Quando João Anderson, 34 anos, vê o céu aderir a tons de azul mais forte e o vento soprar com mais constância, ele sabe: é dia de procurar abrigo que não sejam os das praças da cidade, locais que são, cotidianamente, seu local de permanência. Essa atenção é compartilhada por outras centenas de pessoas em situação de rua e, também, por quem mora em áreas de risco em Teresina. A chuva, neste período, apesar de muito celebrada por quem passa o ano todo sentindo os efeitos do forte calor resistente na cidade, é motivo de preocupação para quem está suscetível por conta da mudança de tempo. Uma situação que abarca uma parcela considerável da população.
Tem que ter cuidado para não adoecer, porque eu não tenho mais documentos e não posso ir ao hospital - João Anderson
O último levantamento divulgado pela Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas (Semcaspi), por exemplo, mostra que o número de moradores de rua passou de 300 em 2017 para 500 em 2018, um aumento de 40%. Sem local fixo para estar, nos períodos chuvosos, essas pessoas aderem as mais diversas estratégias.
No caso de João, que é deficiente físico e leva em uma sacola os poucos bens que possui, a estratégia é ocupar uma casa abandonada na zona Leste da cidade. “Os períodos extremos são ruins para a gente, muita chuva ou muito calor atrapalha. Mas aí todo mundo dá um jeito. Eu e outros colegas ocupamos uma casa abandonada na zona Leste para se proteger nesses dias”, explica com naturalidade.
Há quatro anos morando na rua depois que problemas de dependência química e saúde o afastaram de casa, ele também destaca a suscetibilidade para as doenças que aparecem neste período. “Tem que ter cuidado para não adoecer, porque eu não tenho mais documentos e não posso ir ao hospital. Quando estou doente compro algum remédio na farmácia e tomo por conta própria”, diz em tom de resistência.
Outra situação que também coloca em alerta quem vive nas ruas são as descargas elétricas comuns a Teresina neste período. O climatologista Werton Costa explica que o fenômeno é comum em áreas urbanas.
“As descargas acontecem sobre alguns pontos que reúnem condições favoráveis, a quantidade de calor e o arranjo das cidades é uma delas, por isso temos, em cidades médias e grandes, a tendência de acontecer essas descargas elétricas. Esses locais tem muito material construído e eles têm tendência em absorver muita energia radiante. As nuvens, eletricamente carregadas, são estimuladas a despejar essas descargas sobre a cidade. Então principalmente para pessoas que não estão protegidas, que estão na rua debaixo de árvore, em campo, em locais sem isolamento, essas pessoas estão muito vulneráveis”, destaca o professor.
João intuitivamente sabe disso e, por isso, não se esquiva de segurança. Enquanto conversa, sentado em um banco da Praça da Bandeira, Centro de Teresina, ele destaca que aquele é dia de ir dormir na casa que, nesta temporada, o deixa melhor protegido.
O céu naquele dia não estava com sinais tão evidentes que poderia chover, mas pela expertise de quem aprendeu a ler sinais do tempo, João sabia da provável queda d’agua. Duas horas mais tarde, em Teresina, choveu.
Abrigos atingem capacidade máxima em dias de chuva
Em Teresina, mantidas pelo poder estadual ou municipal, algumas instituições funcionam para receber moradores de rua em regime de pernoite. No Centro da cidade, uma dessas casas, localizada na Rua Félix Pacheco, 1984, mantida pela Prefeitura de Teresina, costuma ver seus leitos com a capacidade máxima de ocupação por conta do período chuvoso.
Edson Araújo, gerente executivo da casa, explica que são ofertados 40 leitos no espaço, mas que, em média, 80 usuários são atendidos a cada semana. “A rotatividade é um pouco alta, porque às vezes eles vêm um dia e depois não aparecem mais. Outras, passam de três dias e se deslocam para outra cidade. Mas notamos que nos dias chuvosos, a capacidade costuma lotar”, esclarece.
No local, que atende homens e mulheres, são oferecidos produtos para higiene e alimentação divididos em jantar, ceia e café da manhã. Para dar entrada, basta chegar ao local por volta de 16 horas e fazer a identificação e vistoria simples – não é permitida a entrada de drogas ou armas.
Manoel Otávio Mendes, 32 anos, é de União, interior de Teresina, mas está na Capital atrás de emprego. O abrigo é uma opção para se proteger da chuva e manter as poucas mercadorias a salvo. “Já passei várias noites na rua, mas é sempre bom estar em um lugar seguro. Às vezes, saio daqui de manhã cedo e vejo gente encolhida na rua, molhada, sem nenhum cobertor, eu sinto pena, mas não posso fazer nada pra ajudar”, explica.
Foto: Jailson Soares.
O abrigo também sente variação no número de usuários a depender do período do ano ou dia da semana. Aos domingos, o local costuma lotar, segundo o gerente executivo, muito pela pouca movimentação de comércio no Centro e incapacidade dos bicos para quem está em situação de rua. Da mesma forma acontece nos períodos de festividade de fim de ano que, com o centro mais movimentado e as pessoas mais abertas para solidariedade, costuma deixar o abrigo esvaziado.
“De qualquer forma, funcionamos de segunda a segunda. Muitas vezes tentamos, em conjunto com o Centro Pop (Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua), buscar restabelecer os vínculos familiares dessas pessoas, mas é algo muito difícil. Muitos tem família, mas por conta dos vícios e outros problemas estão impossibilitados de voltar”, finaliza Edson.
Edição: Glenda Uchôa