Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

Ônibus que fazem linha para o Piauí estão envolvidos em esquema ilegal

No centro dessa historia nebulosa, está uma empresa de ônibus que transporta milhares de passageiros

28/05/2012 17:19

Reportagem do Fant�stico exibida domingo (28) exp�e um esquema envolvendo �nibus que fazem viagens permanentes entre S�o Paulo a Picos (PI). Os ve�culos, que levam o nome da empresa Transbrasil, al�m de velhos, n�o t�m autoriza��o para circular.

Confira abaixo a �ntegra da reportagem em v�deo e texto:

Donos de �nibus fazem esquema ilegal para enganar fiscaliza��o


Um �nibus rebocado pelo Fant�stico revela um esc�ndalo. Ele � antigo. N�o est� em condi��es de fazer viagens longas. Mesmo assim, seria f�cil conseguir uma autoriza��o judicial para que circulasse livremente, de S�o Paulo ao Piau�.

No centro dessa hist�ria nebulosa, est� uma empresa de �nibus que transporta milhares de passageiros e que, h� seis meses, se envolveu em um acidente que matou 36 pessoas. Como este �nibus veio parar em poder do Fant�stico? E como se conseguem essas autoriza��es judiciais?

Nosso produtor simulou ser dono do �nibus, que tem 17 anos de uso. Nem pintando, deu para disfar�ar os problemas. "Um �nibus com tecnologia ultrapassada. N�o � um �nibus recomend�vel para uma viagem de longa dist�ncia", afirma J�lio Cesar de Zanbom, chefe da divis�o de fiscaliza��o de tr�nsito da PRF.

Ligamos no escrit�rio da empresa Transporte Coletivo Brasil, em S�o Paulo, com uma pergunta: tem jeito de p�r esse ve�culo para transportar passageiros? "Voc� procura o Santana", diz uma atendente. Santana � Ivonaldo Santana.

Marcamos um encontro na rodovi�ria da Barra Funda, na capital paulista. Ele se apresenta como gerente da empresa, tamb�m chamada de TCB, Transacreana ou Transbrasil. Nosso produtor mostra as fotos do �nibus. "O que v�m de pessoas pedir para rodar. Faz fila. Hoje, estamos com 350 carros. Eu sou gerente da empresa",diz o suposto gerente da Transbrasil.

Como a Transbrasil n�o tem autoriza��o dos �rg�os que regulamentam o transporte de passageiros, ela entrou na Justi�a para tentar ter o direito de fazer viagens de um estado para outro. Em 2009, a empresa conseguiu uma liminar, que � uma autoriza��o judicial provis�ria. Foi concedida pelo desembargador Daniel Paes Ribeiro, do Tribunal Regional Federal da primeira regi�o, em Bras�lia. A decis�o autoriza a empresa a transportar passageiros por cinco linhas, que cruzam o pa�s.

Ivonaldo Santana oferece duas op��es. Pagando R$ 7 mil, receber�amos uma c�pia da liminar e poder�amos pegar passageiros em pontos clandestinos, no meio da rua. "S� para colocar o carro na empresa Transbrasil, voc� j� gasta R$ 7 mil. Tudo que voc� precisa, a gente fornece. Como se fosse a empresa passar para voc� uma autoriza��o para voc� rodar", explica.

O que ele quer vender n�o poderia ser transferido para ningu�m. Deveria beneficiar s� a empresa. E para sair de uma rodovi�ria, fica ainda mais caro. "Na rodovi�ria, n�s estamos cobrando R$ 10 mil por carro. Cada carro", afirma.

Para participar desse com�rcio proibido, que amea�a a vida dos passageiros, tem mais um passo. � preciso fazer um contrato. Como se a Transbrasil estivesse alugando o �nibus e sendo respons�vel por ele. Mas, na pr�tica... "Uma coisa voc� tem colocar na sua cabe�a: o negocio � seu. O neg�cio � seu", garante.

"A liminar � dada para uma empresa. � essa empresa que tem que operar. A liminar n�o � objeto de negocia��o. Isso � um absurdo. Isso � uma ilegalidade", diz S�nia Hadad, superintendente de servi�os de transporte de passageiros (ANTT).

No estado de S�o Paulo, os �nibus da Transbrasil s� t�m autoriza��o pra come�ar as viagens a partir de Cubat�o, mas, na rodovi�ria da cidade, o guich� deles est� fechado. "Essa firma n�o est� funcionando faz tempo", diz uma funcion�ria.

Descobrimos que a Transbrasil tem guich� e �nibus come�ando a viagem da rodovi�ria do Tiet�, na capital. "O ponto inicial dessa liminar que foi dada � a cidade de Cubat�o. N�o poderia em hip�tese nenhuma, iniciar a viagem, de S�o Paulo", destaca S�nia Hadad.

E se o nosso �nibus for parado pela fiscaliza��o? O homem que se apresenta como gerente da Transbrasil diz que entrega uma pasta. Que tem um nome curioso: o kit liminar. "Voc� s� vai viajar com essa pasta na sua m�o. A c�pia da liminar. Vai tudo. Uniforme, gravata, crach�. A fiscaliza��o parou voc� na estrada, voc� apresenta todos os documentos que vamos te fornecer", explica.

