Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

Tatuagem: da marginalização à livre expressão

A prática de marcar o corpo com desenhos é uma atividade muito mais antiga do que se imagina. Conheça um pouco da arte de transformar o corpo em tela.

14/07/2018 09:46

O corpo é uma das principais ferramentas para comunicar. Muitas pessoas se utilizam dele como um marcador, seja cultural ou de identidade. Deixa expresso ali o que o define enquanto individuo ou sujeito social, deixando claro suas preferências e até mesmo pertencimentos a grupos. De um lado há quem reprove a ideia da tatuagem, do outro quem usa dela como expressão, e assim, ao longo do tempo, ela vem se resignificando e, com isso, deixando rótulos para traz.

A prática de marcar o corpo com desenhos é uma atividade muito mais antiga do que se imagina. De acordo com Pablo Carvalho, professor Mestre em História do Brasil, pesquisas arqueológicas indicam que corpos mumificados e marcados com pinturas foram encontrados nas regiões do atual Egito, Irã e Iraque. Isso quer dizer, portanto, que povos da antiguidade, que viveram ali há cerca de 4000 mil anos, já mantinham essa prática que anos mais tarde se tornaria o que se conhece hoje como tatuagem.

Os contextos, e elementos culturais, ao longo do tempo vão sugerir várias intencionalidades para essa prática de marcar o corpo, sejam elas religiosas, estéticos, artísticos ou identitárias. O professor conta que mulheres egípcias, por exemplo, pintavam o corpo para rituais religiosos de fertilidade, já os homens de tribos indígenas ameríndias possuíam várias formas de se expressar através das pinturas, marcando fases da vida. “Os gregos e romanos tinham a crença de que esse tipo de pintura era uma forma de profanar o corpo, e na Idade Média os relatos de pinturas corporais somem das fontes históricas”, diz Pablo.

Anos mais tarde, no século XVIII, o navegador James Cook ao entrar em contato com os povos da Polinésia redescobre a arte de pintar o corpo, característica que aquele povo já fazia a séculos e que chamavam de tatau, de onde acredita-se que derivaria o termo tatuagem moderno. A iconografia daquele período histórico mostra que muitos europeus passaram a adornar o corpo em eventos especiais, em festas e para serem retratados nessas pinturas, no entanto no século XIX elas somem, só retornando na decada de 1920.

Ao chegar à sociedade Ocidental, entretanto, Pablo Carvalho explica que por conta de um forte contexto religioso a tatuagem ganha uma nova conotação. Os livros sagrados das religiões ocidentais tratam o corpo como obra divina e sacralizada, não aprovando qualquer intervenção sobre ele e é isso que vai guiar as crenças em torno na prática, tornando-a quase como uma proibição. Além disso, a adesão da tatuagem por grupos marginalizados da sociedade reforçam o status negativos sobre ela.


Foto: Jailson Soares/O Dia

“A tatuagem, como marcas no corpo, estaria maculando os dogmas religiosos e esse corpo sagrado. Acredito que essa ideia de alguma maneira acabou criando uma mentalidade de não aceitação na população, quem teria tatuagem acabaria sendo hostilizado, e que cresceu mais ainda lá pelo inicio do século XX, quando a tatuagem virou febre entre os marinheiros americanos de baixa patente e as prostitutas, ou seja, grupos bastante excluídos da sociedade, e nesse contexto a tatuagem se tornaria sinônimo de marginalização e exclusão”, conta.

A tatuagem, porém, ao longo do século XX foi ganhando uma aceitação, graças ao mercado, que foi quebrando os estigmas a respeito delas. A moda das tatuagens iniciaria com os hippies, depois com os cantores de rock e chegava aos surfistas. Com a indústria musical e cinematográfica, ganha evidencia artistas, cantores e atores, que surgem com uma imagem e um comportamento a ser consumidos, como o estilo, a roupa, a linguagem e as tatuagens que muitos deles carregavam.

O professor Pablo Carvalho acredita que a tatuagem hoje já pode mais ser hostilizada e que o simbolismo e a representação negativa atribuída a essa prática, no contexto atual, podem ser segregador. Para ele, hoje é fundamental que se perceba que ela foi ressignificada e que o julgamento de valor a respeito das tatuagens e de seus usuários acabaria por criar restrições, exclusão e preconceitos.

“Tatuagem não se encontra mais no âmbito da marginalização, nem deve, a diversidade do público que hoje adere a essa pratica ilustra bem isso, são pessoas de diversas etnias, idades e profissões, que por questões diversas resolvem pintar seus corpos. Veja também o caso de grupos de tatuadores voluntários que existem hoje, alguns que pintam corpos de mulheres com cicatrizes de câncer, isso mostra bem como a tatuagem atingiu outro aspecto, de relevância e também transformação social”, defende.

Reflexo da personalidade

Desde que surgiu a tatuagem é uma forma de expressão, individual ou coletiva, seja ela religiosa, artística, estética, mas que também segue tendências, segue modismos. “Como uma marcação a tatuagem pode levantar características identitárias, ou seja, ela pode exprimir uma determinada personalidade, uma ideologia, uma filosofia, uma ligação simbólica”, explica o professor Pablo Carvalho.

Essas intenções são percebidas na prática pelo tatuador James Carvalho. Ele conta que a maioria das pessoas que o procuram pensa pelo lado estético ou para extravasar algum tipo de sentimento. “As pessoas buscam para vários fins, como estético ou às vezes como uma válvula de escape. Hoje a tatuagem virou um acessório de moda. O público também não é mais especifico, varia muito. Pessoas de todas as faixas etárias hoje já fazem”.

O tatuador Carlos Maciel produz tatuagem há cerca de dez anos. Durante todo esse tempo, ele diz que pode perceber que as tatuagens passaram a assumir um lado mais artístico. “Essa vontade de marcar a pele é algo que já vem há muito tempo. É uma forma de expressão. Sem falar que a tatuagem hoje caminha para um lado mais artístico, há uma busca em reproduzir arte, uma preocupação com a estética”, diz.

Valéria Meneses tem praticamente todo o corpo adornado por tatuagem. Nascida em uma família conservadora, ela diz ter enfrentado preconceito dentro de casa. “Hoje vejo a tatuagem como forma de expressão artística e de personalidade também. Apesar de ter feito a primeira muito cedo e sem muita responsabilidade, hoje tenho outra visão sobre o assunto. Pesquiso muito e sempre procuro os melhores profissionais. Sou grande admiradora do universo da tatuagem, e por isso tantas tattoos. Ainda tenho muitos projetos a serem executados! Tudo muito bem pensado”, conta.

Por: Yuri Ribeiro - Jornal O Dia
Mais sobre: