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Minha Casa, Minha Vida: O DIA flagra venda de casas por R$ 20 mil

A negociação e a transferência das casas tem até reconhecimento em cartório

05/05/2013 09:30

Não faço por menos de R$ 20 mil. Esse é o preço que uma moradora do Residencial Vila Nova, situado na zona Norte de Teresina, pediu pela venda de sua casa. A negociação, filmada pela equipe de reportagem do Jornal O DIA, é ilegal tendo em vista que o imóvel integra o programa do Governo Federal - Minha Casa, Minha Vida.

Contudo, a moradora não é a única a negociar casas na região. Outro homem foi apontado pela própria mulher como facilitador das vendas e afirmou que ele repassa os imóveis por até R$ 17 mil. "Tem casa mais barata aqui, você encontra de R$ 17, 18 mil. Mas a minha eu só vendo por R$ 20 mil e é no monte, não divido, só recebo o dinheiro todo", revelou.

Quando a equipe de reportagem de O DIA perguntou sobre o outro negociador, a mulher disse que, na ocasião, ele estava em um cartório da capital resolvendo exatamente a venda de uma casa do residencial. "Agora, ele tá lá no cartório Nazareno resolvendo a venda de uma casa aqui, que fica de esquina", relatou.

Moradora do Residencial Vila Nova, zona Norte de Teresina, é uma das facilitadoras

A mulher mostrou detalhes da sua residência que está à venda, levando os ‘potenciais compradores' para conhecer o interior do imóvel, que é composto por uma sala, dois quartos, banheiro e cozinha. Questionada sobre a garantia da compra, no que se refere à documentação, a moradora destacou que não teria problema nenhum caso a fiscalização chegasse à casa. "Aqui não dá problema não, eu vou estar sempre em contato com vocês e caso precise eu venho até aqui confirmar que moro na casa", assegurou.

Por fim, a negociadora ressaltou outras vendas na região, não deixando claro se ela foi a intermediadora, ou não. "Essa casa aqui da frente foi vendida por R$ 11 mil. Tem outra ali que a pessoa deu R$ 10 mil mais uma moto que custava R$ 4 mil. Mas as casas de deficientes são mais caras, porque elas são maiores", disse.

O Jornal O DIA entrou em contato com o Cartório Nazareno Araújo, apontado pela negociadora como local onde os contratos de venda das casas do residencial Vila Nova supostamente eram registrados. Segundo o tabelião, o cartório não avalia o conteúdo dos documentos que dão entrada no estabelecimento, mas sim se faz apenas o reconhecimento da firma caso a pessoa esteja cadastrada no seu cartão de autógrafos. "No que se refere à validade do documento, não cabe ao nosso cartório fazer essa avaliação, mas sim ao órgão ou entidade em que esse documento for apresentado", pontua Nazareno Araújo.

O Residencial Vila Nova, juntamente com os empreendimentos Inglaterra e Jornalista Paulo de Tarso Moraes, foram entregues à população em novembro do ano passado. Para beneficiar 4 mil famílias com as novas moradias foram aplicados R$ 41 milhões na região.

Ilegalidade

De acordo com a assessora técnica da Agência de Desenvolvimento Habitacional (ADH), Vivian de Sousa Batista, os beneficiários de programas habitacionais, como o Minha Casa, Minha Vida e o Pró-Moradia, são orientados desde a contemplação que a venda, cessão e alienação, aluguel, transferência ou doação das residências são proibidas.
"Isto é proibido, pois as unidades habitacionais destinadas a essas famílias são para reduzir o déficit habitacional e não para gerar uma especulação em torno disso", explica a assessora técnica da ADH.

Vivian de Sousa Batista explica que, especificamente, a venda dessas moradias é ilegal e está enquadrada no artigo 171 do Código Penal Brasileiro, além de se caracterizar crime financeiro habitacional.

"O beneficiário que praticou este crime perderá o direito a unidade habitacional, bem como poderá responder criminalmente pelo ato. Além de não poder ser mais beneficiado por outros programas habitacionais", destaca.

Segundo a assessora técnica da ADH, o Serviço Social da agência é o setor responsável por fiscalizar e acompanhar periodicamente essas famílias que foram beneficiadas com programas habitacionais.

