Para acabar com ingerências políticas nas agências
reguladoras, militares indicados para postos-chave na equipe do presidente
eleito, Jair Bolsonaro, estudam reduzir as competências dos órgãos reguladores
e até formas de destituir conselheiros hoje em pleno exercício de seus
mandatos.
Uma das propostas é baixar um decreto logo no início do novo governo retirando
das agências competências que passariam para os ministérios. Outorgas, licenças, regulamentações de serviços, preparação de editais, tudo
voltaria para os respectivos ministérios a que as agências estão vinculadas.
Na Anatel, por exemplo, até simples autorizações para o funcionamento de
provedores de internet voltariam para o Ministério de Ciência, Tecnologia,
Inovação e Comunicações. Discussões sobre qual será a faixa de frequência que
as operadoras vão operar o 5G, com leilão previsto para o próximo ano, por
exemplo, sairiam da órbita da agência.
Caso essas ideias prosperem, caberá às agências somente fiscalizar a qualidade
da prestação dos serviços, o cumprimento de contratos de concessão, a abertura
de processos para apurar infrações e a aplicação de sanções administrativas.
Também poderão prestar assessoria técnica aos ministérios, se forem acionadas.
Essas discussões surgiram no início da transição quando o grupo responsável
pela infraestrutura, liderado por militares, começou a estudar as concessões e
se surpreendeu com a quantidade de integrantes das agências reguladoras ligados
a políticos e com irregularidades em decisões, algumas investigadas e punidas
pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
Naquele momento, o MDB, partido do presidente Michel Temer, tinha decidido
lotear 16 postos de comando em cinco agências (Aneel, ANTT, Antaq, Ancine e
Anatel).
Emissários de Bolsonaro fizeram chegar a Temer a insatisfação do eleito diante
das nomeações no fim do mandato. Mesmo assim, as nomeações foram feitas.
Um dos problemas, ainda de acordo com quem participa dessas discussões, é o
aparelhamento dos integrantes das agências por pessoas que saíram da própria
máquina pública, prática que se acentuou na gestão dos ex-presidentes Luiz
Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Essa percepção foi confirmada por uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas, que,
há dois anos, analisou o histórico de 140 dirigentes das agências desde sua
criação, há mais de duas décadas.
Quase 40% dos integrantes desses colegiados tiveram filiação partidária e pelo
menos um terço saiu de órgãos do governo, praticamente todos na gestão petista.
Para assessores de Bolsonaro nessa área, o aparelhamento teria permitido
desmandos e irregularidades.
Um dos casos mencionados é o da Antaq (Agência Nacional de Transportes
Aquaviários), que só depois de ser acionada pelo TCU passou a regular uma
tarifa cobrada por terminais portuários de agentes alfandegários na armazenagem
de cargas no pátio após serem retiradas dos navios.
Em julho, o TCU aplicou multa contra os diretores da agência por considerar
que, mesmo depois de implementada, a regulação da tarifa não estava correta. As
empresas envolvidas sofreram condenação no Cade (Conselho Administrativo de
Defesa Econômica).
Casos como esse levaram os militares a cogitar mudanças na legislação das
agências, prevendo a possibilidade de destituição de dirigentes e conselheiros
no exercício do mandato.
Hoje, existe essa possibilidade caso seja comprovada a prática de crime no
exercício do mandato ou irregularidades que comprometam o livre desempenho da
função. Em ambos os casos, a destituição só pode ocorrer depois de processo
judicial transitado em julgado.
Diante da necessidade de uma mudança radical na legislação das agências nesse
quesito, a saída em análise é pressionar uma lista de dirigentes a entregar uma
carta de renúncia no próximo ano sob a ameaça de abertura de processo
disciplinar.
Advogados consultados pela reportagem afirmam que, para desidratar as agências,
Bolsonaro precisaria enviar um projeto de lei ao Congresso. A reformulação
pretendida pela equipe de Bolsonaro ocorreria por decreto.
Neste momento, tramita no Senado um projeto de lei enviado por Temer para
fortalecer as agências, preservando seu poder de definir as regras da regulação
e de outorgas.
Advogados de empresas reguladas acreditam que, se a proposta da equipe de
Bolsonaro avançar, haverá um retrocesso porque os investidores preferem regras
colegiadas a decisões de governo, mais sensíveis a mudanças políticas.
Apesar das imperfeições das agências, eles consideram ser muito mais difícil
conseguir interferir em um órgão com decisões colegiadas do que no governo, em
que uma ou duas pessoas participam da tomada de uma decisão.
Autor de "Livre Concorrência e Regulação de Mercados", o advogado
Pedro Dutra diz que o atual debate na "cozinha" de Bolsonaro sobre
agências reguladoras não é novidade. Segundo ele, que fez um apanhado da
história de regulação no país, desde 1930 o Estado tenta centralizar as
políticas de regulação da prestação de serviços públicos.
"Isso só mudou com o governo de Fernando Henrique Cardoso, que criou a
primeira agência federal para desempenhar o papel de regulador, com autonomia
da esfera de governo na definição de regras para o setor", disse Dutra.
Segundo ele, com os governos do PT, a lógica de mandatos para dirigentes das
agências –para não serem coincidentes com o mandato do presidente da República–
foi pervertida por atrasos nas indicações para cargos vagos sob Lula e Dilma.
Além disso, as indicações políticas passaram a prevalecer no lugar da
capacidade técnica. Sem quadros técnicos, o PT indicou funcionários do próprio
governo.
Fonte: Folhapress