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Polêmica com a banda Chica Égua: Liberdade de expressão ou agressão?

Fotos de shows da banda mostram simulações de atos sexuais em cima do palco

01/07/2012 08:52

Na última semana, uma polêmica nas redes sociais chamou a atenção do Ministério Público estadual do Piauí. Na manhã da sexta-feira, 22 de junho, internautas demonstravam indignação com uma foto postada que registrava uma apresentação da banda "Chica Égua", de Teresina. Na foto, uma jovem encena a prática sexo oral em um rapaz em cima do palco, durante o show, aparentemente como interpretação da letra de uma das músicas da banda.

A discussão tomou repercussão nacional através das redes sociais ao ser listado como um dos assuntos mais comentados pelos internautas e chegou a ser assunto em sites nacionais, como o blog Testosterona, vinculado à emissora MTV, que trazia como título da nota a hashtag #aboqueteirado Piauí. A polêmica ganhou ares judiciais quando o promotor de Justiça do Estado Piauí, Francisco de Jesus Lima, titular da Promotoria de Mulher, encaminhou um ofício à delegada da MulherVilma Alves requisitando a instauração de um procedimento para localizar os responsáveis pela fotografia e pela divulgação nas redes sociais.

Foto que circulou nas redes sociais (Reprodução)

Segundo o promotor, manifestações desta natureza, que denigrem a imagem da mulher, são objeto do Ministério Público, que tem por obrigação fazer cessar esse tipo de ato. "Na medida em que você tem este tipo de expressões, que eu não posso nem dizer que são artísticas, que venha a aviutar a condição da mulher, isso vai de encontro ao que a gente está tentando fazer para resgatar. O nosso problema são com estas manifestações que agridem a mulher, que pra nós elas causam uma violência moral e coletiva às mulheres. E se pensarmos como manifestação artística, ela encontra limite sempre que causa dano a outrem. E quando você faz uma música deste tipo você está agredindo a dignidade do ser humano, do ser humano mulher", afirma.

Para o promotor, o caso é ainda mais grave porque não envolve somente a letra da música, mas também a coreografia feita. "Na medida em que você faz a música e que faz aquela coreografia, você remete a olhar a mulher como objeto, como estar disposta a participar de orgias. Quando você encena, o caráter dúbio ganha caráter único. Somado a isso, num ambiente daquele, em que a mulher está sendo violentada com a falta de respeito, e aí você tem o álcool, a droga, você pode ter crianças e adolescentes, mesmo que acompanhados dos pais, e até aquelas mulheres que podem até gostar deste estilo de música, mas na medida que você expõe, vocês está agredindo as outras, porque está num local público", ressalta.

Material de divulgação de banda que simulou sexo está sendo investigado

A partir da investigação que vem sendo realizada pelo Ministério Público do Estado, os envolvidos no caso podem sofrer sanções de várias naturezas. Para o promotor, aos responsáveis, tanto os praticantes do ato de encenação de sexo oral, quanto a banda que é responsável pela letra da música quanto pelo show, cabem três tipos de ação.

Os responsáveis podem sofrer ação de indenização por danos morais coletivos ao nexo ao que elas fazem na divulgação e nos efeitos causados à sociedade. Neste caso, o valor da indenização deve ser revertido em investimentos em programas de combate à violência contra mulher ou qualquer outra ação que beneficie a sociedade. Os responsáveis também podem ser penalizados administrativamente através de uma limitação da exibição da banda, como verificar tipo de música, locais e até a participação do poder público nos shows da banda.

A terceira sanção que pode ser imputada aos responsáveis pelo caso é penal, já que eles podem responder pela exibição de atos obscenos, e mesmo que os atores do ato sejam da platéia, a banda pode responder por co-autoria. No momento, a promotoria e a delegacia da mulher estão investigando a banda e analisando o seu material para identificar os responsáveis. Após a análise é que serão tomadas as medidas cabíveis. O vocalista da banda, Otávio Fernandes, manifestou sua opinião através das redes sociais. Em um post no Facebook ele disse que "nunca houve atos obscenos em nenhum show da Chica Égua e que pessoas eram convidadas a dançar, e vinham por conta própria, exatamente por ser somente uma dança, sem maldade".

