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Esquemas continuam mesmo após 6 meses da 'Op. Topique' ser deflagrada

Três ex-prefeitos e mais 19 pessoas são alvos da primeira denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal no âmbito da Operação Topique.

29/01/2019 11:43

O procurador da República Marco Aurélio Adão afirmou nesta terça-feira (29), em coletiva de imprensa, que o esquema de corrupção descoberto no âmbito da Operação Topique continua até agora sendo praticado em vários contratos de prefeituras e do Governo do Estado, mesmo quase seis meses após a operação ter sido deflagrada pela Polícia Federal, no início de agosto de 2018.

O objetivo da operação foi desarticular fraudes em contratos de licitações de transporte escolar firmados entre o Governo, prefeituras do Piauí e do Maranhão com empresas privadas. E os 22 envolvidos estão sendo denunciados pelos crimes de associação criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. 

Entenda o esquema de corrupção:

A força-tarefa integrada pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União identificou uma série de práticas ilícitas que teriam sido cometidas pelo grupo: fraudes em licitações, superfaturamento de contratos, pagamento de propinas, ocultação de patrimônio e dissimulação de origem de patrimônio.

O procurador da República Marco Aurélio Adão (Foto: Assis Fernandes / O DIA)

"É um esquema que se verificou a partir de um determinado município, Campo Maior, e, posteriormente, com base em trabalhos de auditoria da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas do Estado do Piauí, verificamos que não se tratava de um esquema pontual, mas que se espalhava por vários municípios, atingindo também algumas licitações da Secretaria de Educação do Estado do Piauí. Daí, na fase ostensiva, que ocorreu em agosto de 2018, houve buscas e apreensões nesse órgão estadual. E há, em vários municípios do Piauí, elementos indicativos de que a fraude de igual teor foi praticada, inclusive com contratos atualmente em vigor, ou seja, é um esquema atual, que continua produzindo danos ao erário, segundo nosso entendimento", afirmou Marco Aurélio Adão.

Veja a íntegra da denúncia apresentada pelo MPF.

No último dia 21 de janeiro, o Ministério Público Federal apresentou a primeira denúncia proveniente das investigações realizadas na Operação Topique, tendo como alvo 22 pessoas, incluindo o ex-prefeito de Campo Maior e ex-deputado estadual Paulo Cézar de Sousa Martins, atual presidente da Fundação dos Esportes do Piauí (Fundespi).

Na última sexta-feira, 25 de janeiro, o juiz federal Agliberto Gomes Machado decidiu receber a denúncia apresentada pelo MPF, tornando réus os 22 envolvidos.

Veja a decisão de recebimento da denúncia, assinada pelo juiz Agliberto Gomes Machado.

Além de Paulo Martins (PT), também foram denunciados outros dois ex-prefeitos: Eudes Agripino Ribeiro, de Fronteiras, e Maria Salete Rêgo Medeiros Pereira da Silva, de Miguel Alves.

Apenas dois dos 22 réus permanecem presos: Luiz Calos Magno Silva e Lívia de Oliveira Saraiva. Eles estavam em liberdade, mas em 17 de dezembro último o Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinou a prisão de ambos.

Segundo Marco Aurélio Adão, a nova decretação de prisão dos dois envolvidos ocorreu porque a Justiça Federal constatou a "atualidade" das práticas delituosas.

"Os crimes ocorreram, segundo o autor [MPF], pelo menos desde 2012 e perduram até hoje, envolvendo diversos certames licitatórios fraudados em municípios do Piauí e do Maranhão e na Secretaria de Educação do Estado do Piauí, nos quais figuraram como concorrentes várias empresas do ramo de transporte escolar vinculadas a um mesmo grupo criminoso, dentre elas a LC VEÍCULOS (antiga LOCAR TRANSPORTE LTDA.), pertencente a Luiz Carlos Magno Silva, ex-superintendente institucional da Seduc e apontado como o líder do grupo, por constituir e adquirir empresas e cooptar entes públicos e pessoas, incluindo agentes públicos, a ele vinculados por laços políticos e familiares, para desviarem recursos federais do Fundeb e Pnate, totalizando cerca de 120 milhões de reais", destacou o juiz federal Agliberto Gomes Machado, na decisão em que acatou a denúncia assinada pelos procuradores da República Marco Aurélio Adão e Tranvanvan da Silva Feitosa.

