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Um terço dos pacientes do Areolino de Abreu foram abandonados pela família

Sem ter para onde ir, muitos desses pacientes que recebem alta ficam aguardando uma vaga na residência terapêutica, que consiste em uma casa organizada para receber um grupo de três a oito ex-pacientes que não têm família.

16/02/2019 08:07

Um dado chama atenção dos profissionais de saúde e do diretor do Hospital Areolino de Abreu: a quantidade de pacientes que estão em alta na unidade hospitalar aguardando a busca de familiares ou ordem judicial. Dos 151 leitos ocupados, 49 pacientes já poderiam ter deixado o hospital. Isto significa que quase um terço das vagas ocupadas no Areolino de Abreu poderiam estar desocupadas se esses pacientes retornassem para seus lares.

Os casos de abandono de pacientes são mais comuns do que se imagina, segundo o diretor do hospital. Ralph Webester cita exemplo de um paciente de 53 anos e que está internado há 2.966 dias, o equivalente há oito anos. Outro exemplo é um paciente autista, que foi abandonado pela mãe aos 20 anos e já soma mais de 10 anos de Hospital Areolino de Abreu.


Os casos de abandono de pacientes são mais comuns do que se imagina, segundo o diretor do Areolino de Abreu


Sem ter para onde ir, muitos desses pacientes que recebem alta ficam aguardando uma vaga na residência terapêutica, que consiste em uma casa organizada para receber um grupo de três a oito ex-pacientes que não têm família. O local é semelhante a uma república, porém, recebe pessoas com transtorno mental.

“O Estado mantém as residências e disponibiliza um cuidador para prestar atenção nos remédios, orientando sobre a autonomia deles e estimulando sua independência. Quem vai para a residência terapêutica conta com um benefício para se manter, já que não têm mais vínculo familiar. Atualmente, existem seis residências terapêuticas, sendo três municipais e três estaduais, com aproximadamente seis ex-pacientes”, conta.


Foto: Assis Fernandes/O Dia

Facilidade de internação pode aumentar abandono de crianças e adolescentes

O coordenador Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro, que assina a nota técnica e defende o destaque dado ao tratamento, avalia haver um número insuficiente de leitos no país para atendimento de saúde mental. Ele diz que crianças e adolescentes podem ser internados, mas isso raramente é feito pela carência de vagas.

Contudo, a internação de pacientes jovens chama atenção, principalmente para questões como descaso e abandono familiar. De acordo o psiquiatra Ralph Webester, o problema de transtornos mentais em crianças e adolescentes é muito delicado e é necessária maior atenção. Ele teme que, abrindo mais vagas e facilitando o processo de internação, a quantidade de jovens abandonados aumente.

“Porque se tem um local para deixar esse jovem com retardo mental, vai acontecer o que aconteceu antigamente, muitos jovens sendo esquecidos e deixados nos hospitais psiquiátricos, ficando abandonados porque ninguém queria ter trabalho. As pessoas acham melhor deixar o paciente aqui do que ficar com ele em casa, pois acham que, no hospital psiquiátrico, eles estarão com pessoas iguais a ela, tendo sempre o acompanhamento de um profissional quando tiver uma crise, e é assim que se forma uma sociedade separada do restante da sociedade”, fala.


“Porque se tem um local para deixar esse jovem com retardo mental, vai acontecer o que aconteceu antigamente, muitos jovens sendo esquecidos e deixados nos hospitais psiquiátricos", diz Webester.


Sobre os familiares de pacientes, o diretor do Areolino de Abreu revela que “as pessoas desaparecem, mudam de endereço. Às vezes, precisamos acionar a Justiça para eles virem pegar; mas em outros hospitais, que não vão atrás, o paciente passa o restante da vida lá”.

Gisele Martins, gerente de Saúde Mental da Sesapi, ressalta que a colocação de crianças e adolescentes em leitos psiquiátricos novamente não seria a melhor terapêutica para eles, já que devem ser respeitados os requisitos do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente). “Vemos isso como um retrocesso e que não é possível ser implementado. Enquanto movimento social, trabalhador e de profissionais da saúde, devemos tentar barrar, no que for possível, as mudanças que estão sendo propostas, mas sem serem discutidas com a sociedade e de forma ampla com os profissionais que fazem a saúde mental”, frisa Gisele Martins.


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Eletrochoque no Areolino de Abreu

No Piauí, a unidade do Hospital Areolino de Abreu dispõe de 160 leitos para internação integral, ou seja, para mais de 30 dias; além de urgência psiquiátrica com médico 24 horas e atendimento de consultas laboratoriais com especialistas. Desse total de leitos, 151 vagas estão preenchidas com pacientes internados e 16 leitos são destinados para crianças e adolescentes.

O diretor da unidade, Ralph Webester, comenta que o tratamento feito no hospital psiquiátrico tem sua clientela definida com base em uma rede de assistência. O paciente poderá passar por um CAPS, por um ambulatório ou até mesmo precisar ser internado. Com relação à nota técnica emitida pelo Ministério da Saúde, o diretor faz uma ressalva. 

“Hoje, procuramos deixar claro que é preciso ter uma indicação para internar, pois nem sempre precisa ficar internado. Eu tenho críticas com relação à nota técnica porque não existe nenhum hospital psiquiátrico público do País que tenha uma sala de anestesia e um profissional anestesiologista. Vai ser contratado esse profissional? Será construída uma sala de cirurgia? Porque este é um procedimento que precisa ser feito em sala de cirurgia. Aqui no Areolino de Abreu, quando o paciente precisa deste procedimento, ele é encaminhado para outro hospital”, explica. 

O passado 

Ralph Webester enfatiza que o que aconteceu no passado, com relação ao uso de eletrochoque, deve-se à aplicação indiscriminada e sem condições adequadas. O psiquiatra lembra que esta é uma técnica criada no século passado, que nunca deixou de existir e exige recomendações para que seja feita da forma correta. “No passado, era feito da forma incorreta e ninguém fiscalizava. A sociedade não presta atenção no que acontece em um hospital psiquiátrico; se essas pessoas estão abandonadas e ao que são submetidas, contanto que não fiquem soltas pelas ruas”, destaca. 

Por: Isabela Lopes - Jornal O Dia
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