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Escolas cívico-militares: de suas particularidades aos resultados

Modelo em Teresina preza pela disciplina, passando pela avaliação da higiene pessoal, às instruções de diversos eixos temáticos

20/04/2019 09:13

A capitã Elis Regina explica o funcionamento da instituição que oferece uma modalidade de ensino bastante concorrida  (Foto: Poliana Oliveira/ODIA)

Bandeira de campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro, a ampliação das escolas cívico-militares no país deve sair do papel em breve. Contudo, o modelo de ensino é polêmico e encontra defensores e críticos. Um levantamento da Polícia Militar do Distrito Federal apontou que há, atualmente, 120 escolas cívico-militares em 17 estados do país, sem contar as novas escolas recém implantadas. Além disso, existem os colégios militares: são 13 ao todo em todo o país.

Não existem colégios do Exército em todas as capitais, mas em muitos locais existe a modalidade que o governo federal pretende ampliar, que é a parceria entre militares e civis, como é o caso de Teresina, em que a Escola Estadual de Tempo Integral Gov. Dirceu Mendes Arcoverde é administrada pela Polícia Militar.

No colégio, localizado na zona Leste de Teresina e único que segue esse modelo na Capital, os professores e demais funcionários são civis, profissionais concursados pela Secretaria de Estado da Educação. Já os monitores e a direção da escola ficam a cargo dos militares.

A diretora adjunta, capitã Elis Regina, conta como ocorreu a implantação do modelo na Capital. A instituição de ensino era um colégio regular que foi transformado em militar. No local, funcionava o ensino médio técnico. Antes de construir e implantar o novo projeto, as diretoras pesquisaram o modelo e visitaram escolas de outros estados, como Ceará, Goiás, Tocantins e Amazonas.

“A capitã Ana Cristina está aqui há dez anos e ela me convidou para fazer esse projeto. Nós aceitamos para passar um ano de implantação e acabamos ficando aqui. Vai fazer quatro anos. Quando assumimos essa parceria, a gente montou um projeto. Era um sonho que nós tínhamos e resolvemos apresentar para a secretária de educação da época, a deputada Rejane Dias”, relata.

Alunos aprendem a fazer o hasteamento do pavilhão nacional (a bandeira) - (Foto: Poliana Oliveira/ODIA)

A formatação do projeto compreendeu a inclusão de um regimento voltado para a disciplina e a cidadania. A dupla começou com a elaboração do projeto político-pedagógico e do regimento. Esse material foi analisado, posteriormente, pelo Conselho Estadual de Ensino e o Ministério Público.

“Nós trabalhamos muito a questão da disciplina com o aluno. Pra tudo hoje é preciso ter disciplina: pra chegar no horário no trabalho, pra que você tenha horário para almoçar, estudar. Outro diferencial é o uniforme, para que todos os alunos pudessem utilizar o mesmo uniforme, um uniforme parecido com o militar. Nós mudamos a cor, deixamos a cor que caracteriza a chamada Cidade Verde, [o casaco] é verde menta e a calça é verde bandeira e também utilizam a boina”, explica.

A diretora adjunta circula pela escola portando sua arma, mas afirma que isso não intimida os alunos. “[Quando alguém pergunta] ‘Capitã, você anda com essa arma aí?’ [Eu respondo] Ando porque eu não sou bandido. Nós, como militares, devemos ir com o nosso instrumento de trabalho. Quando penso em um médico, penso nele com o estetoscópio. Eles já se acostumaram, não veem isso como uma intimidação, até porque eles se sentem mais seguros e os pais também”, pondera.

Ingresso à escola

A procura pela escola cívico-militar é bastante alta. Em 2019, a escola recebeu cerca de 1.900 inscrições para 175 vagas. O corpo discente da instituição é formado por 500 alunos e o ingresso na escola é feito mediante teste seletivo.

