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Extinção da Justiça do Trabalho abarrotaria todo o Judiciário, adverte juiz

Ferdinand Gomes dos Santos diz que é falácia comparar relações trabalhistas do Brasil com as dos Estados Unidos.

21/01/2019 13:21

Presente ao ato em defesa da Justiça do Trabalho que foi realizado na manhã desta segunda-feira (21) em frente à sede do TRT da 22ª Região, em Teresina, o juiz do Trabalho Ferdinand Gomes dos Santos disse que a existência de uma justiça especializada na área trabalhista é indispensável para assegurar que a resolução de conflitos entre empregadores e empregados ocorra de forma mais célere.

O magistrado observa que há décadas o país sofre com a morosidade da prestação jurisdicional, problema que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem buscado atenuar desde que foi criado, há 14 anos. 

Com uma eventual extinção da Justiça do Trabalho, Ferdinand adverte que a lentidão dos julgamentos ficaria ainda maior, já que outros ramos do Judiciário passariam a receber as demandas que hoje são direcionadas às Varas do Trabalho, aos tribunais regionais e ao Tribunal Superior do Trabalho. E o pior: sem terem qualquer estrutura e know-how para apreciar os processos.

O juiz  Ferdinand Gomes dos Santos (Foto: Cícero Portela / O DIA)

"A Justiça do Trabalho tem uma história de 70 anos de eficiência na solução de conflitos trabalhistas. Ela tem levado justiça para esses conflitos. Então, imaginem que uma Justiça do Trabalho especializada, que se preparou para estudar esses conflitos e solucioná-los, ela passe a simplesmente não existir, e esses conflitos passem a ser tratados por outro ramo, que não conhece mais profundamente as questões trabalhistas. O que podemos esperar disso? O abarrotamento desse outro ramo da Justiça que iria tomar conta desses conflitos", pondera o juiz Ferdinand Gomes.

O magistrado destaca que, apesar dos percalços, a Justiça do Trabalho tem alcançado bons desempenhos, e o seu fim deixaria os trabalhadores brasileiros completamente desamparados. 

"Hoje, a Justiça comum não tem dado conta do que chega a ela. A Justiça comum é morosa, a Justiça Federal é morosa e a Justiça do Trabalho também tem suas morosidades. Todo o Poder Judiciário está, realmente, assoberbado de conflitos. Mas a Justiça do Trabalho tem dado respostas à sociedade brasileira, tem dado justiça aos conflitos trabalhistas, aos conflitos sindicais. Então, a extinção de um ramo especializado como este traria o caos para as relações de trabalho. Deixaria as pessoas totalmente desprotegidas. Os trabalhadores não teriam a quem recorrer", opina o juiz do Trabalho. 

Comparar relações trabalhistas do Brasil com as dos Estados Unidos é falácia, opina juiz

O juiz Ferdinand Gomes dos Santos considera uma falácia comparar as relações entre empregadores e empregados no Brasil com as relações de trabalho existentes nos Estados Unidos. 

"As pessoas contrárias à existência da Justiça do Trabalho comparam o Brasil com os Estados Unidoss. Eles questionam por que os brasileiros e os demais sul-americanos querem ir para os Estados, se lá não tem direito do trabalho. Mas há um detalhe que é omitido nessa análise: o salário mínimo brasileiro é quatro vezes inferior ao salário mínimo norte-americano, a renda média dos brasileiros é muito baixa, não comparável à renda média dos norte-americanos", salienta.

O juiz alerta que a maioria das demandas que chegam às Varas trabalhistas não se referem propriamente a conflitos, mas sim a descumprimentos de direitos básicos dos trabalhadores por parte dos patrões. Enquanto nos Estados Unidos é improvável encontrar casos de empresas que submetem seus funcionários a situações desse tipo.

"E o Poder Judiciário americano funciona. Quando o juiz americano dá uma decisão, as pessoas cumprem, porque lá é muito forte a cultura de cumprimento das decisões judiciais e da legislação. Aqui, 60% dos conflitos trabalhistas dizem respeito aos direitos da rescisão. O cidadão é demitido e não recebe sequer o que ele precisaria para sobreviver enquanto vai atrás de um novo emprego, que é o básico. Como ele vai se sustentar? Só com o seguro-desemprego? Às vezes nem isso dão pra ele, nem as guias para ele se habilitar a receber o seguro-desemprego. Ou seja, ainda estamos na era do descumprimento dos direitos básicos, mínimos. Isso não pode simplesmente ser deixado de lado, ou ser desconsiderado, achando que o que chega à Justiça do Trabalho são conflitos irrelevantes. Na verdade, nós ainda temos que julgar meros descumprimentos da legislação trabalhista, e isso não pode continuar", pondera o juiz.

A opinião do juiz é ratificada pelo procurador regional do Trabalho João Batista Machado Júnior. O membro do Ministério Público do Trabalho afirma que o desrespeito aos direitos dos trabalhadores já é uma prática impregnada na cultural do empresariado brasileiro.

"Não se acaba com um problema social acabando com a Justiça especializada para receber os reclames desses trabalhadores. Os problemas continuarão, porque há uma cultura dos brasileiros em não cumprir os direitos. Então, não há um excesso de demandas trabalhistas, mas sim um excesso de descumprimento da legislação trabalhista", afirma.

O juiz Ferdinand Gomes também faz duras críticas ao discurso de que a eliminação de direitos dos trabalhadores e da própria Justiça do Trabalho resultaria numa automática valorização dos salários dos trabalhadores brasileiros. 

"Não faz o menor sentido dizer isso, porque à medida que você elimina os direitos do trabalhador, ninguém pode ser ingênio e achar que o empresário vai simplesmente aumentar o salário do trabalhador. Não vai! Ele vai aumentar a margem de lucro dele. Isso é simples de entender, a partir, inclusive, da análise de um fenômeno que hoje já está legalizado, que é a terceirização. Ela não é feita para aumentar os salários dos trabalhadores. A terceirização é feita para aumentar o lucro do empresário, gastando menos com a mesma quantidade de empregados", conclui o magistrado.

Procurador diz que fim da Justiça do Trabalho provocaria impacto na economia

O procurador regional do Trabalho João Batista Machado Júnior avalia que o ataque aos direitos dos trabalhadores e à Justiça do Trabalho pode representar um tiro no pé para os empresários e para a própria economia do país.

O procurador regional do Trabalho João Batista Machado Júnior (Foto: Cícero Portela / O DIA)

"Se for extinta a Justiça do Trabalho, que é mais acessível ao trabalhador, que tem uma tramitação mais rápida dos processos, o maior prejuízo será para a economia brasileira, porque o empregado só é consumidor se ele tiver direitos. Direito significa dinheiro. Fora da relação de emprego ele é um consumidor como outro qualquer. Sem dinheiro no bolso ele não é consumidor, e dois terços do que é produzido no Brasil fica no mercado interno. Sem consumidor, esse mercado interno paralisaria. No fim das contas, seria um prejuízo para os próprios empresários", opina o procurador.

ressalta que diversos doutrinadores defendem que sequer por meio de uma emenda à Constituição pode-se extinguir a Justiça do Trabalho, por se tratar de uma cláusula pétrea. "Essa matéria certamente, se preciso, será levada ao Supremo Tribunal Federal. Mas esses atos são importantes até para que haja uma resposta ao que está sendo falado pelo outro lado", afirma o procurador regional do Trabalho. 

Por: Cícero Portela
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