Luiz Carlos permanece numa unidade prisional do estado, enquanto Lívia Saraiva está em prisão domiciliar, por ter filho menor de 14 anos.

Para o MPF, há provas suficientes de que Luiz Carlos Magno era quem chefiava a organização criminosa. Na denúncia encaminhada à Justiça consta que ele teria praticado nada menos que 47 vezes o crime de lavagem de dinheiro, e 26 vezes o crime de corrupção ativa.

Além dos procuradores da República Marco Aurélio Adão e Tranvanvan Feitosa, que assinaram a denúncia do MPF, a coletiva de imprensa realizada na manhã desta terça também contou com a participação do procurador da República Israel Gonçalves, dos delegados da Polícia Federal Reinaldo Camêlo e Leonardo Leite, e da superintendente da Controladoria Regional da União no Estado do Piauí, Érika Lemância Santos Lôbo.

Desvio de recursos públicos pode chegar a centenas de milhões de reais, afirma procurador

Quando a Operação Topique foi deflagrada, em agosto, o Ministério Público Federal e Polícia Federal estimavam que os desvios teriam atingido a cifra aproximada de R$ 120 milhões. Mas nesta terça-feira o procurador Marco Aurélio Adão afirmou que o roubo de recursos públicos pode ter sido bem superior. 

"Nós identificamos que se trata de uma organização criminosa que atua de maneira estável, permanente, praticando o mesmo tipo de crime reiteradamente ao longo de, pelo menos, cinco anos. E essa organização movimentou um volume de recursos muito expressivo. São centenas de milhões de reais envolvendo verbas federais, do Fundeb e do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar [...] Esse valor [R$ 119 milhões] é referente a contratos [fraudados] até 2015, 2016. Como há contratos em vigor, inclusive, até 2018, o valor [desviado] pode ultrapassar os R$ 200 milhões", pontua Marco Aurélio Adão.

O membro do MPF afirma, ainda, que os líderes da organização criminosa, cientes da grande quantidade de recursos que estavam sendo desviados, passaram a praticar lavagem de dinheiro, com o intuito de dificultar o trabalho das autoridades na identificação das práticas ilícitas. 

"Essa organização criminosa passou a adotar estratégias de lavagem de dinheiro, com a ocultação de patrimônio e a dissimulação da sua origem e da sua movimentação, seja por meio de veículos, por meio de imóveis e também por meio de transações bancárias e financeiras, além de uma sucessão de modificações na estrutura empresarial dessas empresas que participam dos certames licitatórios. Há, comumente, a troca de membros dessas sociedades, para poder dificultar a identificação de quem é o verdadeiro responsável. Houve também alterações dos nomes sociais das empresas, novas empresas foram constituídas e outras foram abandonadas, no sentido justamente de dificultar a identificação deste conluio, que tinha o comando único do denunciado Luiz Carlos Magno Silva, que é quem está preso preventivamente neste momento, por ordem da Justiça Federal", afirma Marco Aurélio Adão.

Membros do MPF, da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União deram detalhes da investigação conjunta que culminou com a apresentação de denúncia contra 22 pessoas (Fotos: Assis Fernandes / O DIA)

Investigações vão continuar e muito mais pessoas podem ser denunciadas, afirma delegado

Além dos empresários e dos ex-prefeitos, a relação de denunciados também possui servidores públicos, trabalhadores autônomos e da iniciativa privada, uma médica, um advogado e até um policial militar. 

