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Com proposta de "alto padrão", casa de prostituição é aberta na zona Leste

Tráfico interno de pessoas seria o próximo passo; casa foi aberta há menos de 10 dias

13/04/2013 08:19

"É, amigos... Tá complicado. Fecharam BC e Copacabana. Sites, então, nem pensar. Queria saber dos companheiros que ainda andam por aqui o que têm feito pra continuar fiéis à putaria. Após ver algumas matérias, procurei e encontrei alguns sites. Mas, infelizmente, a variedade ainda não atingiu o nível ótimo", o comentário foi deixado em setembro de 2012 por um usuário de Teresina em um fórum da internet onde homens avaliam prostitutas e relatam programas, além de compartilharem informações sobre sites e casas de prostituição de todo o Brasil.

O comentário deixado faz referência à Operação Aspásia, deflagrada pela Polícia Civil do Estado do Piauí em 14 de agosto de 2012, cerca de 15 meses depois da publicação de uma reportagem especial pelo Jornal O Dia sobre redes de prostituição que atuam no Estado.

Por meio da operação foram presos proprietários de sites que anunciam os serviços de garotas de programa e donos de boates onde muitas prostitutas atendiam. Dentre os presos esteve Elizabeth Oliveira, a Beth Cuscuz, e "Carlão", proprietário da Copacabana Show.

Hoje, cerca de oito meses após a operação, as páginas na internet e as boates já voltaram a atingir o que os usuários poderiam chamar de "nível ótimo". Muitos sites já estão disponíveis e, o mais importante: uma nova casa de prostituição foi inaugurada no último dia 05, na zona Leste de Teresina.

Muitas das meninas comentam que, talvez, a regulamentação da profissão ajude a diminuir a exploração por parte das casas de prostituição, garantir segurança diante dos clientes que em algumas situações usam de violência contra elas e descriminalizar ações que por vezes levam a polícia a investigar casos que não levam à prisão dos acusados, já que as "vítimas", na verdade, estão lá por vontade própria.

Com proposta de "alto padrão", nova casa de prostituição é aberta na zona Leste

Fotos: Lina Magalhães/O DIA.

Com muros altos, cercas elétricas reforçadas em todo o entorno da casa e câmera de segurança na entrada, a boate Vip House ocupa metade de um quarteirão no bairro Gurupi, na zona Leste de Teresina e, inaugurada há menos de 10 dias, abriga a mais recente casa de prostituição da cidade,

A Hellen Gaúcha Vip House, com o slogan "prazer e discrição", pretende ofertar, como descreveu uma das garotas que trabalha no lugar, um "serviço de alto padrão", algo que contrasta fortemente com o que ainda acontece em algumas casas que disponibilizam o "entretenimento adulto" na capital.

A exemplo disso, na ocasião em que foram fechados os dois mais conhecidos pontos de exploração sexual da cidade, a delegada Daniela Barros, do Serviço de Operações Especiais (SOE) da Polícia Civil, relatou que o que encontrou nos estabelecimentos era terrível. "Se aquilo é prostituição de luxo, o que vi é deprimente". No local inaugurado, a coisa muda de figura.

"O lugar é enorme, tem tudo aí dentro, um espaço grande, muitas mulheres bonitas todos os dias entrando e saindo, e a movimentação de carros, em menos de 10 dias, já começa a ficar intensa quando anoitece", conta um dos vizinhos da casa, que prefere não ter seu nome publicado.

Segundo ele, a proprietária do lugar, que se identifica nos cartazes espalhados pela cidade como "Hellen Gaúcha", pretendia inaugurar a boate há vários meses, mas as repercussões da Operação Aspásia fizeram com que Hellen adiasse o início do funcionamento da casa.

"Ela passou dias ao telefone, falando com muita gente, todo mundo aqui percebeu a movimentação diferente. Ela esperou as coisas se acalmarem para dar continuidade", relata um dos vizinhos, acrescentando: "Assim que ela comprou a casa e começaram as mudanças que davam a entender que o local funcionaria como um ponto comercial, os vizinhos todos questionaram, porque aqui no bairro, como é tipicamente residencial, nenhum empreendimento conseguiu se instalar. Segundo ela, quando fomos perguntar, o local seria apenas uma casa de massagem", relata o vizinho.

Outro morador da vizinhança conta que aqueles que dividem o muro com o estabelecimento foram diretamente afetados. "Eles tocam música alta até 5h, 6h da manhã, colocaram um banner bem grande diante da janela de quem mora ao lado, para impedir de ver qualquer coisa que aconteça lá dentro. Alguma coisa elas estão escondendo", especula.

