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Arte milenar, a tecelagem continua sendo fonte de renda

Tecelãs descrevem como a atividade continua gerando lucros, mesmo diante dos desafios impostos pela desvalorização e avanço tecnológico.

07/04/2018 08:20

Um trabalho delicado e minucioso, feito à mão, que requer atenção e cuidado. Mais que entrelaçar fios, tear é uma arte milenar que entrelaça vidas. Uma atividade que, por muito tempo, foi passada por gerações, mas tem se perdido ao longo dos anos, principalmente pela falta de interesse dos mais jovens.

A tecelagem está presente na vida de dona Maria do Carmo Silva Santos, de 67 anos, desde quando ela ainda estava na barriga de sua mãe, no município de Pedro II. E assim foi por muitas gerações passadas, quando as mulheres da família produziam redes.

Aos sete anos, ela ajudava sua mãe a fazer as peças e finalizar os acabamentos. Quando casou, mudou-se para Teresina e conheceu a Associação dos Tecelões do Bairro Dirceu I. E foi de lá que tirou o sustento de seus cinco filhos pequenos, depois de ser abandonada pelo marido.

As crianças também aprenderam a tear, confeccionar peças pequenas e foram se aperfeiçoando com os anos. Hoje, apenas um dos filhos segue a profissão da mãe e é o único homem que integra a Associação, ficando responsável pelo tear das redes, trabalho mais pesado.

“Foi daqui que eu tirei o sustento dos meus filhos e consegui criar todos. Cada um fazia uma coisa e assim fomos nos virando. Antigamente, até dava mais dinheiro, mas hoje não vende tanto como antes, parece que as pessoas não valorizam mais esse trabalho artesanal. Até acham bonito, mas não querem aprender a fazer ou acham caro”, fala.


Foto: Assis Fernandes/O Dia

Ao longo dos anos e devido aos movimentos repetitivos, dona Maria do Carmo desenvolveu algumas lesões, como bursite e artrose, além de problemas de visão. Em breve, ela fará uma cirurgia nos olhos, um problema que possivelmente tenha surgido após tantos anos redobrando a atenção e observando cada detalhe. Mas, mesmo com essas dificuldades, ela não pensa em parar de produzir suas peças.

“Na minha casa, eu tenho um tear de parede e todo dia eu faço uma coisinha de um tapete. Eu, mesmo quase cega, coloco meus óculos e faço minhas peças. Eu gosto do que faço e me mantenho com isso”, conta a tecelã.

Dona Maria do Carmo se emociona ao descrever essa como a atividade mais importante de sua vida e por temer que a tecelagem, como é produzida na Associação, desapareça por falta de interesse das pessoas em trabalhar com artesanato.

“Isso aqui é tudo para mim. Foi isso que eu aprendi desde pequena, então é minha vida e eu dou maior valor. A Associação ainda existe por causa de mim e da Raimunda, que vêm todo dia aqui ver como estão indo as coisas, porque temos medo que se acabe”, conta.

Apenas 10 mulheres permanecem em Associação

Raimunda Nonata Alves, de 54 anos, trabalha na Associação dos Tecelões há 33 anos e hoje é presidente da entidade. Quando conheceu o espaço, ela trabalhava como manicure, mas buscava uma oportunidade de emprego com melhor renda e que causasse menos prejuízos à saúde. Na época, o local era muito frequentado e havia muitas pessoas interessadas em aprender e confeccionar as peças.


"Parece que as pessoas não valorizam mais este trabalho artesanal. Até acham bonito, mas não querem aprender a fazer ou acham caro" (Foto: Assis Fernandes/O Dia)

Porém, com o passar dos anos, a quantidade de integrantes da associação foi diminuindo e, hoje, conta apenas com 10 mulheres. Segundo Raimunda Nonata, poucos demonstram interesse em trabalhos manuais, sobretudo por ser uma atividade que exige atenção, cuidado e força.

“O jovem de hoje não se interessa por isso e os que pensam em estudar querem algo que dê muito dinheiro, e ainda têm os que não querem fazer nada. Aqui tem mãe e filha que trabalham conosco há 10 anos, que começaram, gostaram e acabaram ficando. Mas a maioria, quando vê que dá trabalho, desiste. Gostam do trabalho pronto, mas esquecem que ele precisa ser feito com todo cuidado e atenção”, pontua.

Peças são vendidas para hotéis e restaurantes

O trabalho feito pelas tecelãs é vendido para bares e restaurantes, e as peças mais pedidas são jogos americanos, além de também ser enviado para outros municípios, como Floriano e cidades próximas. De acordo com Raimunda Nonata, as encomendas chegaram a cair nos últimos anos devido à baixa procura, porém, ainda há clientes fidelizados e que sempre optam pelo trabalho feitos na Associação.

“Quando recebemos encomendas, pedimos um prazo um pouco maior, porque temos pouco pessoal e por conta da nossa idade. Nossos produtos têm muita durabilidade e é por isso que as pessoas procuram, porque chegam a durar cinco anos ou mais”, fala.


Os preços sempre variam levando em consideração, por exemplo, material e tempo de trabalho (Foto: Assis Fernandes/O Dia)

Para desenvolver peças, as tecelãs realizaram cursos de design como forma de aprimorar as criações. Contudo, boa parte das peças vêm de inspirações próprias e de adaptações. Raimunda Nonata destaca a alegria em ver a satisfação dos clientes ao adquirirem uma peça bem realizada.

