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Projeto que propõe pratos e talheres adaptados para cegos gera polêmica

Entidades de defesa dos direitos das pessoas com deficiência criticam projeto da vereadora Cida Santiago. Inventor foi quem propôs PL.

30/05/2017 09:55

Um projeto de lei de autoria da vereadora Cida Santiago (PHS) que torna obrigatória a disponibilização de pratos e talheres adaptados para deficientes visuais nos bares e restaurantes de Teresina está dividindo opiniões entre o público que, supostamente, seria beneficiado.

O projeto de lei da vereadora foi alvo de uma nota de repúdio assinada por cinco entidades que atuam na defesa das pessoas com deficiência, todas com atuação nacional - Cidade para Todos, Visibilidade Cegos Brasil, Cegos em Rede, MPAcessibilidade e Portal da Deficiência Visual.

O PL nº 44/2017 já foi aprovado em primeira e segunda votação, neste mês de maio, e aguarda sanção do prefeito Firmino Filho (PSDB).

A vereadora Cida Santiago é a autora do projeto de lei (Foto: Assis Fernandes / O DIA)

As cinco entidades que fazem a denúncia integram o Movimento Independente de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência Visual Cidade para Todos. Na nota, elas afirmam que o projeto de lei defende uma medida que, na realidade, é discriminatória, podendo causar constrangimentos nas pessoas cegas.

"Devemos informar que este projeto de lei é inconstitucional, uma vez que fere a Lei Brasileira de Inclusão e a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas  com Deficiência, com valor de emenda constitucional, em seus princípios do Desenho Universal e da Adaptação Razoável. Sendo assim, se bares e restaurantes forem obrigados a comprar e a oferecer pratos e talheres adaptados a pessoas com deficiência visual,  poderão ser acionados judicialmente por estes clientes por discriminação, prevista na Convenção, uma vez que estarão sendo constrangidos com produtos que os segregam", diz a nota.

As entidades ressaltam que os pratos e talheres adaptados foram inventados por um homem identificado como Carlos Amorim, também cego, mas a criação tem sido bastante criticada por praticamente todas as pessoas com deficiência visual, por reforçar a estigmatização que elas já sofrem na sociedade.

A nota afirma, ainda, que o criador dos pratos e talheres adaptados está agindo de forma oportunista, por, supostamente, ter o intuito de lucrar com a deficiência dos outros.

"A cegueira do Sr. Carlos Amorim, em vez de legitimar seus produtos, apenas passa um atestado público de má-fé e oportunismo, pois deveria ser o primeiro a saber que cegos não precisam de pratos adaptados e muito menos de garfos e facas com  marcações em relevo para que os lados corretos sejam identificados", afirmam as entidades.

A assessoria de imprensa da vereadora Cida Santiago confirmou que foi justamente Carlos Amorim, o inventor dos pratos e talheres adaptados, quem sugeriu que a parlamentar apresentasse o polêmico projeto de lei. O que, em tese, pode beneficiá-lo financeiramente, com a aquisição em massa dos produtos que ele próprio inventou, caso o PL seja sancionado por Firmino Filho.

Outra crítica do movimento de defesa das pessoas com deficiência visual refere-se ao fato de que outras medidas assistivas essenciais não estão sendo respeitadas pelos estabelecimentos públicos e privados, como os pisos táteis e os cardápios em braile. 

"O fato de ter inventado e patenteado estes inúteis utensílios para cegos não significa, de maneira alguma, que se encaixem no padrão de Desenho Universal. Pelos relatos de seu inventor, não houve qualquer experiência ou processo científico que comprovasse a eficácia e a necessidade de sua adoção, nem por pessoas cegas nem por quaisquer outras deficiências. Enquanto isso, tecnologias assistivas essenciais às pessoas cegas e previstas em normas técnicas não são oferecidas em bares e restaurantes, como pisos táteis ou cardápios em braille ou digitais, que possam ser lidos pelos leitores de tela de seus celulares", enfatiza a nota.