Estão na lista de denunciados: a nutricionista Lana Mara Costa Sousa (32 anos); o aposentado Raimundo Félix Saraiva Filho (57 anos); a diretora administrativa Paula Rodrigues de Sousa (37 anos); a consultora comercial Suyana Soares Cardoso (33 anos); o gerente comercial Samuel Rodrigues Feitosa (33 anos); o auxiliar administrativo Luiz Gabriel Silva Carvalho (22 anos); a gerente de logística Francisca Camila de Sousa Pereira (28 anos); a microempresária Charlene Silva Medeiros (34 anos); o policial militar João Gabriel Ribeiro Coelho (30 anos); a contadora Lisiane Lustosa Almendra (39 anos); o assistente de logística Marcos Eugênio Castro da Costa (29 anos); o advogado Kelson Vieira da Macêdo (38 anos); o servidor público Francisco José Cardoso da Rocha (38 anos); a médica Gabriela Medeiros Pereira da Silva ((filha da ex-prefeita Maria Salete Rêgo Medeiros Pereira da Silva); o técnico agropecuário Jilton Vitorino de França (41 anos); o servidor público Iremá Pereira da Silva (54 anos); e Antônio Francisco dos Reis Silva (idade e profissão não informados). 

Mas esta primeira denúncia apresentada pelo MPF pode descrever apenas a ponta do iceberg do esquema que pode ter desviados centenas de milhões de reais em recursos públicos. 

Os delegados da Polícia Federal Reinaldo Camêlo e Leonardo Leite (Fotos: Assis Fernandes / O DIA)

Ratificando a avaliação feita pela Procuradoria da República, o delegado da PF Leonardo Leite ressalta que as investigações irão prosseguir, com o objetivo de identificar mais contratos do estado e de municípios que eventualmente tenham sido fraudados. 

O trabalho da força-tarefa, portanto, pode culminar com mais pessoas presas e denunciadas, inclusive gestores públicos.

"A apresentação desta primeira denúncia não quer dizer que as investigações vão parar, nem que os investigados são somente esses 22 denunciados. As investigações prosseguirão", avisou o delegado.

Políticos não serão poupados nas investigações da Operação Topique

O procurador da República Marco Aurélio Adão também falou que, até o momento, não foi descoberto o envolvimento de mais políticos proeminentes no estado, além dos três ex-prefeitos citados. Mas o membro do MPF assegura que, se for comprovada a participação de mais políticos, eles também deverão responder pelas práticas criminosas que tiverem cometido.

"É importante registrar que qualquer trabalho de investigação criminal não se dirige a pessoas, a órgãos, a estruturas. A investigação se dirige a fatos. Então, o foco e o propósito não é investigar sujeito A, sujeito B, órgão A, órgão B. O propósito da investigação é seguir a trilha dos fatos, que são as fraudes em licitações, o superfaturamento de contratos, as ações de ocultação e de dissimulação de origem de patrimônio, além do pagamento de propinas. Quando esses atos são identificados, as pessoas são investigadas e, eventualmente, denunciadas, independente de quem quer que seja. Da mesma forma que não se procura investigar alguém, também não se nega a possibilidade de investigar quem quer que seja", salienta o procurador. 

Apontado como líder da organização criminosa, Luiz Carlos Magno Silva exerceu o cargo efetivo de professor na Seduc de 1998 até julho de 2014, com remuneração líquida de cerca de R$ 2.500, e foi filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) entre 2003 e 2013. 

Entre 2008 e 2009, na segunda gestão de Wellington Dias (PT), Luiz Carlos Magno exerceu o cargo comissionado de superintendente institucional da Seduc.

Segundo o MPF, no cargo ele tinha a atribuição de "estabelecer contatos com gestores públicos municipais e definir políticas públicas de transporte escolar". 

"Advêm justamente desse período em que o acusado Luiz Carlos Magno Silva exerceu tal cargo em comissão na Seduc os primeiros registros de irregularidades em contratos de transporte escolar envolvendo empresa hoje vinculada à organização criminosa denunciada, a Charter Transportes (atual Sousa Campelo), conforme consta em parecer do Ministério Público de Contas do Piauí lançado no Processo TC-E 016888/2012 do TCE/PI", destaca a denúncia do MPF.


Arte: Márcio Sena

Por: Cícero Portela
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