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Eletrochoque: retrocesso ou uma necessidade?

Nota técnica do Ministério da Saúde fala sobre uso do equipamento para o tratamento de pacientes que apresentam determinados transtornos mentais graves e refratários.

16/02/2019 07:47

Criada na década de 1930 por neuropsiquiatras italianos, a eletroconvulsoterapia (ETC), ou eletrochoque, foi uma técnica terapêutica revolucionária numa época em que não existiam medicações ou qualquer tratamento específico para as patologias psiquiátricas. No Brasil, esse é um tratamento médico regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e com indicações precisas para doenças psiquiátricas, inclusive, em gestantes. E, diferente do que muitos pensam, este ainda é um método utilizado até hoje.


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A discussão sobre o uso de eletrochoque como tratamento em pacientes com transtornos mentais volta à discussão após a divulgação da Nota Técnica, Nº 11/2019, da Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Ministério da Saúde, intitulada “Nova Saúde Mental”. Na nota, o texto destaca que, “quando se trata de oferta de tratamento efetivo aos pacientes com transtornos mentais, há que se buscar oferecer no SUS a disponibilização do melhor aparato terapêutico para a população, como exemplo, há a Eletroconvulsoterapia (ECT), cujo aparelho passou a compor a lista do Sistema de Informação e Gerenciamento de Equipamentos e Materiais (SIGEM) do Fundo Nacional de Saúde, no item 11711”, diz. 


“Quando se trata de oferta de tratamento efetivo aos pacientes com transtornos mentais, há que se buscar oferecer no SUS a disponibilização do melhor aparato terapêutico para a população, como exemplo, há a Eletroconvulsoterapia", diz a nota.


A nota ainda destaca que “desse modo, o Ministério da Saúde passa a financiar a compra desse tipo de equipamento para o tratamento de pacientes que apresentam determinados transtornos mentais graves e refratários a outras abordagens terapêuticas”, pontua. 

Segundo o Ministério da Saúde, o documento foi elaborado pelo coordenador da área e colocado em consulta no Sistema Eletrônico de Informação (SEI) para análise interna e posterior ajustes e validação do departamento e do gabinete da secretaria responsável pelo tema. Portanto, a nota não está consolidada na Política Nacional de Saúde Mental, mas é sim uma discussão sobre como a política está. 

Gerente da Sesapi avalia tratamento como “arbitrário, punitivo e indiscriminado” 

O texto gerou repercussão e críticas de especialistas que consideram a volta deste tipo de tratamento um “retrocesso”. Para outros, ele é avaliado como um “alívio” financeiro para os hospitais públicos do Brasil. Segundo Gisele Martins, gerente de saúde mental da Secretaria Estadual de Saúde (Sesapi), o País vem passando por um processo de reforma psiquiátrica há mais de 30 anos, que visa discutir formas de tratamento mais humanizado para as pessoas com transtorno mental. 

Desde a Lei Nº 10.216 de 2001, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica e dos Direitos das Pessoas com Transtornos Mentais, esse procedimento foi extinto pelo SUS, ou seja, deixou de ser pago, por ser um procedimento utilizado de forma arbitrária, punitiva e indiscriminada. 

“Avançamos muito com relação à saúde mental no Brasil e vemos essa nota técnica como um retrocesso, quando coloca, de novo, a possibilidade de ter um procedimento agressivo e feito de forma indiscriminada, colocando esse paciente em risco”, argumenta. 

Ainda segundo Gisele Martins, não é somente com a utilização de medicação e consultas psiquiátricas que será possível conseguir uma melhora na saúde dos pacientes. Ela explica que se tem avançado muito no Brasil, em relação à saúde mental, principalmente com as atividades desenvolvidas nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). 


“Avançamos muito com relação à saúde mental no Brasil e vemos essa nota técnica como um retrocesso, quando coloca, de novo, a possibilidade de ter um procedimento agressivo", diz Gisele Martins.


Hoje, temos modelos de atenção comunitários que têm se implementado através dos CAPS, onde o paciente tem acesso ao centro próximo à sua casa e comunidade, com um acompanhamento multiprofissional, desenvolvendo diversos tipos de atividades, como terapia em grupo, ecoterapeuta ocupacional, atividades lúdicas, medicações mais potentes e refinadas em comparação ao que se usava antigamente, entre outros. Têm sido propostas diversas possibilidades de atendimento que respeitem a dignidade nessa pessoa com transtorno mental e as especificidades da complexidade que é uma pessoa adoecer mentalmente”, comenta.

Para psiquiatra, adoção de técnica seria “alívio financeiro” para os hospitais públicos

O psiquiatra e diretor do Hospital Areolino de Abreu, Ralph Webester, explica que, no hospital, são feitos tratamentos para os transtornos psiquiátricos mais graves com auxílio de medicação. Contudo, a eletroconvulsoterapia (ECT), ou eletrochoque, existe em casos onde o paciente não responde a nenhum remédio, precisando, assim, submetê-lo a esse procedimento. 


Ralph Webester diz que procedimento ainda é usado em casos específico - Foto: Assis Fernandes/O Dia

“Nunca deixou de existir o eletrochoque. As pessoas não sabiam por não ser algo de rotiana, mas existem exceções que ainda vão para o eletrochoque. Não é algo gratuito e é para quem pode pagar. Neste ponto, a volta do procedimento de eletrochoque ao SUS, para os hospitais psiquiátricos que utilizam, seria um alívio, pois acaba sendo pago um serviço muito caro com uma verba que é, na verdade, de uma assistência farmacológica. Em média, cada sessão de convulsoterapia, que consiste de oito a 16 sessões, custa acima de R$ 800, e o procedimento com eletrochoque equivale a 10 dias de internação”, enfatiza.

Ressalva

A ressalva do profissional com relação ao uso do eletrochoque é que o procedimento deveria ser aplicado em hospitais gerais e não em hospitais psiquiátricos, para que fossem garantidas as condições de aplicabilidade. Segundo ele, os pacientes deveriam ser orientados a ficarem internados em hospitais gerais e não em hospitais psiquiátricos. “Isso é uma contrarreforma, pois enquanto queremos cada vez mais que as pessoas se cuidem mais fora do hospital psiquiátrico, na verdade elas estão sendo atraídas para ele”, salienta. 

Por: Isabela Lopes - Jornal O Dia
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