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Semana Nacional do Livro e da Biblioteca: alento ou desalento?

Jornalista e doutora em Ciência da Informação reflete sobre o futuro do impresso diante do incremento dos meios de comunicação aliado à força das redes eletrônicas de informação.

23/10/2018 08:17

Em território nacional, comemora-se a Semana Nacional do Livro e da Biblioteca, entre 23 a 29 de outubro. Com a chegada da Semana, voltamos ao tempo. Rememoramos que, aos 17 anos, ingressamos na Universidade Federal de Pernambuco para cursar Biblioteconomia, considerada, à época, profissão de “mulher direita”. Não houve opção por pura pressão familiar. Mas ao contrário do que se pode pensar, nos apaixonamos de imediato pela profissão, a qual dedicamos parcela significativa de nossa existência. Mas quando dizemos: voltamos ao tempo, não pretendemos focar vivências particulares e, sim, discutir a eterna anunciada morte dos livros e das bibliotecas.

Adiante, fomos instigadas por um dos mestres queridos para escrever sobre o risco anunciado de extinção de livros e, portanto, das bibliotecas, face ao avanço desenfreado, à época, das chamadas microformas em seus formatos mais comuns – microfilmes (rolos), aperture cards, microfichas e micro cartões. O professor enviou o texto ao “Jornal do Commercio” [de Pernambuco], editado em Recife desde 7 de novembro de 1825, sob encargo de Antonino José de Miranda Falcão, e que se impõe como o mais antigo diário em circulação da América Latina.

Lá está em circulação meu primeiro texto na mídia, sob o título “A morte do livro: realidade ou ficção?, 16 de junho de 1968. Amarelado pelo tempo que não para, o registro impresso persiste atual em pleno século XXI, ano 2018. Isto porque, após o temor da força das microformas, o incremento dos meios de comunicação aliado à força das redes eletrônicas de informação, ênfase para a internet, trazem, vez por outra, vozes que insistem em dizer que o impresso se esvai para dar lugar aos documentos digitais. É esta sociedade contemporânea e em pleno desenvolvimento, que, segundo alguns teóricos, absorve com tal intensidade as inovações tecnológicas, decretando a fragilidade do livro na acepção ampla de palavra escrita. Quer dizer, na atualidade, há homens “cultos” que desprezam os livros, seguindo o registrado ainda no século IV a.C., quando Platão se opõe, radicalmente, à escrita, embora ele próprio escrevesse seus argumentos e os registrasse, permitindo a análise de sua obra, após tanto tempo. Eis a grande contradição: os mesmos que admitem a morte do livro e, por conseguinte, das bibliotecas, reconhecem a impossibilidade de uma civilização “sem papéis”, haja vista ser impossível pensar na manipulação da informação pelos computadores sem a utilização da escrita.

Foto: Arquivo/O DIA

Então, a bem da verdade, livros e bibliotecas continuam “firmes e fortes”, sobretudo, nos países desenvolvidos. Os primeiros ganham novos suportes, como os já comuns electronical books (e-books), os audiolivros e os construídos a centenas de mãos e corações no espaço virtual, os quais convivem em harmonia com os impressos. As segundas persistem como memória da civilização, tal como os museus e os arquivos. Persistem como recanto aprazível de descoberta, de lazer e de prazer, sem relegar, em nenhum momento, as potencialidades das inovações tecnológicas. 

A ditadura e a censura à produção de intelectuais brasileiros

É oportuno retomar a frase histórica do poeta judeu alemão, Heinrich Heine, quando diz: “Onde se queimam livros, acabam-se queimando pessoas”. Além da ascensão do nazismo na Alemanha, onde tudo tem início com a queima de obras literárias, científicas e filosóficas de autores, a exemplo de Albert Einstein, Sigmund Freud, Stefan Zweig e Thomas Mann; no Brasil, a comunicóloga Sandra Reimão, no livro “Repressão e resistência: censura a livros na Ditadura Militar”, ano 2011, edição da Universidade de São Paulo, analisa o veto a livros entre 1964 e 1985, no país.