Tráfico interno para exploração sexual seria o próximo passo

Raquel*, que trabalhou durante alguns dias na Vip House como um "teste", comenta com mais detalhes e revela ainda alguns planos da proprietária. "Lá na Hellen já está bem encaminhado, mas ainda faltam alguns ajustes. A principal questão agora é que ela quer mais meninas, pretende trazer algumas de fora [do Estado] para atender bem os clientes". Ela completa: "No dia da inauguração tinha muito homem, mas não tinha garotas para todos".

Muitas informações sobre a Vip House podem ser facilmente encontradas no banner publicitário da empresa, encontrado pela equipe de O DIA em pelo menos dois pontos da zona Leste da cidade. A nova casa é anunciada ainda em um dos sites que hospedam os anúncios pessoais das garotas - dentre elas a própria Hellen, proprietária da casa.

No banner, há a descrição de alguns serviços oferecidos no estabelecimento. Além do endereço, é possível ler que a casa possui "bar, poly dance (sic), lindas modelos, espaços climatizados, segurança interna/externa e atendimento personalizado". Há ainda o convite para a realização de despedidas de solteiro.

Pâmella*, que trabalha na Vip House e também anuncia seus serviços em sites na internet, confirma a exploração sexual de mulheres na casa e informa outros detalhes do funcionamento.

"A grande diferença [para outras casas de prostituição], além do alto padrão de garotas e serviços, é que também funciona de dia, não apenas à noite", conta a garota. No banner de divulgação, a informação também está disponível: "De segunda a sábado, a partir das 13 horas".

Raquel acrescenta e diz também que na casa o cachê mínimo cobrado é de R$ 200 e, independente de o programa ser realizado na própria casa ou em um hotel ou motel de preferência do cliente, o estabelecimento sempre fica com R$ 50. "Vai da menina cobrar mais ou menos que o mínimo, pra lucrar mais", diz Raquel.

Procurada pela equipe de reportagem, Hellen disse que somente poderia falar pessoalmente sobre a casa comandada por ela e pediu que a equipe voltasse a ligar dentro de algumas horas. Procurada novamente, Hellen não atendeu às ligações.

O delegado geral da Polícia Civil, James Guerra, informou que nenhuma denúncia quanto à casa foi feita ainda junto à polícia. "Nós ainda não recebemos nada, mas a existência do lugar parece ser muito recente". E completou: "Esse tipo de lugar quem normalmente denuncia é o concorrente, porque não quer perder o mercado".

Pelo menos seis sites ainda anunciam garotas de programa em Teresina

Hoje, buscando por termos chave no Google, é possível encontrar facilmente pelo menos meia dúzia de sites que oferecem os serviços de garotas de programa na capital piauiense, todos apresentando grande quantidade de meninas que atendem na cidade. Segundo as garotas, embora a prática configure crime para quem administra as páginas, os anúncios online representam segurança para elas.

"Eu prefiro, é muito melhor que ficar em uma boate me expondo, ainda mais aqui em Teresina. A visibilidade é menor. O site é mais discreto para as meninas e para os clientes", conta Marcela*, de 19 anos.

Para Raquel, que também prefere os sites, há ainda outra questão envolvida: o lucro. "Com o site a gente lucra mais, porque além de não deixar uma parte com a casa, o trabalho garante certeza de pagamento". Ela explica: "Em uma boate, o cliente chega e fica bebendo, consumindo, e às vezes vai embora sem fazer o programa. O lucro é garantido só para a casa".

Alguns dos sites onde Marcela e Raquel anunciam já estavam disponíveis menos de 30 dias depois de presos os proprietários de três dos cinco sites investigados durante a operação da Polícia Civil, sendo eles: www.pecadocazual.com.br, www.soastops.net, www.mostrateresina.com.br, www.gatasteresina.net e www.multiescolha.com.

Atualmente, os sites mais compartilhados pelos clientes e onde há maior variedade de meninas que anunciam seus serviços são o www.pimentamallagueta.net e o www.coelhinhasdobrasil.com.br. Mas há ainda o www.soacompanhantes.com.br, www.sexomais.com.br, www.muitosexy.com.br e o www.garotasvipacompanhantes.com.br, dentro desses últimos, com uma busca por cidades, é possível encontrar os anúncios das meninas de Teresina.

A equipe de O DIA entrou em contato com Pedro*, um dos administradores dos sites para saber mais sobre a contratação do serviço, mas a informação principal pode ser conseguida facilmente nos menus de "contato" disponíveis nas páginas: o valor do anúncio.

Durante a conversa, o rapaz informou que o valor a ser pago por um mês de anúncio é de R$ 100, com direito a destaque na aba "novidades" durante os primeiros 15 dias. Para aquelas garotas que quiserem um destaque maior, os valores variam de R$ 150 a R$ 200. Um detalhe importante da negociação do anúncio é que o primeiro ensaio fotográfico das garotas é gratuito.

