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"œO feminismo é a grande revolução espiritual", revela Márcia Tiburi

Nessa entrevista exclusiva a O DIA, Márcia Tiburi revela a sua opinião sobre temas polêmicos como machismo, feminismo e sua candidatura ao governo do Rio.

23/06/2018 08:43

A filósofa e escritora Márcia Tiburi é um dos principais nomes quando se fala em feminismo e filosofia no Brasil. A escritora esteve em Teresina, na 16ª edição do Salão do Livro do Piauí (SALIPI), para falar sobre feminismo. Nessa entrevista exclusiva a O DIA, Márcia Tiburi revela a sua opinião sobre temas polêmicos como um episódio de machismo ocorrido durante o SALIPI, sobre o feminismo nas redes sociais e a filosofia pop. Outro assunto comentado pela escritora, que foi anunciada como pré-candidata ao governo do Rio de Janeiro pelo Partido dos Trabalhadores (PT), é a possibilidade da união das esquerdas em nível nacional. Confira estes e outros assuntos a seguir.

A filósofa e escritora Márcia Tiburi é um dos principais nomes quando se fala em feminismo e filosofia no Brasil. (Foto: Divulgação)

O DIA: Com o avanço das expressões conservadoras no Brasil, o movimento feminista saiu das margens e passou a disputar o centro dos debates. O autoritarismo ainda poderá capturar esse movimento? Suas urgências poderão ainda ser silenciadas?

Márcia Tiburi: O feminismo é, de todas as filosofias que existem, a mais crítica, a mais desconstrutiva, e, também por isso, uma filosofia que é vista e tratada por muita gente como sendo uma coisa perigosa. Nós podemos pensar o feminismo nesse momento como uma filosofia, como uma teoria e uma prática, ao mesmo tempo ética e política, que enfrenta, tanto a questão da opressão de gênero e da sexualidade, mas também a questão da opressão relacionada às classes sociais, às práticas sociais, à raça, à idade, etc. O feminismo é a grande revolução espiritual e a grande revolução no nível também das necessidades materiais das pessoas. O feminismo luta sobretudo contra a desigualdade. Para garantir uma sociedade mais justa, mais igualitária, nós precisamos lutar no enfrentamento bastante direto com o autoritarismo. O machismo é um autoritarismo. O grande autoritarismo que está na base do capitalismo, na base do racismo e, nesse sentido, a luta das mulheres é das mais fundamentais.

"O feminismo luta sobretudo contra a desigualdade", afirma Tiburi. (Foto: Divulgação)

O Piauí ainda é um dos estados que mais mata mulheres por violência de gênero no Brasil. Como você avalia a importância do debate sobre o feminismo em eventos como o Salipi, voltado para todos os públicos, como ferramenta de informação e para a diminuição do índice de violência contra as mulheres?

O papel do Salipi foi muito bonito, chamando as mulheres para esse debate. É claro que onde entram as feministas e onde entram os machistas o diálogo pode sempre ser difícil, mas esse diálogo sempre pode acontecer da melhor forma se nós praticarmos uma política da escuta e, sobretudo, se os sujeitos do privilégio da fala conseguirem executar essa política da escuta, tendo respeito com essas pessoas que hoje trazem uma novidade, tanto do ponto de vista da reflexão acerca dos jogos de poder da sociedade machista, quanto também do ponto de vista da presença importante desses outros corpos na cena política.

Essa é uma das questões mais fundamentais para a gente pensar o lugar desses eventos. Como que a gente pode produzir um encontro, um diálogo que nos faça crescer, que nos faça avançar, tendo em vista uma sociedade de machismo estrutural que está presente em todas as sociedades, em todas as instituições? Esse machismo estrutural não sai da cena, por isso, uma perspectiva politizada desses ventos é muito importante. O Salipi tem essa característica, e mesmo que muitas vezes possa até existir (como foi o caso desse Salipi) um momento com desrespeito e silenciamento das vozes das feministas, acho que a gente sai com um saldo super positivo, que é o diálogo, a consciência e a capacidade de se colocar em cena hoje, sem medo de falar a verdade acerca desse machismo estrutural que precisa ser superado.

Como essa reconfiguração do feminismo através das redes sociais pode auxiliar na promoção dos direitos das mulheres?

É fantástico a gente pensar que as feministas têm aprendido a funcionar em rede. Em um certo sentido o machismo sempre funcionou em rede, então que as mulheres aprendam a funcionar em rede e que possam turbinar as suas redes a partir das redes sociais, é muito positivo. Ao mesmo tempo, é claro que essa vida digital é uma faca de dois gumes, nós precisamos aprender a ir além das redes sociais, isso é absolutamente fundamental.

 "Nós precisamos aprender a ir além das redes sociais", enfatiza Tiburi. (Foto: Divulgação)

Como transcender as barreiras impostas pelas redes, para englobar as mulheres da periferia, por exemplo, que muitas vezes acabam sendo marginalizadas e excluídas dessa discussão?

O feminismo precisa se elaborar como uma prática concreta da vida. Nesse sentido não basta de fato a gente ficar no Whatsapp, não basta a gente tentar resolver na esfera do discurso digital e virtual as nossas questões super concretas. Eu penso que a gente deve se unir em todos os nossos contextos institucionais, familiares, comunitários. As classes sociais devem se organizar entre si, porque as mulheres compõem uma classe única, mesmo aquelas que estão, digamos assim, em posições mais favorecidas, ou até mesmo aquelas que participam das classes exploradoras, essas também fazem parte de uma classe social subordinada, submetida, explorada, que é a classe das mulheres em geral. Podemos também atravessar esses lugares de classe entre nós, e o nosso feminismo tende a crescer nessa medida.

Você acha que é possível unir as esquerdas em nível nacional? O que é preciso para isso?

É muito difícil, mas é uma utopia pela qual vale a pena a gente lutar. Se nós conseguirmos superar os narcisismos das pequenas diferenças nos partidos de esquerda, nos movimentos, acho que a gente consegue transformar o Brasil e, como eu gosto de dizer, devolver o Brasil ao povo.

"O feminismo precisa se elaborar como uma prática concreta da vida", pontua a filósofa.

Levando em consideração a sua visibilidade a nível nacional como uma “filósofa pop”, como você faz relação da filosofia pop com a pauta do feminismo?

O que eu chamo de filosofia pop é justamente um tipo de método em filosofia que rompe com as fontes tradicionais, no sentido de expandir o nascedouro dessas fontes e trabalhar com conteúdos que seriam rejeitados de um ponto de vista acadêmico. Em vez de trabalhar apenas com a história da filosofia clássica, acadêmica, trabalhamos também com cinema, com artes visuais, com artes de rua, com performances, com os conteúdos de jornal, com tudo isso que poderia ser considerado lixo cultural, inclusive todos os conteúdos da indústria cultural. Não para reafirmá-los, evidentemente, mas no sentido de fazer da filosofia uma forma de leitura especializada, crítica e desconstrutiva desses conteúdos e dessas fontes também. O feminismo compartilha com a filosofia pop esse lugar rejeitado, esse lugar secundário, subalterno. Há uma solidariedade entre o método do feminismo e o método da filosofia pop que são duas formas de fazer filosofia que implicam uma radical desconstrução do método tradicional, tanto no que concerne às fontes como no que concerne à forma crítica que esses conteúdos são trabalhados.

Por: Nathalia Amaral
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