Caixa garante que irá acionar a Justiça e a Polícia Federal

A equipe de reportagem do Jornal O DIA procurou a Superintendência Regional da Caixa Econômica Federal no Piauí - banco parceiro do Programa Minha Casa, Minha Vida - para mostrar o vídeo que flagra a negociação de venda de uma moradia no residencial Vila Nova.

Emanuel Bonfim Filho, da CEF, assistiu às filmagens de O DIA e prometeu providências.

Após assistir às imagens, Emanuel do Bonfim Filho, superintendente regional da Caixa no Piauí, confirmou que irá acionar a Justiça Federal, bem como a Polícia Federal (PF). "Essas imagens são muito importantes do ponto de vista que é uma prova e a Caixa tomará os devidos encaminhamentos. Nós vamos requerer ao nosso jurídico que faça a abertura de um inquérito policial na PF, que é a polícia judiciária federal, e vamos entrar com uma ação na Justiça Federal para que esse imóvel seja desocupado o mais rápido possível", informa.

De acordo com Emanuel do Bonfim Filho, as moradias do programa Minha Casa, Minha Vida são destinadas a pessoas cuja renda familiar não ultrapasse R$ 1.600 por mês, além de famílias que tenham entes portadores de deficiência ou que a mulher seja a chefe de família, além daquelas pessoas que moram em áreas de risco. Para garantir esta destinação, a Caixa fiscaliza os empreendimentos já entregues a população.

"A Caixa faz um trabalho por amostragem nesses empreendimentos e quando se recebe qualquer tipo de denúncia, que em sua maioria são anônimas, então fazemos todos os procedimentos em busca de entrar com uma ação para que esse imóvel seja de fato destinado para quem está enquadrado no programa Minha Casa, Minha Vida. Esse acompanhamento é para garantir que essas unidades habitacionais não tenham outras destinações a não ser essas estipuladas em portaria ministerial", explica.

O superintendente regional da Caixa no Piauí ressalta que não cabe ao banco definir as penalidades a serem aplicadas contra essas pessoas que agem de má fé, já que, tal atribuição compete a outros órgãos. Porém, a Caixa garante que uma vez beneficiado por um programa habitacional, uma pessoa não pode mais ser contemplado em nenhum outro projeto habitacional federal. "O contrato com a Caixa é claro, o CPF desse beneficiário está cadastrado no CadMut, que é o Cadastro Nacional de Mutuários, assim ele não vai ter acesso a outro beneficio para habitação nesse país", afirma.

Controle de qualidade

A Caixa Econômica Federal lançou, há cerca de dois meses, a campanha "Caixa de Olho na Qualidade do Programa Minha Casa, Minha Vida", que tem por objetivo ampliar o atendimento aos beneficiários do programa e acompanhar e manter a qualidade desses imóveis.

Segundo Emanuel do Bonfim Filho, superintendente regional da Caixa no Piauí, a campanha foi lançada após a repercussão na mídia de algumas unidades do programa Minha Casa, Minha Vida que estão apresentando problemas estruturais.

"Essa campanha tem uma ação interna que é a visitação de todos os empreendimentos feitos pelo Programa Minha Casa, Minha Vida. Então vai uma equipe composta por um engenheiro, um colega da área operacional, um assistente social e um gerente da nossa área de rede. Essa equipe, com o olhar de quatro pessoas, preenche um check list para identificar nesses empreendimentos alguns tipos de problemas advindos de vícios de construção, como também temos observado a questão do mau uso por essas pessoas beneficiárias", pontua.

Com relação ao mau uso dos imóveis, Emanuel do Bonfim Filho explica: "por exemplo, a área da lavanderia dessas casas é do lado externo, existe ali um magote que vai para a fossa séptica, que é direcionada para receber todas as águas produzidas, inclusive as das pias e vasos sanitários, mas as pessoas entendem que a fossa vai encher, então elas tiram a água do duto e deixam a água da lavanderia escorrer pela calçada. Quando essa água começa a escorrer pela calçada, ela vai se infiltrar na estrutura da casa prejudicando-a e contribuindo para a calçada quebrar mais rápido, aparecer pequenas fissuras".

E acrescenta: "outro caso é quando a pessoa coloca uma antena de TV a cabo em casa e na instalação desloca-se uma telha que depois vem a gerar uma goteira e a culpa não é da construção, mas ao mau serviço prestado após o recebimento dessas casas".