Segundo ele a foto foi tirada há mais de um ano na casa de shows Fazenda e que o departamento jurídico da banda vai tomar as medidas cabíveis. A reportagem de O DIA tentou contato diversas vezes, durante toda a semana passada, com os responsáveis pela banda. Uma entrevista chegou a ser agendada, mas o empresário não compareceu e não atendeu mais aos telefonemas.

Liberdade de expressão ou agressão?

Essa questão da liberdade de expressão ir de encontro com os direitos e deveres do cidadão é bem antiga. O problema é que hoje com o advento da internet, e seu poder de disseminação muito mais rápido que os demais veículos de comunicação, em pouco tempo qualquer tipo de manifestação pode ganhar conhecimento internacional em pouquíssimo tempo.

A liberdade de expressão é um direito fundamental garantido na Constituição Federal, mas vai de encontro com o bem estar da população. A declaração de princípios sobre a liberdade de expressão, dentro
do plano internacional, afirma que toda pessoa tem o direito de buscar, receber e divulgar livremente informações e opiniões. Este princípio está em conformidade com o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e que também dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A liberdade de expressão implica, então, que todas as pessoas devam ter igualdade de oportunidades
para receber, buscar e divulgar informação por qualquer meio de comunicação sem discriminação por nenhum motivo. Ela é, portanto, um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. É um requisito indispensável para a existência das sociedades democráticas. Dentro de um Estado Democrático de Direito, a liberdade de expressão é direito essencial não podendo sofrer nenhum tipo de cerceamento no que se refere a censura de natureza política, ideológica e artística.

A liberdade de pensamento também está inserida na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5° (cláusula pétrea), inciso IX, que diz que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença". Liberdade de crença, opinião, de palavra, de expressão, de imprensa. Uma vez proclamadas, essas liberdades, sujeitas ou não a deveres, e acompanhadas ou não de garantias relativas aos meios materiais necessários para o seu exercício segundo os países, provocam, entretanto, algumas limitações que podem ser mínimas ou, pelo contrário, abarcar diversos aspectos relacionados com o seu exercício.

"É um estímulo à banalização do sexo", diz psicóloga Raquel Vilarinho

Para a psicóloga Raquel Vilarinho esse caso deve ser analisado com bastante cuidado já que envolve não só um prejuízo para a mulher, mas para toda a sociedade que é exposta a este tipo de manifestação, em especial as pessoas em formação, como crianças e adolescentes. "Não interessa se essas pessoas praticaram ou não sexo oral no palco, mas sim o que elas queriam passar e ao que todas as pessoas presentes ficaram expostas, sem opção de escolha. Muitas delas ali poderiam ser jovens ainda em formação, talvez existissem até crianças no público. É uma violência! É uma violência aos de mais idade e um estímulo para a banalização do sexo", afirma.

A psicóloga lembra que sempre existiram músicas que tratam da sensualidade, mas é preciso haver limites, ainda mais porque pra ela, este tipo de manifestação tem relação com a exploração sexual. "Crianças que são abusadas na infância tem a estimulação sexual delas antecipada, elas entram na vida sexual de forma banalizada e precoce. Aquilo ali [expressão artística] não deixa de ser um abuso. O abuso sexual não acontece só através do toque, quando há o estímulo precoce à criatividade da criança também é um abuso. E este tipo de manifestação ajuda a banalizar o sexo", ressalta.

Para a psicóloga a atitude do promotor de justiça é extremamente válida e esse tipo de manifestação deve ser cerceado pela sociedade, mesmo que seja estipulando faixa etária na exibição ou entrada de shows. Ela ressalta que é preciso se ter muito cuidado com este tipo de manifestação, que está em todo lugar, principalmente porque nem sempre os pais têm total controle sobre os filhos.

"Cabe aos pais não proibir, mas orientar, saber o que os filhos estão ouvindo, explicar para que eles saibam que é negativo. Uma criança que vê uma cena desta e não sabe o que é, pode até não despertar, mas se já tem um discernimento, acaba incentivando a criatividade, a curiosidade e ela desperta mais cedo para aquele tipo de situação", explica Raquel Vilarinho.

Por: Viviane Menegazzo - Jornal ODIA
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