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Questões de gênero dificultam presença feminina na política

Em entrevista ao O DIA, a professora Bárbara Cristina Johas fala sobre a representatividade feminina na política.

23/06/2018 09:00

O número de mulheres ocupando cargos legislativos e executivos ainda são considerados baixos no Piauí e no Brasil, principalmente se considerarmos que elas são a maior parcela da população do país. Em muitos casos, a participação feminina do processo político eleitoral passa por um “apadrinhamento” de algum familiar, pai ou marido, com maior tradição nesse âmbito. Em entrevista ao Jornal O Dia, a professora Bárbara Cristina Johas, do departamento de ciência política da Universidade Federal do Piauí (UFPI) explica como essa e outras questões estão relacionadas a um problema de gênero. Ela ainda avalia como tudo isso influencia o atual cenário de pré-campanha eleitoral que temos hoje, e indica caminhos para tornar a questão da representatividade feminina na política mais efetiva.

"Existe no imaginário social que política não é coisa de mulher", destaca a professora Bárbara Cristina Johas. (Foto: Moura Alves/O Dia)

O DIA: Nenhuma mulher desponta hoje como favorita a eleição de governo do Estado. A presidente temos a Marina Silva que pontua bem, mas não podemos chama-la de favorita. Há explicação para isso no sentido político de gênero ou você acredita que isso é mais uma questão pontual da política partidária?

Bárbara Cristina Johas: A gente tem uma questão de gênero por que historicamente a mulher foi entendida como um ser fora desses âmbitos da política. Tudo isso gera uma dificuldade para as mulheres no que diz respeito às suas candidaturas. Então nosso sistema, por exemplo, um candidato precisa angariar recursos e ter apoio do partido e das coalizões partidárias que eventualmente o partido faça para concorrer a uma eleição. Nesse cenário é muito mais difícil para as mulheres, por exemplo, conseguirem recursos de apoio a suas candidaturas, porque em geral existe no imaginário social brasileiro de que política não é coisa de mulher, então os partidos e os próprios apoiadores já partem do pressuposto de que não é muito interessante apoiar uma mulher na candidatura porque a probabilidade dela ganhar é muito pequena, então em um cálculo bem instrumental e racional, aquelas empresas e sujeitos privados que apoiam candidaturas não veem com muito interesse candidaturas femininas. Nos partidos o que a gente vê também é um movimento de considerar que mulheres têm pouca expressão ou pouco apelo eleitoral e portanto os partidos não tem um olhar voltado para candidaturas femininas.

Qual a importância prática em termos de uma maior participação feminina na política? Como isso de fato poderia trazer algum benefício para a sociedade?

Existe a questão da representatividade. É importante que aqueles que vão decidir politicamente e em nome da população, sejam minimamente expressivos ou representativos do que a população. Então, quando a gente diz que é necessário candidatos negros, indígenas e mulheres, porque todas essas categorias representam o que é a população brasileira. Então o primeiro ponto positivo de uma maior representatividade, uma maior inclusão das mulheres, seria na questão da representatividade mesmo. Obviamente representação nunca é absoluta, nunca teremos uma perfeita do que é a sociedade, mas um aumento é necessário se pensarmos que as mulheres são 50% da população, e o percentual de mulheres na política é muito pequeno, chega a 12%, 13%. O segundo ponto é que, na medida em que as mulheres participam da política, você tem a inclusão de demandas que são das mulheres. Isso não significa dizer que uma candidata mulher necessariamente vai defender pautas femininas ou feministas mas, na medida que você tem essas representações femininas temos um outro olhar sobre a política e temos um outro olhar sobre as demandas que são demandas das mulher, é importante nesse sentido.

No Piauí, são quatro vagas na chapa majoritária governista. Dois homens já tem suas vagas garantidas na reeleição como candidato, enquanto as outras duas mulheres que tem o direito a reeleição enfrentam muita discussão em torno de seus nomes. Você percebe uma influência do ponto de vista de gênero nessa questão ou apenas uma questão pragmática da política?

Eu vejo que são as duas coisas juntas. Tanto tem uma questão de gênero como uma questão pragmática. Tem uma questão de gênero, porque em geral também, essas candidaturas, por exemplo, o caso da Margarete Coelho e outros casos, o partido apoia muito pensando na conjuntura, então em um determinado momento conjunturalmente é interessante. Às vezes porque um sujeito já previamente estabelecido não pode se reeleger, que já foi reeleito ou por alguma indisponibilidade com a justiça eleitoral, enfim, mas tem uma questão de gênero porque não se discutiu a tentativa de reeleição dos dois candidatos citados, mas a tentativa de reeleição das duas candidatas já é uma coisa que os partidos pretendem discutir, porque? Porque vão olhar se é interessante, qual seria a chapa que poderia fazer com que essas mulheres fossem reeleitas, ancoradas em um nome forte e masculino. Quando não tem esse nome forte e masculino o partido olha que talvez não seja estratégico colocá-las para reeleição, então eu vejo que tem tanto uma dimensão pragmática da política, da conjuntura, mas tem uma questão de gênero porque, se elas têm direito a reeleição, porque não?

Hoje, a legislação obriga que 30% das candidaturas sejam de mulheres. Quais outras medidas podem ser tomadas para que se amplie efetivamente a participação feminina na política?

O problema das cotas é que elas só dizem que é preciso ter um percentual, ela não trabalha com como esse percentual vai acontecer, não trabalha especificamente o processo. Então o que acontece é que, por exemplo, temos muitas mulheres como candidaturas laranjas, que são só para cumprir o percentual, elas praticamente não ganham votos, tem candidata que não tem o voto nem dela mesma, já existiu casos assim, porque tem toda uma questão logística financeira de candidatura que muitas vezes o partido simplesmente desconsidera, embora a lei das cotas estabeleça que algum recurso tem que ser voltado também para a candidatura feminina, mas isso é muito nebuloso. Existem países onde foi muito efetivo essa questão da lei das cotas porque eles fazem, além disso, uma regra que é, a lista de candidatura dos partidos tem que ser intercalada entre homens e mulheres, isso faz com que seja mais efetivo o processo de participação das mulheres e de concorrência feminina, porque a lista onde o partido coloca os seus primeiros candidatos a concorrer vai contemplar as mulheres. Por exemplo, a Argentina, alguns casos que essa lista é produzida dessa maneira intercalada, que seria um dispositivo interessante para nós.



"Tem candidata que não tem o voto nem dela mesma", afirma a professora Bárbara Cristina Johas. (Foto: Moura Alves/O Dia)


No Piauí temos casos de mulheres eleitas, porém, com candidaturas lançadas tendo como ancoras pais, esposos, irmãos, enfim. Como você avalia isso? É uma distorção?

É uma representação que não é bem feminina no sentido de que ela não tem nenhum viés de representar questões ou demandas das mulheres, ou que seja por exemplo, uma candidatura que seja expressão de uma iniciativa própria, claro, não desmerecendo as vereadoras, deputadas, governadoras, enfim, que tem uma história política familiar, mas é muito interessante que no Piauí, e em outros estados, as mulheres que alçaram posições mais superiores na estrutura da representação política, sejam exatamente aquelas que tem uma história familiar de política muito aguerrida no estado, que tem grande representação política enfim, são famílias que já estiveram historicamente dentro da vida política, diferente de candidatas que vieram das bases populares e que tem muita dificuldade de efetivamente concretizar sua representação. Então vamos dizer que, essa carona com o nome da família é muito problemática, do ponto de vista de um processo de representação de gênero, porque ela não é isso, ela diz respeito a uma situação pragmática da política, de um marido ou um pai que já foram reeleitos, não podem concorrer naquele pleito, ou tem algum problema com a justiça eleitoral, aí escolhe a esposa, a filha, a nora alguma coisa nesse sentido que tem assim algumas características que sejam interessante para concorrer politicamente, que é o caso de algumas representantes daqui do Piauí, que nunca tiveram uma história de vida política, de envolvimento político, que concorreram a pleitos e foram eleitas na primeira disputa com um número significativo de votos.

Você acredita que essa performance política que culminou no impeachment das presidente Dilma pode atrapalhar um pouco a luta das mulheres para ocupar cargos públicos nas eleições?

Acho que, realmente, a Dilma teve dificuldade no que diz respeito a diplomacia e algo jogo de cintura com partidos, estabelecer alianças, estabilidade política, quer dizer, ela tinha dificuldade nesse trato, e claro, os desdobramentos, o impeachment, tudo isso que aconteceu, em alguma medida refle, mas porque? Não porque eu considere que efetivamente isso tem justificativa concreta, mas porque a sociedade, em um certo sentido, cria um imaginário que os problemas advindos do governo Dilma não foram estruturais da política, da economia, da gestão, de vários problemas que já vinham sendo contidos mas não resolvidos, em todo o governo Lula, mas porque ela é mulher. Então faz-se uma associação da ineficiencia ou da ineficácia do governo com uma incapacidade ligada ao gênero, e isso e muito problemático. É construído esse imaginário, obviamente não tem justificativa nenhuma, mas é uma coisa que vai, acredito, por conta da força que essa interpretação midiática e social tem de fazer esse link entre os problemas do governo e as características femininas, acho que isso vai ser problemático para as mulheres que vão concorrer neste pleito, principalmente que vão disputar a presidência, porque essa questão vai pegar um pouco mais para elas.

Professora, qual o prejuízo da fragilidade ideológica das siglas partidárias e da inconsistência na formação política das pessoas na participação das mulheres na política? Qual a influência disso?

Eu acho que na verdade a falta de uma coalizão ideológica, o fato de que nossos partidos têm uma baixíssima coerência com seus projetos partidários, que dizer, acho que ideologicamente nossos partidos são muito fracos no sentido de que eles fazem alianças que são ideologicamente grotescas, partidos de esquerdas se aliam com partido liberal, por exemplo, o próprio PT fez, o PCdoB e DEM, que dizer, uma coisa que não faz sentido ideologicamente falando, quando falamos de ideologia política isso é uma aberração. Acho que isso não é uma coisa que cria um problema só para a questão da representação feminina, é um problema para o nosso sistema político, porque isso fragiliza ainda mais o entendimento da sociedade sobre que projeto político estamos escolhendo quando votamos nos candidatos. Em geral os eleitores, por conta dessa fragilidade das siglas, passam a votar mais em uma característica pessoal do candidato que no projeto político que ele possui, e isso é um problema seríssimo, no que diz respeito à representação política.

Por: João Magalhães e Breno Cavalcante
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