“E com o tempo, cada dia a gente aprende e faz uma coisa nova. Vê um desenho e reproduz fazendo algumas modificações e o resultado fica bonito. A maior satisfação é quando as pessoas dizem que foram em vários lugares e não acharam produtos tão bem feitos como os nossos. Fazemos tudo para agradar ainda mais nossos clientes e é isso que nos mantém aqui, porque receber elogios é sempre muito bom”, enfatiza.

Preços

Com relação ao preço das peças, a tecelã explica que sempre é calculada a porcentagem levando em consideração diversos fatores, como o material utilizado, tempo de trabalho, manutenção, entre outros. Apesar de ser um trabalho bem elaborado, ela conta que, ainda assim, as pessoas não reconhecem o real valor do produto.

“Às vezes, até achamos que o valor cobrado poderia ser a mais, mas sabemos que se colocarmos o que ele realmente vale, não será vendido. Mas também não colocamos um preço que não possa cobrir nem o que foi usado em material e mão de obra. Somos empreendedoras e sabemos o valor do nosso produto, mas falta as pessoas reconhecerem isso também e valorizarem, não só a tecelagem, mas as peças artesanais de um modo geral”, acrescenta Raimunda Nonata.

Tapetes fabricados no Piauí são destaque em rede nacional

Os tapetes produzidos em uma fábrica no município de José de Freitas ganharam muita repercussão após aparecerem em alguns programas de uma emissora em nível nacional. As peças, feitas por moradores da comunidade, são idealizadas por Tereza do Carmo de Carvalho e fabricadas em máquinas que ficam em sua propriedade.

A empresária conta que, há 35 anos, fez uma adaptação no tear tradicional de fabricação de redes, que é usado para fazer os tapetes, mas o grande diferencial está na matéria-prima utilizada, que misturada com o algodão, torna o produto feito no Piauí exclusivo.


O trabalho feito em uma fábrica em José de Freitas ganhou projeção nacional (Foto: Jailson Soares/O Dia)

“Fomos nós que inventamos este tipo de tapete, que usa o capim de lagoa, chamado taboas. Utilizamos como substrato e é uma fibra que os animais não comem, que as pessoas não consideram interessante e acabou sendo um subproduto. Aprendemos a lidar com essa matéria e fazemos tapetes com durabilidade de mais de 15 anos, que podem ser lavados e têm excelente acabamento”, frisa.

Tereza do Carmo cita que o artesanato, há muito tempo, foi banalizado, apesar do Estado possuir trabalhos primorosos e que se destacam no Brasil. Mas, como as pessoas estão cada vez mais preocupadas e engajadas com o que seja ecologicamente correto e rústico, muitos designers apostaram nessas peças.

“Todos estão virados para isso, tanto que participamos de uma feira em São Paulo e as pessoas ficam abismadas com o produto, porque nunca viram nada parecido, e consideram exótico. Agora eles estão com esse apelo para o mais diferente, quanto mais natural melhor. E como lá fora está sendo dado esse valor, as pessoas aqui estão valorizando também, então aproveitamos para movimentar o comércio”, frisa a empresária.

Ela conta que, no começo, foi bastante complicado, principalmente porque as pessoas são bem desanimadas com as produções locais. Mas, após ganhar visibilidade em revistas de circulação nacional, os produtos passaram a ser mais conhecidos e ganharam mais credibilidade.

Feiras nacionais também deram visibilidade aos tapetes, o que favoreceu para que uma grande emissora de televisão conhecesse o produto e o levasse para diversos programas. “Passamos seis meses em um programa de culinária que tem transmissão nacional e agora nossos tapetes estão em um reality show, e já foram encomendados mais quatro tapetes para uma novela em horário nobre, que já estão sendo produzidos”, comenta.

Porém, mesmo com toda essa visibilidade, a empresá- ria Tereza do Carmo de Carvalho enfatiza que há muitos desafios a serem superados. Ela cita que há períodos onde praticamente não há encomendas, enquanto em determinadas datas é preciso dobrar a produção.

Produção gera emprego

Tereza do Carmo de Carvalho sempre atuou na área da saúde, porém, o interesse em produzir tapetes surgiu quando ela foi morar na zona rural. Em meio à tanta terra, ela buscou alternativas de emprego para os moradores da região que estavam ociosos.

“Eu achei que se as pessoas tivessem um trabalho, elas poderiam ter acesso aos bens de consumo, boa alimentação, saúde, e resolvemos resgatar o tear de rede que havia desaparecido na região, adaptarmos e começamos a fazer os nossos produtos”, fala.


No campo, a atividade é mais comum e a oportunidade de emprego maior (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Na época, ela conta que foi preciso fazer uma revolução no campo, dando um pedaço de terra para os moradores da região para que eles não precisassem ir para outros estados em busca de emprego. Dessa forma, eles poderiam icar no lugar que nasceram, com suas famílias e com emprego.

Tereza do Carmo conta que precisou aprender a produzir os tapetes, a conhecer a matéria-prima e o mercado que estava investindo para poder gerir o negócio. Ser empreendedora é um desafio diário e que exige muito esforço e dedicação

“Ser mulher tem muitas dificuldades, seja em salários, direitos e deveres, mas temos essa competência. Ser empreendedora e mulher é ainda mais difícil, porque as pessoas questionam. Eu comecei com tear de segunda mão, na zona rural, mas as coisas foram acontecendo aos poucos.”, salienta a empresária.

Por: Isabela Lopes - Jornal O Dia
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