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COMUNICAÇÃO NÃO-VIOLENTA: um trabalho de autoconsciência e empatia

Forma de falar com o outro pode estar carregada de cobranças e ataques, ainda que locutor não perceba

06/02/2021 09:48

Grande parte dos conflitos que temos com outras pessoas é causada pela forma como expomos nossas ideias. Pedir um favor a um amigo; solicitar ao filho que realize uma tarefa ou dar um ‘bom dia’ no ambiente de trabalho parecem ações simples e, aparentemente, sem intenções ou julgamentos. Porém, essas frases podem estar carregadas de cobranças e ataques, ainda que seu locutor não perceba.

Foto: Assis Fernandes/ODIA

Ter uma Comunicação Não-Violenta (CNV) exige um trabalho diário de autoconsciência e empatia ao próximo, por isso também é conhecida como Comunicação Empática. Mas, como desnaturalizar ações e atitudes que aprendemos e carregamos ao longo de nossas vidas? Yako Guerra, comunicador social e coordenador do grupo Coisa de Homem, explica que, antes de tudo, é preciso entender como a comunicação violenta é construída.

“Quando falo de comunicação violenta, não estou me referindo somente ao xingamento ou quando tem uma voz alterada. Ela é naturalizada nos discursos sutis de deboche, ironia, discurso de mãe e pai para os filhos ao dizerem ‘quando é para mim nada é feito’. A comunicação violenta é todo tipo de comunicação que não conecta com o outro, que não vai chegar na pessoa de uma forma que atenda à ela e às suas necessidades. Pelo contrário, a pessoa tentará se defender e a probabilidade é de que vá para um embate”, explica.

Em contraponto a tudo isso, a CNV vem como uma metodologia criada com o princípio de familiarização dos sentimentos e necessidades do outro. Desenvolvida pelo psicólogo norte- -americano Marshall Rosenberg, especialista em mediação de conflitos, a técnica baseia-se na linguagem e na forma como cada um se expressa e ouve os demais, resultando em estímulos positivos e de conexão com o outro. Para isso, Yako Guerra destaca que “é preciso ter uma autoconsciência do que está acontecendo da pele para dentro, como você está vendo ao redor e vai se expressar em cima disso”, disse.

As principais premissas da Comunicação Não-Violenta são estabelecer um diálogo autêntico e empático. Por isso, ao falar de sentimentos, seja sincero e demonstre suas sensações ao outro. “Autêntico porque eu vou falar exatamente das minhas experiências, como eu me sinto, sendo o mais verdadeiro possível para falar de como aquilo me afetou. E empático porque estarei disponível para te ouvir, tentar entender o que você sentiu. Não existe uma relação ganha e perde. Vamos buscar sempre uma relação ganha e ganha, co-criando relações juntos”, explica Yako Guerra. O comunicador social também chama atenção para os pseudos-sentimentos, que devem ser evitados. “Quando você diz ‘estou me sentindo abandonada’, deve-se entender que abandonada não é sentimento. Isso é uma camada de julgamento. Você pode dizer que está se sentindo sozinha, angustiada. Fale de você! Quando mais eu falo de mim, da minha experiência e de como me sinto, mais eu tenho chances de me conectar com uma pessoa”, acrescenta, destacando que é importante buscar soluções para melhorar as relações e deixar esses pedidos acordados.

Ao demonstrarem interesse em se expressar de uma maneira não violenta, muitas pessoas são interpretadas como passivas ou até boazinhas. Porém, é preciso entender que Comunicação Não-Violenta não é sinônimo de passividade. Essa é uma postura que tem como premissa manter a boa relação e conexão com o outro, de forma a não gerar conflitos. Como exemplo, podemos citar a edição do Big Brother Brasil 2021 (BBB), onde os discursos estão acalorados e até agressivos por parte de alguns participantes, como da cantora e rapper Karol Conká. A postura da participante tem chamado atenção negativamente devido sua comunicação violenta com outros integrantes do reality. O oposto do que observamos na edição de 2020, quando a cantora Manu Gavassi apresentou uma postura totalmente equilibrada, mesmo diante de provocações e

Dizem que nem tudo na vida segue uma receita de bolo, mas, para fazer um pedido, existe sim uma fórmula que pode ser aplicada em todas as situações da vida. Ela segue quatro etapas e tem como finalidade observar o que acontece ao redor, sem fazer julgamento, compreendendo as necessidades do outro e sendo sincero com seus sentimentos. Yako Guerra cita que a primeira etapa consiste no indivíduo trabalhar sua capacidade de ver os fatos o mais próximo do que ele é, com o mínimo de julgamento, e cita um exemplo. 

“Se eu convido meu melhor amigo para o meu aniversário, ligo e ele não atende, eu já ficaria pensando mil coisas: que esse amigo não tem consideração, ficaria triste, xingaria, tudo mentalmente. Estarei no meio do aniversário, mas com a cabeça fermentando um discurso agressivo. Muitos dos conflitos podem ser evitados se eu me atenho apenas aos fatos: ‘Eu liguei para o meu amigo e ele não atendeu!’. Isso faz com que a situação parece muito ruim ou pior do que de fato ela realmente é”, exemplifica. 

Ao ter em mente o fato como ele realmente é, deve-se trabalhar na identificação das necessidades e sentimentos. Essa é a segunda etapa do processo de como fazer um pedido. Assim, é preciso entender que diversos pensamentos se farão presentes, como julgamentos e sensações, e que eles devem ser reconhecidos e expressados. O terceiro passo visa entender as responsabilidades pelo que está sendo sentindo e que não está sendo atendido. Isso fará com que você siga para o quarto passo, que é fazer um pedido, nesse caso do exemplo, ao amigo que não compareceu ao aniversário.

 “Entendendo tudo isso, eu vou conversar com esse amigo e dizer que me senti entristecido, desapontado, com raiva, porque era importante que ele estivesse presente. Mas também pedi que, na próxima vez que algo acontecer, ele me avise e que conte comigo. É importante que, quando for fazer um pedido, diga o mais perto da realidade do que aconteceu com você e o que sentiu”, enfatiza Yako Guerra.

 O mesmo vale, por exemplo, quando alguém falar alto ou agir de maneira que lhe deixe acuado ou entristecido. Converse com essa pessoa e expresse aquilo que sentiu, de forma a deixá-la ciente de que aquela atitude lhe causou sensações desagradáveis. Peça que, em uma próxima vez, a pessoa utilize um tom mais ameno. E lembre-se: seja gentil com suas palavras ainda que esteja magoado com a situação. “Você sempre deve dizer como se sente. Não é culpar o outro. Você não pode chegar na sua mãe ou para seu chefe dizendo que ele/ela é carrasco (a) com você. Você vai criar um embate. Se falar de como se sente, você desarma a pessoa, então ela não irá se fechar com você, pelo contrário, irá se conectar contigo”, disse.

Situações desconcertantes. As reações das duas cantoras trazem à tona uma discussão sobre escuta empática e autenticidade. O comunicador social Yako Guerra comenta que, infelizmente, nem todas as pessoas estão disponíveis a ouvir e têm uma boa relação com os outros indivíduos. “É preciso destruir muros para construir pontes. Você vai esbarrar em pessoas que não estão dispostas, mas existem diversas formas de abordá-las. A Manu Gavassi é um bom exemplo de uma pessoa que conseguia se comunicar com todos, mesmo com várias pessoas que chegavam nela com impulsos passionais, ela tentava buscar soluções. Não é sobre ser bonzinho, é sobre ser autêntico e empático. Cuidar de você ao mesmo tempo que cuida do outro”, comenta.

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