“Tem o teste, não por uma questão de imposição. Por exemplo, se eu tenho dez vagas e só apareceram nove pessoas, não há necessidade de um teste. Agora, se eu tenho dez vagas e apareceram vinte pessoas, o critério mais justo perante a sociedade não tem o que se contestar que é a meritocracia”, explica a diretora adjunta, capitã Elis Regina. Nesse sentido, ela afirma que lamenta não poder receber mais alunos, sendo algo que a entristece.

Disciplina militar

Como metodologia disciplinar, na Escola Estadual de Tempo Integral Gov. Dirceu Mendes Arcoverde, há as chamadas “formaturas” às segundas e sextas-feiras. “Pra olhar a higiene pessoal: o cabelo, as unhas, o uniforme se está bem trajado, bem passado, limpo. Durante a formatura, há todo um cerimonial, um aluno realiza uma palestra sobre um tema que ele escolhe. Eles aprendem a fazer o hasteamento do pavilhão nacional [a bandeira], aprendem as canções e hinos”, explica.

As chamadas instruções também são parte do modelo militar na escola. São aulas dadas por militares voluntários, onde são abordados dois eixos temáticos: a parte do Direito, que engloba legislação de trânsito, direitos humanos, Código Penal e Estatuto da Criança; grupos, formação de equipe, etiqueta social e palestras.

Colégios militares custam três vezes mais aos cofres públicos

O ensino militar no país é anterior à ditadura militar. Inicialmente, esse modelo educacional tinha como intuito a formação dos oficiais do Exército, conforme explica Samuel Melo, que é doutor em Sociologia e professor do Programa de Mestrado em Sociologia da Universidade Federal do Piauí.

“Depois, essas escolas começaram a se expandir e tomaram uma proporção de inserir civis nessa modalidade. Com o regime militar, essas escolas tomaram novas proporções, inclusive para inserir outros alunos”, destaca. Samuel explica que as escolas militares têm um custo mais alto que as escolas regulares. “São três vezes mais gastos quando essas escolas passam a ser administradas pela Polícia Militar. (...) Ela vai precisar de uma infraestrutura maior, de contratação de professores com o perfil exigido pela estrutura das escolas militares”, pontua.

O Exército gasta R$ 19 mil por aluno (ao ano), enquanto o custo de cada estudante na rede pública é de R$ 6 mil. Um levantamento do jornal Folha de S. Paulo mostra que as escolas civis e militares com o mesmo perfil têm desempenho similar. A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Estado da Educação para conhecer os custos desses alunos ao Piauí, mas não obtivemos resposta até o fechamento desta matéria.

Meritocracia x desigualdade de oportunidades

Na avaliação do pesquisador Samuel Melo, não é possível dizer se as escolas militares são um tipo de modelo que dá certo de fato. “Para você entrar nessas escolas militares, você precisa passar por um teste seletivo. Nas escolas do Ceará e Rio de Janeiro, por exemplo, a avaliação do Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] é muito boa, mas tem um detalhe: quem são esses alunos? São alunos da periferia? São alunos que realmente estão perdidos de acordo com o senso comum? A ideia do senso comum é disciplinar esses alunos considerados perdidos, só que eles não estão entrando nas escolas militares, porque precisa passar por um teste seletivo, que vai classificar os melhores”, assinala.

Entrando na seara de um assunto bastante polêmico e discutido, a questão da meritocracia, Samuel explica que falta o capital cultural a muitos desses alunos, conceito que se traduz como toda a bagagem de conhecimento adquirida por meio da família ou com o apoio dela.

“[Esse investimento na educação dos filhos] faz com que os alunos tenham mais chances de passar no teste. Nesse primeiro momento, eu não posso dizer que essa é uma escola de sucesso. Ela é uma escola de sucesso para alguns, que têm um determinado nível cultural, não necessariamente financeiro. Na periferia isso não é comum, porque ele já tem outros problemas. Conseguir esse capital cultural não é fácil”, explica.

A reportagem completa você confere na edição do Jornal O DIA deste final de semana.

Por: Ananda Oliveira e Virgiane Passos - Jornal O Dia
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