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Período chuvoso em Teresina vira pesadelo para pessoas de rua

A chuva, apesar de celebrada por muitos, é motivo de preocupação para quem vive em áreas de risco e nas ruas

11/01/2020 08:34

Quando João Anderson, 34 anos, vê o céu aderir a tons de azul mais forte e o vento soprar com mais constância, ele sabe: é dia de procurar abrigo que não sejam os das praças da cidade, locais que são, cotidianamente, seu local de perma­nência. Essa atenção é compartilhada por outras centenas de pessoas em situação de rua e, também, por quem mora em áreas de risco em Teresina. A chuva, nes­te período, apesar de muito celebrada por quem passa o ano todo sentindo os efei­tos do forte calor resistente na cidade, é motivo de preocupação para quem está suscetível por conta da mudança de tem­po. Uma situação que abarca uma parcela considerável da população.

Tem que ter cuidado para não adoecer, porque eu não tenho mais documentos e não posso ir ao hospital - João Anderson

O último levantamento divulgado pela Secretaria Municipal de Cidadania, Assis­tência Social e Políticas Integradas (Sem­caspi), por exemplo, mostra que o número de moradores de rua passou de 300 em 2017 para 500 em 2018, um aumento de 40%. Sem local fixo para estar, nos perío­dos chuvosos, essas pessoas aderem as mais diversas estratégias.

No caso de João, que é deficiente físico e leva em uma sacola os poucos bens que possui, a estratégia é ocupar uma casa abandonada na zona Leste da cidade. “Os períodos extremos são ruins para a gen­te, muita chuva ou muito calor atrapalha. Mas aí todo mundo dá um jeito. Eu e ou­tros colegas ocupamos uma casa abando­nada na zona Leste para se proteger nes­ses dias”, explica com naturalidade.

Há quatro anos morando na rua depois que problemas de dependência química e saúde o afastaram de casa, ele também destaca a suscetibilidade para as doenças que aparecem neste período. “Tem que ter cuidado para não adoecer, porque eu não tenho mais documentos e não pos­so ir ao hospital. Quando estou doente compro algum remédio na farmácia e tomo por conta própria”, diz em tom de resistência.

Outra situação que também coloca em alerta quem vive nas ruas são as descar­gas elétricas comuns a Teresina neste período. O climatologista Werton Costa explica que o fenômeno é comum em áreas urbanas.

“As descargas acontecem sobre alguns pontos que reúnem condições favoráveis, a quantidade de calor e o arranjo das cida­des é uma delas, por isso temos, em cidades médias e grandes, a tendência de acontecer essas descargas elétricas. Esses locais tem muito material construído e eles têm ten­dência em absorver muita energia radian­te. As nuvens, eletricamente carregadas, são estimuladas a despejar essas descargas sobre a cidade. Então principalmente para pessoas que não estão protegidas, que estão na rua debaixo de árvore, em campo, em locais sem isolamento, essas pessoas estão muito vulneráveis”, destaca o professor.

João intuitivamente sabe disso e, por isso, não se esquiva de segurança. En­quanto conversa, sentado em um banco da Praça da Bandeira, Centro de Teresi­na, ele destaca que aquele é dia de ir dor­mir na casa que, nesta temporada, o deixa melhor protegido.

O céu naquele dia não estava com sinais tão evidentes que poderia chover, mas pela expertise de quem aprendeu a ler sinais do tempo, João sabia da provável queda d’agua. Duas horas mais tarde, em Teresi­na, choveu.

Abrigos atingem capacidade máxima em dias de chuva

Em Teresina, mantidas pelo poder estadual ou municipal, algumas instituições funcio­nam para receber moradores de rua em regime de per­noite. No Centro da cidade, uma dessas casas, localizada na Rua Félix Pacheco, 1984, mantida pela Prefeitura de Te­resina, costuma ver seus leitos com a capacidade máxima de ocupação por conta do perío­do chuvoso.

Edson Araújo, gerente exe­cutivo da casa, explica que são ofertados 40 leitos no es­paço, mas que, em média, 80 usuários são atendidos a cada semana. “A rotatividade é um pouco alta, porque às vezes eles vêm um dia e depois não aparecem mais. Outras, pas­sam de três dias e se deslocam para outra cidade. Mas nota­mos que nos dias chuvosos, a capacidade costuma lotar”, esclarece.

No local, que atende ho­mens e mulheres, são ofere­cidos produtos para higiene e alimentação divididos em jantar, ceia e café da manhã. Para dar entrada, basta chegar ao local por volta de 16 horas e fazer a identificação e visto­ria simples – não é permitida a entrada de drogas ou armas.

Manoel Otávio Mendes, 32 anos, é de União, interior de Teresina, mas está na Capital atrás de emprego. O abrigo é uma opção para se proteger da chuva e manter as poucas mercadorias a salvo. “Já pas­sei várias noites na rua, mas é sempre bom estar em um lugar seguro. Às vezes, saio daqui de manhã cedo e vejo gente encolhida na rua, mo­lhada, sem nenhum cobertor, eu sinto pena, mas não posso fazer nada pra ajudar”, explica.

Foto: Jailson Soares. 

O abrigo também sente va­riação no número de usuários a depender do período do ano ou dia da semana. Aos do­mingos, o local costuma lotar, segundo o gerente executivo, muito pela pouca movimen­tação de comércio no Centro e incapacidade dos bicos para quem está em situação de rua. Da mesma forma acontece nos períodos de festividade de fim de ano que, com o cen­tro mais movimentado e as pessoas mais abertas para so­lidariedade, costuma deixar o abrigo esvaziado.

“De qualquer forma, funcio­namos de segunda a segunda. Muitas vezes tentamos, em conjunto com o Centro Pop (Centro de Referência Es­pecializado para População em Situação de Rua), buscar restabelecer os vínculos fa­miliares dessas pessoas, mas é algo muito difícil. Muitos tem família, mas por conta dos ví­cios e outros problemas estão impossibilitados de voltar”, fi­naliza Edson.

Edição: Glenda Uchôa
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