Os clientes que precisem realizar denúncias, esclarecer dúvidas, fazer críticas ou elogios aos imóveis do programa Minha casa, Minha Vida podem entrar em contato com a Caixa através do telefone: 0800-721-6268 ou pelo endereço eletrônico www.mcmv.caixa.gov.br.

Mais irregularidades

No maior conjunto habitacional do Estado, o Jacinta Andrade, cerca de 180 casas já foram negociadas

O desvio de finalidade das casas que integram programas federais também pode ser verificado no Residencial Jacinta Andrade, localizado na região da Grande Santa Maria, zona Norte da capital piauiense. Um levantamento recente, que está de posse do Ministério Público do Estado, aponta que pelo menos 180 casas foram negociadas ou invadidas no local.

De acordo com o presidente da Associação dos Moradores do Residencial Jacinta Andrade, João Batista, não é segredo para ninguém que essas transações ilegais acontecem com frequência na região. "É constante a compra e venda de casas aqui no Jacinta e nunca vai deixar de acontecer", afirma.

Por outro lado, o representante comunitário acredita que estas pessoas, que compram casas na região, têm realmente necessidade da moradia. "Quem compra casa aqui é porque realmente tem o interesse de morar, porque diante de tantas dificuldades que nós enfrentamos diariamente só quem precisa mesmo é que fica aqui. Por isso, que a gente até evita denunciar", declara.

Segundo João Batista, as casas vendidas no Residencial Jacinta Andrade variam entre R$ 8 mil e R$ 12 mil e até mesmo após a ação de despejo para a reintegração de posse, ocorrida no final do ano passado, não intimidou os negociadores. "Se pelo menos 16 das 116 casas reintegradas naquela ação estiverem ocupadas pelos verdadeiros donos é muito. Vários deles já fizeram foi comercializar as casas, ou então só muraram e não moram aqui", disse.

O Residencial Jacinta Andrade pertence ao Programa Pró-Moradia, do Governo Federal, e é um dos maiores projetos habitacionais financiados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) . São mais de 4 mil casas, que começaram a ser entregues em 2011, cuja destinação é para pessoas em situação de risco social e com rendimento familiar mensal de até R$ 1.600.

Abuso

Especuladores aproveitam ocupações para alugar imóveis

Não são apenas os beneficiários de programas habitacionais do Governo Federal que estão agindo de má fé em Teresina. Outra categoria, que também não precisa de moradia, aproveita-se de ocupações irregulares de terrenos para angariar lotes - são os especuladores de terras.

Morador revela pagar aluguel de R$ 150 em ponto comercial

Uma prova da ação destas pessoas foi confirmada por João*. O rapaz, de 27 anos, alugou um ponto comercial em uma ocupação situada na zona Sul de Teresina, que já tem mais de dois anos de existência e conta com mais de seis mil famílias assentadas em uma área de 82 hectares. "O dono desse ponto aqui tem outros comércios na região", afirmou.

Mesmo consciente que a prática do contratante não deveria está ocorrendo no local, já que o lema dessas famílias é a necessidade de moradia e não construção de patrimônio, João alugou o imóvel, pois precisa sustentar sua família. "Eu era empregado em uma empresa, mas decidi montar meu próprio negócio", explica o rapaz que trabalha como metalúrgico.

Segundo ele, o acordo firmado com o contratante do ponto comercial é que, durante os seis primeiros meses, João pague R$ 150 por cada 30 dias de locação. "Eu assinei um papel, tipo um contrato, mas ficou com ele [contratante], não tenho cópia e nem recibo do que eu já paguei", conta.

Para o líder comunitário Zé da Cruz, que também é membro do Coletivo de Luta em Defesa da Moradia, o referido contratante está explorando as famílias da área. "Ele já tem é três comércios aqui, ele está é explorando pais de família, trabalhadores, isso está errado", pontua.

Zé da Cruz teme que práticas como essa prejudique o restante da comunidade. "Nós estamos em processo de litígio, a prefeitura de Teresina está aqui dentro, fazendo o cadastro das famílias e esse benefício é apenas para quem realmente precisa de moradia e não para especuladores de terra", pondera.

De acordo com o líder comunitário, é difícil distinguir, quando se cria uma ocupação, aquelas pessoas que estão agindo de má fé, mas assim que são identificadas o grupo os rejeita. "Sem falar que muitos fazem é comprar lotes de outras pessoas, sequer vieram lutar por esse pedaço de chão", conclui.

Fonte: Jornal O Dia
Por: Virgiane Passos
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