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Mulheres, brigas e choro: amigos relembram do CR7 "versão Lisboa"

Atacante do Real retorna à cidade onde viveu por sete anos para disputar final da Champions. Início da carreira foi marcado por problemas enquanto era do Sporting

23/05/2014 07:30

  1. passado difícil
  2. destemido
  3. Difícil adaptação quase fez CR7 desistir
  4. comparações com o "fenômeno"

Ao voltar à cidade de Lisboa nesta quinta-feira para disputar a final da Liga dos Campeões entre Real Madrid e Atlético de Madrid no próximo sábado, muitas imagens e pensamentos vão passar pela cabeça de Cristiano Ronaldo. Foi na capital portuguesa, onde viveu durante sete anos, que o craque se lançou como futuro melhor jogador do mundo.

- Sempre temos saudades de onde crescemos e vivemos. Lisboa foi uma cidade muito especial para mim. Depois de sair da Madeira (ilha onde o jogador nasceu) com 11 anos, fiquei lá sete ou oito e tenho um carinho pela cidade. Espero que todos os amigos que fiz possam estar no estádio no sábado ao meu lado, do Pepe e do Coentrão, porque vamos precisar - disse o camisa 7 merengue.

Enquanto se prepara para a decisão, um filme estará passando na cabeça de CR7: os momentos de solidão que viveu na capital, as piadas que os garotos faziam com o seu sotaque, a saudade que sentia da família, as dificuldades na escola e o dia em que realizou o seu sonho ao deixar Lisboa para se tornar jogador do Manchester United. O amigo e antigo companheiro de quarto, José Semedo, recorda bem esse momento.      

Cristiano Ronaldo; Sporting (Foto: Reprodução SporTV)Cristiano Ronaldo em dois momentos: ainda bem jovem no Sporting; e mais velho (Foto: Reprodução SporTV)


- Foi incrível, nunca me esqueço o dia 6 de agosto de 2003. O Cristiano já estava jogando no time profissional do Sporting. Eu, o Fábio e o Paixão, que tínhamos ficado nos juvenis, ainda éramos o grupo de amigos dele. O jogo era à noite e ele treinou com o time de manhã. Depois, veio ver o nosso treino. “Mano, vou jogar contra o Manchester United. Nem consigo acreditar”, me disse no fim do treino. Eu tentei acalmá-lo e brinquei com ele dizendo: “Olha, eles ainda vão levar você para lá.”     

A previsão de José Semedo estava certa. Mas o zagueiro, que hoje representa o Sheffield Wednesday da Segunda Divisão inglesa, nunca pensou que fosse ser tão rápido. E no dia seguinte nem quis acreditar quando encontrou o amigo novamente.

- Vi o Cristiano passar lá na academia e fui encontrá-lo para dar os parabéns pelo grande jogo que tinha feito. E foi aí que ele me disse: “Mano, eu vou jogar no Manchester, vou viajar para lá para assinar contrato” - recordou Semedo, emocionado à época ao saber da novidade do amigo.

Uma semana depois, aos 18 anos, o jovem Cristiano Ronaldo estava em todas as emissoras de televisão portuguesas, sendo apresentando em Old Trafford, enquanto Semedo e o resto do grupo de amigos assistiam ao evento ao vivo na academia do Sporting.     

- Na carreira do Cristiano tudo aconteceu muito rápido. Ele sempre jogou com os mais velhos. Nunca conseguia completar uma temporada numa só categoria porque se a gente com 14 anos estava jogando no Sub-15, ele já ia para os Sub-16, 17, até chegar ao profissional aos 16 anos. Mas o salto foi proporcional à qualidade e ao empenho dele - destacou o zagueiro.

Cristiano Ronaldo Sporting (Foto: Claudia Garcia)CR7 em jantar com o tio de Semedo, o próprio Semedo e Miguel Paixão (Foto: Claudia Garcia)
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passado difícil


Agosto de 2003 foi o mês em que Cristiano Ronaldo se despediu de Lisboa e de Portugal, mas o caminho de sacrifício para alcançar esse sonho começou seis anos antes. No mesmo mês de 1997, com apenas 11 anos, Ronaldo seguia de avião para longe de Santo Antônio, bairro mais pobre da ilha do Funchal, para tentar o sonho de ser o melhor do mundo.     

- Foi acompanhado por dirigentes do Sporting e enquanto esteve ao nosso lado no aeroporto esteve sempre calmo, mas, no avião, ele chorou durante toda a viagem - revelou a irmã Elma em entrevista à revista portuguesa "Sábado".

Na Madeira, Cristiano e a família levavam uma vida pobre e de pouca comida na mesa. Na escola o garoto era péssimo aluno e por isso a mãe dona Dolores falava para ele agarrar a oportunidade do futebol, que era seu único caminho a seguir. Com pouco dinheiro, dona Dolores e o pai Dinis - que morreu em 2005 por complicações hepáticas por ser alcoólatra - não tinham como sustentar os quatro filhos. O irmão mais velho de Cristiano, Hugo, acabou se envolvendo com drogas. “Raramente comíamos carne ou presunto”, revelou a irmã Katia num programa de televisão espanhol.     

 

- Quando havia frango, eu e meus irmãos fazíamos uma festa. Comíamos só pão e sopa durante a semana porque minha mãe comprava o pão e pagava no final do mês. De vez em quando eu e meus irmãos pedíamos algumas sobras na padaria e o meu pai passava no supermercado e trazia uns chocolates e biscoitos, mas era tudo fora de prazo - disse a irmã de CR7.     

