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Botox: muito além da intervenção estética

A toxina botulínica tem contribuído para dar qualidade de vida a pessoas com deficiência física em todo o Brasil e no Piauí.

15/09/2018 09:34

Ao falar em botox, a associação é quase que imediata: pensa-se em uma substância que é usada para fins estéticos. No rosto, por exemplo, as marcas de expressão que se estabelecem com o tempo podem ser incisivamente combatidas com algumas aplicações do medicamento. É o que se conhece popularmente, pelo menos. No entanto, para além do uso estético, o botox tem contribuído para dar qualidade de vida a pessoas com deficiência física em todo o Brasil. No Piauí, um trabalho pioneiro encabeçado pelo neurocirurgião Francisco Alencar, no Centro Integrado de Reabilitação (Ceir), já interviu na vida de mais de 1.500 pacientes.

O botox é uma toxina produzida por uma bactéria chamada Clostridium botulinum. É a mesma bactéria causadora da doença botulismo, mas que, quando industrializada, é purificada e usada em doses que não causam a doença. Aplicada no músculo, a toxina provoca o relaxamento da região. E é nessa busca pelo relaxamento que pessoas com deficiência física são beneficiadas com o uso da substância.

Doenças como lesão cerebral e medular, acidente vascular cerebral (AVC), paralisia cerebral e esclerose múltipla provocam um distúrbio neurológico progressivo conhecido por espasticidade. Alguns dos principais sintomas da espasticidade são: dificuldades de locomoção, deformidades ósseas e articulares, movimentos involuntários bruscos, espasmos musculares e reflexos alterados. Pessoas que apresentam esse quadro têm seu tratamento de reabilitação físico-motora comprometido.


Os benefícios do tratamento podem ser observados a partir da primeira aplicação (Foto: Folhapress)

“A espasticidade é decorrente de uma perda total ou parcial do comando do cérebro sobre o corpo. Em um Centro de Reabilitação, encontramos 80% das crianças com paralisia cerebral desenvolvendo espasticidade, 70% dos pacientes com lesão medular desenvolvem espasticidade, 38% dos pacientes do AVC desenvolvem também, então, é algo absurdo”, explica o neurocirurgião.

Encarando esta realidade, há 14 anos Francisco Alencar se debruçou sobre as intervenções de tratamento que poderiam ser feitas neste quadro de saúde. “Primeiro, usamos medicamentos relaxantes musculares como Diazepam, Rivotril, para ver se o paciente reage a essa intervenção, mas na maioria das vezes, esse uso oral não é suficiente. Então o procedimento menos invasivo que podemos fazer é a aplicação de medicamento, qual? A toxina botulínica. A intenção é relaxar a musculatura que está endurecida”, explica.

Procedimento

A toxina é injetada nos membros que apresentam maior rigidez, como braços mãos e pernas, não deixa cicatriz e pode durar até seis meses. Os benefícios do tratamento podem ser observados a partir da primeira aplicação. O paciente observará um relaxamento muscular, maior amplitude dos movimentos, redução da dor e dos movimentos involuntários.

O Centro Integrado de Reabilitação (Ceir) mantém um Ambulatório de Espasticidade. O Ambulatório já atendeu mais de 1.500 pessoas, que foram submetidas à aplicação de toxina botulínica na busca pela melhoria do quadro de espasticidade dos pacientes, que compromete significativamente o prognóstico de reabilitação motora e de qualidade de vida dessas pessoas.


O botox promove o relaxamento das fibras musculares (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Histórico

Os órgãos de vigilância sanitária determinam as possibilidades de utilização desta substância para diferentes situações em cada país. Aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 1992, o botox tornou-se a primeira toxina botulínica registrada no Brasil e, desde então, tem recebido um número progressivo de indicações estéticas e terapêuticas.

O medicamento pode ser usado em caso de enxaqueca crônica, pois bloqueia a liberação de neurotransmissores associados com a origem da dor, inibindo os sintomas dolorosos; também em diagnósticos como estrabismo, hiperidrose, distonia e, claro, espasticidade. 


Protocolo internacional, avanços piauienses

No tratamento da espasticidade, é claro que o botox tem sido um facilitador para a qualidade de vida de pacientes com deficiências físicas. Mas como não oferta um efeito permanente, o medicamento tem de ser utilizado durante toda a vida do para que o usuário continue experimentando os resultados. Entretanto, avanços da ciência tem proporcionado que, a partir de uma intervenção cirúrgica, seja dada uma maior garantia da permanência de barrar os graves efeitos da espasticidade com a realização da Rizotomia Dorsal Seletiva, uma cirurgia que promove a melhora deste diagnóstico.

A rizotomia envolve um neurocirurgião acessando os nervos sensoriais que estão conectados à espinha, após serem isolados cuidadosamente, os nervos que transferem as mensagens de contração para o músculo afetado – onde o enrijecimento é provocado, são cortados pelo neurocirurgião para aliviar a espasticidade enquanto preserva outras funções motoras e sensoriais.

No Piauí, o trabalho avançado da equipe multidisciplinar comandada pelo neurocirurgião Francisco Alencar, formada por cirurgiões, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, fez com que o procedimento pudesse ser realizado seguindo o mesmo protocolo utilizado nos Estados Unidos para pacientes piauienses.

“O doutor Parker, em San Louis, nos Estados Unidos, já tem mais de quatro mil cirurgias dessas feitas e o nosso objetivo era fazer como se faz lá. Com um trabalho envolvendo toda equipe, fazendo simpósios sobre o tema da espasticidade, indo até o exterior. Hoje temos um trabalho de referência na realização dessa cirurgia”, explica Francisco Alencar.

O procedimento da Rizotomia Dorsal Seletiva já é realizado no Sistema Único de Saúde (SUS), em especial, em unidades de Referência em Alta Complexidade em Neurologia e Neurocirurgia. No Piauí, a equipe do neurocirurgião já realizou mais de 40 procedimentos da técnica, solidificando um ganho para o avanço da saúde no Estado e a transformação das vidas das pessoas atendidas pela intervenção.

“Temos um paciente que há dez anos fez a cirurgia e até hoje ele fala da mudança que foi. É um procedimento complexo e que ajuda a transformar a rotina dos pacientes”, destaca Francisco Alencar.

Com a intensificação de estudos e aprimoramento de técnicas, o caminho é só alcançar ainda mais pessoas que poderão ser favorecidas com a técnica. “Fomos convidados para ser presidente da mesa de espasticidade do Congresso Brasileiro de Neurocirurgia e nós faremos muito mais que isso. A transformação que promove no paciente transforma a gente e vamos continuar estudando e mudando a vida das pessoas”, finaliza.

Por: Glenda Uchôa - Jornal O Dia
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