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Violência sexual contra crianças deixa autoridades em alerta

Uma série de componentes dificulta que os casos cheguem às autoridades e sejam solucionados.

15/02/2019 07:32

A violência sexual contra crianças e adolescentes exige máxima atenção. O relatório do Disque 100, referente ao ano de 2017, aponta um crescimento no número de denúncias de violações contra esta parcela da população em todo país. Naquele ano, o serviço registrou 84.049 denúncias, número 10% maior que em 2016. Desse contingente, 20.330 denúncias referiam-se à violência sexual. Em 2017 na cidade de Teresina, foram registrados 190 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes.

Lia Raquel ministra palestras nas escolas como forma de prevenção. Foto: Assis Fernandes/ODIA

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Infância e da Juventude (CAODIJ), Lia Raquel Prado, explica que o Centro atua na conscientização das crianças e adolescentes por meio de palestras, por exemplo. Ela nota que, nessas ocasiões, é bastante comum que eles despertem para o assunto e acabam relatando algum tipo de violência sofrida por eles ou por colegas.

“Sempre que a gente vai dar uma palestra dessas em uma escola, praticamente em todas as situações, a gente tem algum adolescente que nos procura após a palestra, relatando uma situação de abuso, maus tratos ou negligência, querendo saber se aquilo é uma forma de violência. A gente sempre dá o telefone para entrar em contato, mas acaba que, por uma série de fatores, isso é mais difícil para eles”, conta.

Lia explica que no biênio 2018-2019, por meio do Plano Geral de Atuação que foi elaborado com base em consulta social, o Centro de Apoio Operacional está atuando com foco na violência sexual. Dentro desta perspectiva, também são desenvolvidos projetos paralelos, como é o caso da série de vídeos educativos veiculados no canal do YouTube no projeto: “Desvendando os direitos da criança”. O CAODIJ é um órgão pertencente ao Ministério Público e trabalha auxiliando os promotores de Justiça; contudo, não possui função executiva.

“A gente busca trazer uma linguagem bem acessível nessas videoaulas e os temas são bem variados. A primeira videoaula foi sobre violência sexual contra a criança e o adolescente, por conta do nosso Plano Geral de Atuação. Estamos priorizando os temas que a gente percebe que a sociedade tem mais curiosidade de entender”, explica.

Pais ou responsáveis devem orientar sobre autoproteção

Para a psicóloga Conceição Uchôa, os pais ou responsáveis precisam desenvolver nas crianças habilidades que contribuam para a diminuição da vulnerabilidade delas diante das situações de violência, sejam elas físicas, psicológicas ou sexuais.

“Crianças precisam conhecer o próprio corpo, nomear todas as partes desse corpo. Compreender que têm o direito de recusar toques e carinho, por mais inocentes que sejam. É preciso ensiná-las a dar voz aos seus sentimentos para que, quando algo estranho acontecer, seja percebido e elas tenham a força e coragem de dizer não e peçam ajuda”, aconselha.

Uchôa também dá dicas aos pais para abordar esse assunto e orientar melhor as crianças sobre autoproteção, afinal, a maioria delas passa por isso sozinha. Conforme explica a psicóloga, é necessário falar tranquilamente sobre carinho, toque e sobre o corpo, “que é delas e de ninguém mais, que ele precisa de cuidado. Em casa, uma educação com diálogo, esclarecida, vai possibilitar essa leitura mais consciente e sem medo de agir numa situação como essa”.

Além disso, é preciso sempre reforçar que elas devem falar sobre qualquer movimento estranho, “elas não precisam passar por nada sozinhas”, mas pedir ajuda.

Campanha Defenda-se

A campanha Defenda-se, lançada em 2014 pela Rede Marista de Solidariedade, é uma das iniciativas que busca orientar, em especial as crianças, sobre o que é o abuso e como se proteger. Através de vídeos educativos, vários temas são tratados, como as expressões de carinho que são saudáveis, não aceitar presente em troca de carinho, autoproteção, direitos da crianças e canais de denúncia.

Essa campanha tem como base o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. O projeto busca incentivar a criança a relatar a violência sofrida para alguém de confiança ou denunciar em canais como o Disque 100.


Em vídeos educativos, vários temas são tratados, como as expressões de carinho que são saudáveis. Foto: Assis Fernandes/ODIA

Lei da Escuta Protegida: criança deve prestar depoimento apenas uma vez

Em abril de 2018, entrou em vigor a Lei da Escuta Protegida, que busca, entre outras coisas, evitar a revitimização da criança que sofreu a violência. “O que se percebe é que, cada vez que ela repete aquela história para alguém, ela é acrescida também das influências daquela pessoa que ouviu e isso pode gerar falsas memórias. Por isso, o ideal é que a criança seja ouvida uma única vez ou, no máximo, duas vezes, para evitar que o depoimento dela venha a ser corrompido pelas impressões das pessoas que a ouviram no decorrer desse percurso”, esclarece Lia.

Além disso, a repetição dos relatos pode ser uma experiência dolorosa para a criança ou ela pode deixar de ver o sentido em todo o processo, quando ouvida tantas vezes.

Casos são subnotificados no Piauí

De acordo com a coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Infância e da Juventude (CAODIJ), Lia Raquel Prado, a maior dificuldade, hoje, com relação à violência praticada contra crianças e adolescentes são os dados. O primeiro problema é a subnotificação.

“Existem estudos que apontam que entre 86% e 90% dos casos acontecem no seio familiar. Como é uma situação muito dentro da família e como nós temos a noção do sagrado familiar, que a família é divina, que a gente resolve os problemas em família, muitos casos de abuso sequer chegam ao conhecimento das autoridades”, afirma.

Atualmente, o órgão está analisando os dados obtidos das autoridades de Segurança Pública e já há uma avaliação preliminar. “Nós já percebemos que, em alguns municípios no interior do Estado, têm mais casos registrados. No entanto, os dados que chegam à Secretaria de Segurança Pública já chegam subnotificados, porque é só o que chega à delegacia. Nem tudo que chega à delegacia vira processo. Quando chega no Poder Judiciário, já há uma diminuição”, diz.

Além disso, há o aspecto cultural. “A objetificação da criança é uma questão cultural, não é só no Brasil, mas aqui a gente observa muito isso, principalmente em nível de Nordeste. Quanto mais a gente tem dificuldade de acesso à informação, mais essas situações são difíceis de resolver. A violência sexual não é uma questão de violência sexual, mas um ambiente em que a família toda dorme no mesmo local, facilita esse tipo de violência”, destaca

Edição: Virgiane Passos
Por: Ananda Oliveira
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