Clientes dão notas para garotas em fórum online

As informações iniciais recolhidas pela equipe de O DIA partiram principalmente de um fórum online nomeado Guia de Garotas de Programa, onde clientes de todo o Brasil postam detalhes de programas, indicam - ou alertam sobre - meninas com quem saíram e, o principal: dão notas a elas, analisando desde a qualidade dos programas até partes do corpo das garotas.

O comentário que abre esta matéria foi retirado de um dos tópicos do fórum, onde muitos clientes contam detalhes do que aconteceu durante o programa e fazem uma espécie de análise geral das garotas.

"Seios - 10, beijo - 9, rosto - 7", é mais ou menos assim que acontece a avaliação, e as meninas dizem que gostam, porque ajuda a manter a credibilidade com os clientes.

"Eu gosto, porque os clientes só falam bem de mim. Os outros leem e sabem que podem ligar e vão encontrar uma pessoa confiável", comenta Marcela.

Marcela diz isso porque no fórum os clientes alertam uns aos outros sobre meninas que supostamente mentem (cor do cabelo, altura, peso) ou os desagradam de alguma forma (conversam pouco - ou muito -, controlam rigidamente a duração do programa).

Os foristas comentam ainda sobre os pontos de prostituição que frequentam em diferentes cidades do país e a forma como funcionam. Muitos dos homens que falam sobre as casas de Teresina, são, na verdade, de outras cidades. O comentário abaixo foi deixado antes de a casa citada ser fechada após a Operação Aspásia.

"Ontem estive no famoso BC de Teresina, pelo que ouvi por lá, é realmente a melhor casa da cidade. Fui para lá com um colega do trabalho conhecer a casa... Já adentrando a madrugada (uma da manhã mais ou menos). A casa em si não tem nada demais, muito pelo contrário, aquele ambiente de puteiro de cidades menores, mas as garotas em geral são muito boas (tem umas que não dá para encarar, mas na média vale a pena)".

Logo após a Operação Aspásia, os comentários gerais eram sobre a dificuldade de encontrar casas e sites para sair com as garotas. "Desde a operaçãoo que fechou os sites de Teresina fiquei um bom tempo sem sair com ninguém, mas de duas semanas pra cá descobri uma certa variedade e boa qualidade em alguns sites...".

Já um comentário recente, postado há pouco mais de 30 dias, o cliente conta em detalhes um programa realizado, indica o link da garota em um dos sites já citados nesta matéria e finaliza com "Rapaziada, o tempo de fartura está voltando a Teresina.".

*Nomes fictícios utilizados para preservar a identidade das fontes.

O que diz a lei

As ações descritas nesta reportagem podem ser tipificadas em pelo menos quatro artigos do Código Penal Brasileiro, 228, 229, 230 e 231, sendo os crimes: favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual, manter casa de prostituição, rufianismo e tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual. Veja a íntegra dos artigos.

Artigo 228 - Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).
Parágrafo 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa

Artigo 229 - Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

Artigo 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça.
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Artigo 231 - Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).
Parágrafo 3o - Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).

Projeto: regulamentação da profissão

Batizada de Lei Gabriela em homenagem à escritora, presidente da ONG Davida e ex-aluna de Filosofia da USP que decidiu virar prostituta aos 22 anos, Gabriela Leite, o projeto de lei de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL) tem como objetivo garantir que o exercício da atividade do profissional do sexo seja voluntário e remunerado, retirando assim os profissionais da marginalização.

Um dos pontos principais do projeto é também tipificar exploração sexual diferindo-a do instituto da prostituição, a fim de combater o crime, principalmente contra crianças e adolescentes.

Raquel diz que concorda com o projeto e que o único problema do anúncio em sites é justamente que, muitas vezes, os clientes querem forçar a menina a fazer algo, usam de violência para não pagar o cachê ou tentam estender o tempo do programa.

"Com algum tipo de regulamentação, nós poderíamos recorrer caso algo acontecesse. Hoje fica difícil, e a mente das pessoas é muito fechada, não entendem". Ela acrescenta: "Deixar de existir a profissão não vai, não adianta".

Para Marcela, a situação é semelhante. "Eu gosto do que eu faço, gosto mesmo. Não tenho vergonha e sei que não estou fazendo nada de errado. Seria ótimo que eu pudesse ter direitos fazendo o que eu faço", diz.

O projeto de lei apresentado pelo deputado ainda não tem data para ser votado, mas Wyllys já afirmou em entrevistas que pretende que seja aprovado até a Copa do Brasil, em 2014.

Por: Maria Romero
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