Entre o Golpe Militar de 1964 e a promulgação do AI-5, a censura à produção de intelectuais brasileiros, e, por conseguinte, às coleções das bibliotecas, é caracterizada por atuação obscura, multifacetada e sem critérios claros, mesclando batidas policiais, apreensões, confiscos e até coerção física. Os vetos atingem livros de ficção e não ficção. Dentre os últimos, estão obras que venceram o tempo e, hoje, ocupam o posto de clássicos. “A revolução brasileira” e “O mundo do socialismo”, ambos de Caio Prado Júnior; “História militar do Brasil”, do historiador Nelson Werneck Sodré; e “A mulher na construção do mundo futuro”, de Rose Marie Muraro, constituem significativos exemplos. Há livros de poesia. Há declarações de parlamentares, cuja publicação, à época, é radicalmente proibida. E, como previsível, a censura atinge, também, os jornais, fazendo com que as equipes de redação se unam em busca de artifícios variados que salvaguardem os conteúdos, como relatado por José Antônio Pinheiro Machado em interessante livro-reportagem sobre a luta e a morte do jornal “Opinião”.

Há, ainda, cerco a livros eróticos ou pornográficos. Aliás, a menção a Adelaide Carraro e Cassandra Rios nos remete à adolescência e à inconfessável leitura de romances proibidos, devorados às escondidas. Da primeira, nos resta a lembrança de dois livros – “De prostituta à primeira dama” e “Os padres também amam”, dentre uma produção ampla, de mais de 40 títulos. De Cassandra Rios (pseudônimo de Odete Rios), uma das escritoras mais vendidas nas décadas de 60 e 70 (século XX), fugidia lembrança de “A borboleta branca” e “A paranoica”, esta última obra adaptada para o cinema sob o título “Ariella”.

Os maus-tratos destinados aos museus, arquivos e às bibliotecas 

Na atualidade, no país, museus de grandiosidade universal, tal como o Museu Nacional, Quinta da Boa Vista (Rio de Janeiro, RJ), com cerca de 20 milhões de itens catalogados, todos eles de valor irrecuperável, só revive a celebridade perdida, depois de sua morte, quando o trágico incêndio, ocorrido na noite de 2 de setembro de 2018 ganha impacto internacional. A destruição quase total de seu acervo histórico e científico construído durante 200 anos, lembra que sua perda, por conta das condições precárias do edifício histórico que abrigava o Museu, antes residência oficial dos Imperadores do país, danificado com rachaduras, desabamento da cobertura e de lajes, não atinge apenas o povo brasileiro, mas à humanidade como um todo.

O fato, porém, é que as tragédias que assolam centros internacionais de pesquisa, como no caso do Museu Nacional, cujos recursos financeiros alcançaram, ano 2017, o valor irrisório de 650 mil reais em oposição a 563 333,56 destinados à lavagem dos 83 carros da Câmara dos Deputados, paradoxalmente, tornam mais fácil de entender os maus-tratos destinados aos museus, arquivos e às bibliotecas brasileiras.

Se a Biblioteca Nacional (RJ) também clama por socorro, no caso específico dos Estados, salvo raríssimas e honrosas exceções que existem, sim, no Piauí, outubro de 2018, o Governo Estadual mantém a Biblioteca Pública Estadual Desembargador Cromwell de Carvalho sempre em “constantes reformas”, zero nos itens atualização da coleção, cumprimento da Lei Estadual de Direitos Autorais, qualificação de pessoal, etc. Para ideia mais clara da situação, se, formalmente, participa do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, não conta com nenhum profissional de informação qualificado para gerenciar todo o sistema de bibliotecas nos 224 municípios. Distribuídos entre Arquivo Público, Secretaria de Educação, Secretaria de Assistência Social e Universidade Estadual do Piauí (com seus 17 campi), o Estado do Piauí conta apenas com cerca de oito bibliotecários!

A Prefeitura Municipal de Teresina (PMT) adota o mesmo descaso. Apesar do inchaço de seu quadro de pessoal, a Secretaria de Administração não mantém em seu Plano de Cargos e Salários, o profissional bibliotecário. Ao que tudo indica, a PMT abriga um único profissional especializado para gerenciar as bibliotecas da capital Teresina. É muito evidente e óbvio: nenhum governante e/ou administrador da linha de frente ousa negar publicamente a relevância de museus, arquivos e bibliotecas como instituições eminentemente sociais e culturais. Na prática, porém, o corte de verbas recai sempre e sempre sobre eles! A situação dessas instituições no Estado é lamentável. Não são palavras jogadas ao vento. Simples visita in loco constata o que ora registramos.

Por: Maria das Graças Targino em especial para O DIA
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