"Totalmente ilegal. Documentos que v�o induzir a fiscaliza��o a deixar essas empresas trafegarem livremente", aponta Ruvenal Farias, inspetor da Pol�cia Rodovi�ria Federal.

Na primeira quinzena de maio, a Pol�cia Rodovi�ria Federal fez uma opera��o de combate ao transporte irregular de passageiros, na Bahia. Ao todo, 63 ve�culos foram apreendidos. E 23 deles andavam irregularmente com a liminar da Transbrasil.

Sem saber que era gravado, o dono de um �nibus confirma o esquema: "Voc� compra a liminar para poder rodar com o nome deles. Na verdade, voc� continua com o �nibus no seu nome. A gente paga R$ 5 mil ao ano. N�s pagamos para trabalhar".

Ap�s conferir o kit liminar e os crach�s, uma constata��o: nenhum dos motoristas parados pela pol�cia � funcion�rio da Transbrasil. "Oficialmente o senhor n�o tem registro?", pergunta um policial. "Registro, n�o. Carteira assinada? N�o", responde o suposto funcion�rio.

Nos crach�s, consta que os motoristas fizeram exame m�dico e que est�o aptos a dirigir. Mas um deles admite que n�o fez nenhum exame: "Eu n�o fiz nenhum exame, j� me deram o crach� pronto".

O inspetor Ruvenal Farias diz que o passageiro que viaja com uma empresa dessas n�o tem nenhuma garantia. "Exemplo disso � o acidente de dezembro que ocorreu na BR 116, na Bahia", acrescenta ele.

Foi assim: um �nibus que rodava com a liminar da Transbrasil levava 42 passageiros. A grande maioria, trabalhadores rurais. Perto de brej�es, Bahia, o ve�culo come�ou a ultrapassar um caminh�o-ba� em local permitido. No sentido contr�rio, vinha uma carreta que transportava gesso e, atr�s dela, um outro �nibus, equipado com c�meras que registraram tudo. A carreta anda no acostamento e na contram�o. Depois de uma curva, a carreta bateu no �nibus onde estavam os trabalhadores rurais. Nas imagens, d� para ver o caminh�o-ba� tombando.

Ao todo, 36 pessoas morreram: 33 cortadores de cana, os dois motoristas e o agente de viagem do �nibus que rodava com a liminar da Transbrasil.

O Fant�stico esteve em Bu�que, Pernambuco, terra natal da maioria das v�timas. Dona Marta perdeu 4 filhos. "Deus me deu coragem que eu vi meus 4 filhos, todos os 4, eu vi dentro do caix�o", lamenta Marta Maria da Silva.

Tamb�m localizamos tr�s sobreviventes. Jorge Batista da Silva conta que entrou no �nibus achando que ele estava legalizado e diz que at� hoje a empresa n�o o ajudou em nada.

Um dos motoristas do �nibus era Jos� da Silva, 33 anos. Ele recebia R$ 500 por viagem. "Ele n�o era funcion�rio da Transbrasil, mas da JM, l� de Buique, que � o dono do �nibus. No dia do acidente ele n�o estava registrado", conta a vi�va Maria Rejane Lopes.

A vi�va n�o sabe se vai conseguir receber a pens�o do INSS. "Ele sustentava eu e minha filha. Eu lhe pergunto: eu vou fazer o qu� da minha vida agora? Que as pessoas que erraram que arquem com as consequ�ncias", torce.

Procuramos o dono da JM Bu�que. Por telefone, Jos� Milton dos Santos reconheceu que pagou � Transbrasil para ter a liminar. E disse que o seguro das 36 v�timas fatais do acidente ser� pago. Ele n�o informou o valor. "J� foi pego na Bahia o documento, ent�o est� tudo ok", diz.

E como ser� que � viajar em um �nibus que roda com liminar da Transbrasil? Os produtores Bruno Tavares e Alexandre Dantas fizeram o teste. Os �nibus da Transbrasil tamb�m come�am a viagem da Rodovi�ria de Osasco, na grande S�o Paulo, o que a liminar n�o permite.

A empresa que administra o terminal e o do Tiet� informou apenas que respeita as ordens judiciais. � de Osasco que os produtores partem para Picos, no Piau�: uma viagem de 2,6 mil quil�metros.

O cheiro de urina � forte. H� fios el�tricos expostos. E o �nibus roda como se fizesse a linha Cubat�o-Fortaleza, uma das autorizadas pela Justi�a. Depois de 10 horas de viagem, o �nibus onde est� nossa equipe simplesmente parou na estrada. A mangueira do �leo furou.

O �nibus volta para estrada, mas por apenas 10 minutos. Continua vazando �leo. Uma hora depois, estourou uma mangueira e fica dif�cil usar o freio. Com tantos problemas, a viagem, que deveria durar 39 horas, teve um atraso de quatro horas.