Professora Doutora Késia Pontes analisa a lei que prevê talheres adaptados para cegos:


Além de divulgar a nota direcionada à sociedade e às autoridades teresinenses, as entidades encaminharam uma denúncia fundamentada ao Ministério Público do Estado, à Prefeitura de Teresina e à Câmara Municipal.

As instituições de defesa das pessoas com deficiência pedem que o projeto de lei da vereadora Cida Santiago não seja sancionado pelo prefeito, por absoluta inconstitucionalidade e pelo desrespeito às pessoas cegas e com outros tipos de deficiência.

"Cegos não precisam de pratos adaptados, nem de garfos e facas adaptados, mas sim de dignidade e respeito. Quem parece precisar dessas bizarras invencionices são os que pretendem se promover e lucrar com elas às custas de nossa deficiência", conclui a nota.

A reportagem entrou em contato com o Centro de Apoio Operacional de Defesa da Pessoa com Deficiência e do Idoso (CAOPDI), órgão auxiliar do Ministério Público do Estado, para saber quais providências serão tomadas em relação ao projeto de lei. Uma analista que falou com a reportagem informou que o caso está sendo analisado e nos próximos dias o MP-PI tomará uma decisão a respeito da denúncia feita pelo Movimento Independente de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência Visual Cidade para Todos.

Humorista Geraldo Magela critica pratos e talheres adaptados para cegos:


Outro lado

A assessoria de imprensa da vereador Cida Santiago informou que a parlamentar só apresentou o projeto de lei porque ele foi proposto justamente por uma pessoa com deficiência visual.

A assessoria, contudo, não opinou sobre o fato de a pessoa que deu a sugestão à vereadora ser a mesma que criou os pratos e talheres adaptados, e que, portanto, pode ser diretamente beneficiada caso a lei entre em vigor.

A reportagem não conseguiu falar com a própria vereadora porque ela está em Roma, onde participa do Jubileu de Ouro da Renovação Carismática Católica, que acontece entre os dias 31 de maio e 4 de junho, com a presença do Papa Francisco.

Ainda segundo a assessoria, Cida Santiago viajou para a Europa na semana passada e retorna na próxima semana.

Carlos Amorim, o inventor dos pratos e talheres adaptados, usou seu blog na internet para rebater as críticas feitas pela professora doutora Késia Pontes.

E um post com o tíulo "Ceguinha banguela não morde, só lambe", Carlos Amorim afirma que suas invenções foram devidamente patenteadas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), depois de serem submetidas a um rigoroso processo de análise dos produtos.

"O trâmite do processo de análises, pesquisas, perícias e avaliações por parte dos técnicos da autarquia demandou 4 anos e oito meses em virtude de garantia legal a prioridade por ser pessoa com deficiência visual o autor do pedido, fato que para ser cumprido foi necessário a intervenção das procuradorias da República Federativa do Brasil secções Piauí, Distrito Federal e Rio de Janeiro, local onde situa-se a matriz do INPI", afirma Carlos Amorim.

O inventor afirma ainda que, ao criticar suas invenções, a professora Késia Pontes quis se promover a partir da criação de um factoide. "A senhora Késia Pontes, em sua estúpida manifestação de se autopromover e obter notoriedade, visibilidade e notabilidade incide em desobediência a legislação brasileira, causando constrangimento público de forma vergonhosa e humilhante, criando factoide em conformidade com sua minúscula capacidade de vislumbrar um palmo além de sua venta. Tenho convicção de sua reles capacidade para atividade diária, quando propagandeia suas bengalas coloridas as quais usa no seu dia a dia de ociosidade. Não entendo o tipo de contribuição que tais informações possa colaborar para o desenvolvimento da pessoa com algum tipo de deficiência, como também aos ditos normais", acrescenta Carlos Amorim.

Clique aqui para ler a íntegra do post feito por Carlos Amorim. 

Por: Cícero Portela
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