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Assembleia de SP acumula vetos ao aprovar projetos de lei sem critérios

Deputados consultados pela reportagem afirmam que a grande maioria dos projetos, mesmo com inconformidades, é aprovada na CCJ. Só os flagrantemente inconstitucionais são barrados.

13/04/2019 15:14

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante das casas legislativas, é responsável por rejeitar projetos de lei que não estejam de acordo com a Constituição. No caso dessa comissão na Assembleia Legislativa de SP, porém, o filtro tem sido pouco efetivo.

Deputados consultados pela reportagem afirmam que a grande maioria dos projetos, mesmo com inconformidades, é aprovada na comissão. Só os flagrantemente inconstitucionais são barrados.

Na quarta-feira (10), Mauro Bragato (PSDB) foi eleito para presidir o colegiado, formado por 13 deputados e que é a primeira etapa do trâmite legislativo. Depois, as proposições são analisadas em outras comissões, de acordo com o tema do projeto, até serem votadas em plenário.

Se aprovados, seguem para sanção ou veto do governador. As proposições inconstitucionais aprovadas de forma equivocada na CCJ acabam barradas pelo Executivo.

Os vetos do governador, por sua vez, voltam ao plenário da Assembleia, onde podem ser derrubados por uma maioria de deputados. A quantidade de vetos aguardando votação na Casa também é consequência da omissão da CCJ.

A nova legislatura teve início no último dia 15 com 321 itens tramitando em regime de urgência no plenário –290 são vetos.

Em 2018, a CCJ analisou 762 proposições e ainda restaram 991. Deputados lembram que muitos projetos têm pouca relevância, como nomenclatura de ruas, e que alguns são vetados por proporem ações de governo que já existem.

"A questão da legalidade da matéria também é uma discussão política. A CCJ é uma comissão para o debate jurídico, mas composta por um colegiado político. Tem hora que a questão política sobressai à jurídica", afirma Célia Leão (PSDB), que foi deputada estadual por sete mandatos, tendo presidido a CCJ por seis anos. Atualmente, é secretária da Pessoa com Deficiência do Governo de São Paulo.

A aprovação de projetos inconstitucionais tem motivações variadas, desde desconhecimento dos deputados sobre o que está de acordo com a Constituição, desejo de legislar sobre temas que hoje cabem à União ou ao município e até acertos entre líderes partidários para que cada deputado tenha ao menos um projeto aprovado pela Assembleia –seja ele qual for.

O ex-deputado Roberto Massafera (PSDB), que foi o último presidente da CCJ, lembra que teve um projeto de lei para a erradicação de murtas, planta que hospeda um vírus que ataca laranjas, vetado pelo governo por ferir a autonomia dos municípios. "Eu consultei advogados e achava que estava tudo certo."

A deputada Janaina Paschoal (PSL) já discursou cobrando dos colegas que a redação dos projetos atenda aos requisitos técnicos e pediu que haja assessoria jurídica.

"A Constituição estadual traz alguns requisitos para os projetos que têm impacto financeiro. Convido os colegas a olharem para a questão técnica de maneira mais severa, para que não se criem expectativas vãs sobre projetos que não terão andamento", afirmou.

Também é comum, por outro lado, que os parlamentares insistam na tramitação de projetos que eles sabem ser inconstitucionais como uma forma de chamar atenção para determinados assuntos.

"Muitas vezes o deputado quer colocar em debate esse tema. Ele age dentro do papel político, que está na regra do Parlamento", diz Célia Leão.

"O deputado sabe que tem chance de vetar, mas ele prefere, lá na frente, ter um veto e dizer para a comunidade 'olha, eu fiz, eu apresentei, agora se o governador vetou, vai conversar com ele'."

Há projetos de lei, por exemplo, que só podem partir do governador, como os que determinam aumento de salário do funcionalismo. Nesses casos, deputados chegam a enviar projetos de lei com a intenção de que o governo vete e depois envie sua própria proposição –ou ao menos tome providências sobre a questão.

Foi o caso do projeto aprovado pela Assembleia que previa funcionamento 24 horas de todas as delegacias da mulher no estado. O governador João Doria (PSDB), que tinha como promessa de campanha ampliar o atendimento às mulheres vítimas de violência, vetou a proposta.

O governo argumentou que o projeto interfere na organização de horários e pessoal para o trabalho na delegacia, o que deve ser determinado pelo Executivo e não pelo Legislativo, pois cria novas despesas. A pressão política em torno do tema, porém, fez com que Doria anunciasse horário estendido em três unidades.

Uma tática da oposição na Assembleia é justamente propor projetos de apelo popular que serão vetados pelo governo com o propósito de desgastá-lo. O deputado Barros Munhoz (PSB), que está no sexto mandato, diz que uma das funções do líder de governo é evitar que isso ocorra.

"A estratégia ideal para o governo é brecar, atuar para que a CCJ não aprove projetos inconstitucionais", diz. Munhoz lembra que, quando foi líder de governo, brigava com a assessoria jurídica do Palácio dos Bandeirantes para que não fossem tão rigorosos. "Outro papel é fazer com que a assessoria jurídica do governador não seja drástica a ponto de recomendar o veto que pode ser evitado. Eles recomendavam vetar mais de 90%. E às vezes é uma inconstitucionalidade que não afeta ninguém", afirma.

Projetos sancionados podem ter sua constitucionalidade questionada por meio de ação na Justiça.

A constitucionalidade também é analisada pela Assembleia quando o veto volta ao plenário para ser mantido ou derrubado. Para os deputados, é válido discutir os casos em que há dúvida. "O mundo jurídico permite achar argumentos dos dois lados, pela legalidade ou não", diz Leão.

Na semana passada, por exemplo, eles analisaram o veto à criação de um órgão de combate à tortura. Segundo o governo Doria, o órgão ligado à Assembleia seria inconstitucional por estabelecer fiscalização indevida do Legislativo sobre o trabalho do Executivo.

"Vamos esclarecer e depois votar. Acho plausível quem sustente que o veto tem que ser derrubado", diz Munhoz. Como a Folha mostrou, denúncias de tortura em presídios paulistas dispararam em janeiro e fevereiro.

Para os deputados, a aprovação de projetos com irregularidades faz parte da vida da Assembleia, onde os parlamentares também precisam ceder para verem seus projetos aprovados.

Fonte: Folhapress
Por: Carolina Linhares
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