S�o dois motoristas. Um chegou a trabalhar 12 horas seguidas. Em v�rios momentos, o �nibus andou acima do limite de velocidade. Depois de 43 horas na estrada, o �nibus que a gente seguiu desde Osasco chegou ao destino final. Chegamos em Oeiras, Piau�, na garagem da Sivi Tur, uma empresa de fretamento.

O �nibus e os motoristas s�o, na verdade, dessa firma, que usa a liminar da Transbrasil. O dono � Sivirino da Silva Filho. Como a passagem que compramos era para Picos, e n�o Oeiras, o restante da viagem, de 80 quil�metros, ser� improvisado, de carro. Depois de quase dois dias de viagem, finalmente chegamos ao nosso destino. O Fant�stico ligou v�rias vezes para Sivirino da Silva Filho, mas ele n�o nos atendeu.

Voc� viu no in�cio desta reportagem: um produtor do Fant�stico simulou uma negocia��o com um homem que se diz gerente da Transbrasil. Ele diz que consegue p�r o �nibus no trajeto entre Osasco e o Piau�, justamente a rota em que nossos produtores viajaram. "Tem um pessoal que j� roda, j� faz rodovi�ria. Faz Piau�", diz o suposto gerente da Transbrasil.

E por que os �nibus circulam com adesivos diferentes? "Transbrasil, rodovi�ria. TCB s�o os carros que n�o podem entrar em rodovi�ria. S�o aqueles carros meia boca", explica.

Nosso produtor simula que vai concluir o neg�cio e trazer o dinheiro. "Fechou. N�o tem problema. � s� adesivar. S� colocar Transbrasil", conclui o suposto gerente. No Br�s, centro de S�o Paulo, compramos os adesivos, sem nenhuma dificuldade.

Agora, estamos em Bras�lia, onde o �nibus que negociamos est� parado. O �nibus est� pronto, com os adesivos das cores e do nome da empresa. Agora, � hora de ir atr�s das explica��es. Como o �nibus n�o est� em boas condi��es, usamos sempre um reboque. A primeira pergunta: ser� que ele aguentaria fazer viagens semanais entre S�o Paulo e Piau�, como prop�s o tal gerente da Tranbrasil?

"N�o � um �nibus recomend�vel para uma viagem desse porte, dessa magnitude", diz J�lio Cesar de Matos Zanbom, chefe da divis�o de fiscaliza��o de tr�nsito da PRF.

Tamb�m fomos ao Tribunal Regional Federal da primeira regi�o. O desembargador que concedeu a liminar � Transbrasil, e que hoje � vice-presidente desse tribunal, preferiu n�o gravar entrevista. Em nota, Daniel Paes Ribeiro disse que n�o tinha conhecimento do aluguel da liminar e classificou a pr�tica como abjeta e indevida. Segundo ele, a liminar tinha o objetivo de assegurar a continuidade da presta��o do servi�o de transporte rodovi�rio de passageiros.

A Ag�ncia Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) diz que j� tinha alertado o desembargador sobre a venda da liminar. "A ANNT informou, por meio da sua procuradoria, � Justi�a sobre o ocorrido", afirma S�nia Hadad.

O dono da Transbrasil j� foi acusado de crimes como forma��o de quadrilha e estelionato. Foi prefeito de Ouro Preto do Oeste, Rond�nia, e teve o mandato cassado, em 2007, por usar o cargo em benef�cio da empresa dele. Irandir Oliveira negou a participa��o na venda do kit liminar.

"Nenhum tipo de comercializa��o. O que existe � que n�s arrendamos ve�culos para operar no nosso nome. N�s que administramos. Os funcion�rios, carros, manuten��o, seguro, � tudo Transbrasil. J� denunciamos inclusive em v�rias delegacias, pedindo o apoio da pol�cia para investigar muitos �nibus que colocam o nome Transbrasil nos �nibus, ou TCB, e saem fazendo viagem pelo Brasil afora", afirma.

Ele diz ainda que Ivonaldo Santana, que se apresentou como gerente, n�o � funcion�rio da Transbrasil. "Tem que chamar a pol�cia e prender. � esse tipo de a��es de alguns vigaristas que est�o fazendo, principalmente ali na regi�o de S�o Paulo", acrescenta.

Procuramos Ivonaldo Santana, que n�o quis gravar entrevista. Por telefone, continuou falando como funcion�rio da empresa, mas, agora, disse que n�o faz negocia��es ilegais: "Nunca existiu isso a�. Inclusive nem tem como fazer parceria agora".

Segundo a ANNT, a Transbrasil j� foi autuada mais de 5.500 vezes. As infra��es chegam a R$ 16 milh�es. O desembargador que concedeu a liminar informou que vai pedir � Pol�cia Federal que investigue todas as den�ncias apresentadas nessa reportagem.

"A empresa detentora da liminar certamente est� ludibriando a Justi�a e comercializando os efeitos de uma liminar que ela det�m, colocando em risco a vida de muitas pessoas", alerta o inspetor Ruvenal Farias.

Mais sobre: