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A violência do feminicídio mira nas lembranças da feminilidade no corpo

No dia estadual de enfrentamento ao feminicídio, delegada comenta a gravidade deste tipo de crime: "œsinaliza o ódio e o menosprezo pelo que a mulher é".

27/05/2019 12:56

Ser assassinado pelo simples fato de ser quem se é. É esta a definição para o feminicídio aos olhos da lei brasileira. Trata-se do homicídio praticado contra a mulher em decorrência do fato de ela ser mulher. Os fatores que envolvem o feminicídio são muitos e vão desde a discriminação de gênero, passando pelo ódio ao feminino, pela violência doméstica, até culminar no assassinato.

Importante explicar que o feminicídio não é o crime em si, mas uma qualificadora. A tipificação criminal é a do homicídio, enquanto crime violento letal e intencional praticado contra a pessoa. Fala-se no feminicídio quando esse homicídio se deu pelo fato de o autor do crime não suportar a ideia de que a mulher é mulher.

Enquanto qualificadora do homicídio, o feminicídio é uma prática que deixa assinaturas: os agressores geralmente elegem como alvo da violência traços característicos do feminino ou que lembrem a feminilidade, tais como o rosto, os cabelos e a genitália. Os próprios precedentes da violência também possuem suas especificidades, conforme explica a delegada Anamelka Cadena, diretora de Gestão Interna da Secretaria de Segurança do Piauí e ex-coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Feminicídio.

“Há várias nuances: gestos de desprezo do homem pela mulher, ações que demonstram o desejo de dominação masculina sobre o corpo feminino, e nisso nós incluímos a objetificação da mulher que se dá muito nas práticas de violência sexual. Temos também a dificuldade de emancipação da mulher, seja por dependência financeira ou psicológica, além dessa inclinação do agressor de sempre responsabilizar a vítima pela violência que ela está sofrendo”, enumera a delegada.


Delegada Anamelka Cadena - Foto: Poliana Oliveira/O Dia

A Secretaria de Segurança Pública do Piauí já contabiliza em 2019 um total de 20 crimes violentos letais e intencionais contra a mulher, dos quais 12, ou seja, 60% são feminicídios. Destes, 10 foram praticados no interior e dois em Teresina. Com base nos dados colhidos durante as investigações, a SSP monta um perfil das vítimas: geralmente são mulheres em torno de 30 anos, agredidas por companheiros, parentes ou pessoas próximas com uso de arma branca. Mas o que chama a atenção é que boa parte das violências são praticadas dentro de casa.

“É em razão da maioria desses crimes no nosso estado serem mais íntimos, acontecerem no âmbito da violência doméstica, que nós procuramos primeiro ouvir as pessoas mais próximas à vítima e ao agressor, aqueles que tinham uma relação interpessoal com a mulher que foi assassinada. E é justamente por ser um crime praticado em ambiente familiar, que ele é muitas vezes silenciado”, diz Anamelka.

Os relatos das testemunhas, segundo ela, apresentam um padrão: as agressões físicas, verbais e psicológicas sofridas pelas vítimas eram práticas reiteradas, mas, mesmo assim, em um número considerável de casos, não havia nenhuma denúncia anterior no sistema da polícia. Isso reflete o quanto a violência doméstica que muitas vezes leva ao feminicídio é uma prática silenciada. É daí que parte a necessidade de conscientização da sociedade de uma maneira geral. A delegada Anamelka afirma que é o momento de acabar com aquele pensamento de que em briga familiar ninguém deve se envolver.


Delegada Anamelka Cadena - Foto: Poliana Oliveira/O Dia

Ela afirma que deve sim, sobretudo se há indícios de que há algum tipo de agressão naquele contexto. Foi pensando em oferecer um meio para as pessoas denunciarem casos de agressão doméstica, mantendo o anonimato, que a Secretaria de Segurança criou o aplicativo Salve Maria. O serviço facilita a comunicação com a polícia, ao mesmo tempo em que municia a população no enfretamento ao feminicídio. Desde sua implementação, em março de 2017, mais de 15 mil pessoas pessoas já baixaram o aplicativo Salve Maria e o sistema já foi acionado em mais de 27 cidades do estado.

“As pessoas precisam entender que podem e devem amparar aquela mulher, se apropriar das políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica ao feminicídio, desse protocolo sigiloso e zelar pela proteção de quem é silenciada. Denunciem no 190, no 180 porque o feminicídio é uma violência que dá sinais de que vai acontecer e se o agressor for parado já nos primeiros indícios, nós temos uma chance muito maior de salvar vidas”, finaliza a delegada.


Foto: Poliana Oliveira/O Dia

Dia de enfrentamento

Neste 27 de maio, as forças de segurança, poder público e sociedade se mobilizam no Piauí para o Dia de Enfrentamento ao Feminicídio. A data não foi escolhida aleatoriamente: há quatro anos, quatro adolescentes foram abusadas sexualmente, agredidas e jogadas do alto de um morro em Castelo do Piauí, em um dos episódios criminosos que mais chocou o Estado.

Os acusados eram todos menores de idade e a comoção ganhou ainda mais alcance após uma das vítimas vir a óbito uma semana depois do crime. O Caso Castelo do Piauí, como ficou conhecido, suscitou debates importantes como a redução da maioridade penal e provocou uma remodelação no protocolo de atendimento às vítimas e procedimentos investigatórios dos casos de violência contra a mulher no Piauí.

Por: Maria Clara Estrêla
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