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"˜Tocar o terror"™ obriga autoridades a ceder a facções, diz especialista

Doutor em Sociologia e professor da Ufpi explica como as facções criminosas se formam dentro dos presídios e como elas comandam o crime fora das unidades prisionais.

22/08/2017 21:36

incêndio de três ônibus ocorridos na noite de segunda-feira (21) em Teresina  fez as autoridades em Segurança Pública do Estado entrarem em alerta diante da possibilidade de os ataques terem sido comandados por presos de dentro da Casa de Custódia. O presídio, que é o maior do Piauí, foi palco de um motim de detentos na noite do domingo (20) por conta da instalação de câmeras de monitoramento 24 horas nas dependências da unidade.

A semelhança entre os casos de incêndio, que ocorrem na zona Leste e na zona Sudeste, dá mais força à hipótese de um ataque ordenado. Para o doutor em Sociologia e especialista em Segurança Pública, Benedito Carlos de Araújo, ordenar ataques de dentro dos presídios é a forma como as facções criminosas encontram de obrigar as autoridades a cederem a suas exigências.

Benedito explica que as facções criminosas de dentro dos presídios denominam estas ações de “tocar o terror” e elas consistem justamente em mirar na sociedade aqui fora para atingir os responsáveis pela administração pública. “Isso aconteceu no Rio Grande do Norte, acontece muito no Rio de Janeiro e na década de 90 era algo bem forte também. Esses presos entendem que tocando o terror na cidade, eles conseguem atacar diretores de presídios, por exemplo, porque eles têm força para isso. É algo semelhante ao que terroristas fazem quando atingem civis inocentes”.


Motivações e modus operandi

A primeira motivação que leva presos a se unirem dentro das penitenciárias é a econômica, de acordo com o professor Benedito. Ele cita como exemplo o Primeiro Comando da Capital (PCC), que tem uma organização hierárquica semelhante a uma empresa e já chegou a movimentar mais de R$ 10 milhões por ano dentro dos presídios com o tráfico.

Outro fator que contribui para isso é o excesso de presos no sistema carcerário. “É comum alguns detentos assumirem a posição de liderança enquanto outros, que temem essas figuras, são cooptados. As moedas de troca são várias: desde cigarro até certos privilégios como mais tempo na visita. E há casos inclusive de agentes públicos corruptos que facilitam a formação desses grupos por meio da omissão ou até mesmo da colaboração com eles”, pontua o professor.

Benedito acrescenta que as facções agem de forma extremamente racional, tanto que há casos de presos possuem bom comportamento justamente para conseguir progressão de pena, sair antes do esperado e poder atuar como braço da facção aqui fora. Aos líderes, o professor destaca, é mais conveniente permanecer encarcerado pois assim eles seguem comandando o crime sob proteção do Estado sem correr nenhum risco direto.

Possíveis soluções

Como medidas para impedir a formação de facções criminosas nos presídios, o ideal seria retirar do encarceramento as pessoas mais fragilizadas e que cometeram crimes com menor potencial ofensivo, porque são elas que são levadas a serem comandadas pelos líderes. É isso que propõe o professor Benedito. Ele fala na aplicação de penas alternativas, o que reduziria também o problema da superlotação.

O investimento na educação, ele aponta como sendo o principal caminho para uma solução efetiva, uma vez que comprovadamente a maioria dos apenados possuem baixa escolaridade e não tiveram acesso a uma formação de qualidade. “Em países como a Noruega, por exemplo, os presos que fazem cursos dentro dos presídios têm redução na pena e já saem com uma formação superior, o que reduz enormemente os índices de retorno à criminalidade”, diz.

Construir mais presídios também seria uma saída, mas além de ser um investimento mais caro, não atacaria a causa do problema. O professor lembra que com 600 mil pessoas presas, o Brasil é o quarto do mundo no tamanho da população carcerária. “Tem que investir pesado em segurança e educação porque enquanto tentarem sucatear o sistema, a tendência é só piorar”, finaliza.

Por: Maria Clara Estrêla
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