias ao ressaltar que o médico indiciado e a sua auxiliar descrevem outros procedimentos. “As vítimas (e algumas testemunhas) descreveram condutas do médico indiciado como abusivas, estando entre elas práticas como carícias indevidas em seios, nádegas e vaginas, além da introdução de dedos em vaginas ou ânus. O médico indiciado, que é mastologista, obstetra e ginecologista, e sua auxiliar, também indiciada, descreveram as condutas médicas, como são realizadas, e as formas como são feitos os atendimentos, contrapondo-se ao que disseram as supostas vítimas”.

Omissão no parecer

O crime previsto no artigo 225 do código penal, está sujeito a uma ação penal pública, condicionada à representação da vítima, ou seja, para que o Ministério Público mova a ação, é necessário que a vítima tenha denunciado formalmente, no prazo de seis meses.

Uma das alegações do promotor para pedir o arquivamento do inquérito é o fato de que a maioria das supostas vítimas não havia denunciado no prazo. Algumas mulheres ouvidas teriam sido abusadas há sete meses, dois anos ou até duas décadas. Nesses casos, ocorreu a decorrência, ou seja, não há mais possibilidade de representação.

O Portal O DIA entrou em contato com a delegada Carla Brizzi, que ainda não tinha informações sobre o parecer. Após se inteirar do conteúdo, ela explicou que o promotor omitiu a principal vítima, e por isso, o caso não pode ser arquivado. “Uma mulher fez a denúncia no dia seguinte à ocorrência do abuso. Por mais que as demais vítimas não possam processar o acusado, elas servem como testemunhas. Eu não tenho o depoimento de uma mulher isolada, eu tenho vários, que coincidem em aspectos importantes e minuciosos. A prova torna-se mais sólida”, defende Brizzi.

Culpabilidade

Nas demais alegações do seu parecer, o promotor Francisco Raulino põe em dúvida a veracidade dos depoimentos e sugere que a delegada deveria ter colocado vítima e acusado frente a frente para uma acareação. “Muitas versões poderiam ter gerado indagações que não foram feitas e, por isto mesmo, não foram respondidas”, justifica.

Francisco Raulino ainda segue com os questionamentos, contrapondo cada uma das supostas vítimas. “O médico atendeu as mulheres da família dela. Por que somente a ela teria agredido? Por que a mãe sabendo do "assanhamento" do médico não se propôs a conversar com ele? Por que temia que sua mãe (e demais parentas) não acreditasse nela?”, pergunta o promotor.

Citando outra vítima, Francisco Raulino também duvida. “Por que não reclamou com a direção da Clínica Batista a respeito da ausência de atendente nos exames e sobre a maneira como foi examinada, já que contratou advogada para orientá-la?”, continua o promotor, questionando ainda uma terceira vítima. “Teve coragem de publicar sua versão dos fatos no Facebook, mas não procurou a direção da Clínica Santa Fé ou a autoridade policial, por quê?

O promotor também afirma que a defesa do médico Felizardo Batista requereu a oitiva de treze pessoas, mas nenhuma delas foi chamada para depor. “Foram ouvidas nove supostas vítimas e onze testemunhas, sendo que destas, oito tiveram seus testemunhos inclinados para a acusação e somente três com possibilidade de se classificar como inclinadas para a defesa dos indiciados”., diz Francisco Raulino, citando os nomes de várias testemunhas que deveriam ter sido chamadas.

De acordo com a delegada Carla Brizzi, a necessidade de novas diligências, como foi apontado pelo promotor, é mais um motivo para que o caso não seja arquivado. “Ele pode mandar para a delegacia de volta que nós cumprimos todas as diligencias requisitadas. A Polícia Civil está à disposição do Ministério Público. Não é o caso de simplesmente arquivar”, defende.

Palavra da vítima

A delegada Carla Brizzi discorda do promotor Francisco Raulino, quando ele alega que não há provas suficientes. Ela cita longos depoimentos de vítimas, com detalhes íntimos sobre como eram realizadas as consultas, e ressalta que as informações entre elas coincidem.

Para Brizzi, a palavra das vítimas é importante. “É evidente que em crimes sexuais, às vezes, nem prova testemunhal nós temos. E o os tribunais superiores consideram o depoimento da vítima como de fundamental importância, até mesmo usando como base para tomar a decisão. Nesse caso do médico, várias outras mulheres narram os fatos, mulheres que não se conhecem, que foram atendidas em épocas diferentes, e as narrativas delas coincidem demais”, reforça.

A delegada lembra ainda dos laudos psicológicos que foram anexados ao inquérito. “Eles mostram que uma mulher sofre de estresse pós-traumático em razão da situação a que ela foi submetida. Em um inquérito de crime sexual tem que levar em consideração a palavra da vítima, quando são múltiplas vítimas, se os depoimentos coincidem, se os detalhes batem. Tudo isso não pode ser descartado”, contesta.

Carla Brizzi também comenta sobre o áudio de uma das vítimas, relatando o abuso dez minutos após ele ter ocorrido. “Ela fala tudo para um parente. Temos a transcrição desse áudio e a oitiva dessa testemunha que recebeu o áudio”, acrescenta a delegada.

Para ela, é importante que haja a ação penal, pois é através dela que vai confirmar, ou não, a prática do crime. “Na dúvida, o promotor optou pelo arquivamento. Os indícios existem, agora para saber se ele é culpado ou inocente, é preciso que a ação penal aconteça”, defende Brizzi.

O processo

O parecer do promotor Francisco Raulino será analisado pelo juiz Luiz de Moura, da Central de Inquéritos. O magistrado poderá arquivar o caso, como foi pedido pelo promotor Francisco Raulino Neto, ou devolver para que o Ministério Público se pronuncie sobre a omissão de uma das vítimas nas alegações finais.

O Portal O DIA entrou em contato com o promotor, mas ele afirmou que não dava entrevista sobre processos que ainda estão em andamento.

Por: Nayara Felizardo
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