As dificuldades levaram Cristiano Ronaldo a investir tudo em seu sonho de ser o melhor do mundo e poder ajudar a família. Desde que chegou a Lisboa, sua vida passou a ser cuidada pelo próprio clube do Sporting e pelo seu encarregado de educação, Leonel Pontes, que hoje é auxiliar de Paulo Bento na seleção portuguesa. Pontes era o responsável por manter o contacto com a família de Cristiano na Madeira.  

- Hoje, com a informação que temos, seria impossível um garoto com aquela qualidade estar ainda lá na Madeira esquecido, mas naquele período era diferente. No primeiro dia de testes do Cristiano aqui no Sporting eu não assisti ao treino dele, mas os técnicos me disseram que era muito bom. No segundo dia, eu fui assistir e o que me impressionou muito foi a sua capacidade de liderança, ele já falava como queria com aqueles jovens miúdos que até eram mais velhos e que normalmente não são tão bonzinhos com quem chega. Tinha qualidade técnica, caráter, tinha de ficar com a gente e abrimos uma exceção para integrar um garoto de 11 anos numa estrutura que só recebia jogadores a partir dos 13, 14 anos, mas longe de mim pensar que ia dar no que deu - comentou sorrindo o descobridor de CR7, responsável pelo recrutamento do Sporting e amigo do luso, Aurélio Pereira.

Cristiano Ronaldo Sporting (Foto: Claudia Garcia)Cristiano Ronaldo chegou ainda pré-adolescente ao Sporting (Foto: Claudia Garcia)


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o destemido


O caráter de Cristiano Ronaldo e a personalidade forte chamavam a atenção de todos no Sporting, inclusive dos amigos. Ele não tinha medo de responder fosse a quem fosse. Logo no primeiro dia de aula no colégio em Lisboa, depois de chegar atrasado, a professora lhe pediu para se apresentar aos novos colegas.      

Cristiano Ronaldo criança (Foto: Arquivo Pessoal)Quando criança, quase sofria preconceitos por conta do sotaque madeirense (Arquivo Pessoal)

- Olá, eu sou o Cristiano Ronaldo e venho da Madeira - disse com uma pronúncia madeirense quase incompreensível provocando uma gargalhada geral na sala. Ronaldo ficou tão chateado que agarrou uma cadeira e avisou a professora que se não parassem de rir ia atirar o móvel na cabeça de alguém. Este foi só o primeiro de vários processos disciplinares que teve por comportamentos violentos ou faltas injustificadas na escola de Telheiras.   

O amigo Semedo lembra que já teve de tirar Ronaldo de várias brigas por causa das brincadeiras e piadas que os mais velhos do Sporting faziam com o seu sotaque.

- Eles falavam: "Olha, lá vem o madeirense". E faziam piadas porque no início ele realmente tinha um sotaque muito diferente. O Cristiano ficava muito revoltado, queria bater neles, falava palavrões, ele não deixava que ninguém o humilhasse de jeito nenhum. Muitas vezes queria partir para cima e bater nos mais velhos. Já era um cara indomável, mas depois a gente o separava, até porque os jogadores juniores também compreendiam a situação e iam embora. Ele sofria com isso e chorava muitas vezes no quarto sozinho - recordou.

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Difícil adaptação quase fez CR7 desistir


Com o passar dos anos em Lisboa, o jovem madeirense foi se adaptando à cidade e ao clube. Os pensamentos sobre abandonar o sonho e voltar para a Madeira foram totalmente esquecidos.

Cristiano Ronaldo Sporting (Foto: Claudia Garcia)CR7 nos tempos de Sporting (Claudia Garcia)

- Acho que ele sofreu mais no primeiro ano, ano e meio. Mas a mãe também lhe dava apoio. Dizia para ele ficar porque já já ela ia chegar. Depois ele ficou mais acostumado à cidade. No início, era só ele e o Fábio, depois cheguei eu, o Paixão, e fizemos o nosso grupo. Íamos passear no Colombo (maior shopping de Lisboa), jogar pingue-pongue, máquinas de corridas de carros, videogame, íamos ao cinema e jogávamos as nossas peladinhas. Era essa a nossa vida e éramos felizes assim - contou Semedo.

Aurélio Pereira também se lembra do momento em que Cristiano Ronaldo esteve perto de desistir de tudo para voltar à Madeira, mas diz que a força mental do jovem craque fizeram toda a diferença.

- Todos os garotos que estavam internos lá no alojamento passaram por essa fase. Eu me lembro que ele foi um dos que sofreu menos com isso, porque já era muito forte. Às vezes ficava indeciso, triste, queria voltar para perto da família e nós aqui atuávamos de imediato para ajudar, porque ele veio só com 11 anos, era muito novo. O nosso trabalho era esse mesmo, era ajudar esses garotos e a diferença entre o Cristiano e os outros era a vontade que ele tinha de vencer e de ser o melhor do mundo. 

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comparações com o "fenômeno"


Ser o melhor jogador do mundo era um sonho, quase obsessão para CR7, que conseguiu levar o prêmio em 2014 pela segunda vez. Mas, já com 11 e 12 anos, o craque tinha a certeza de que iria alcançar o sonho. E nem os melhores do mundo daquele período o intimidavam, como Luis Figo ou Ronaldo. Semedo diz que o amigo Cristiano nunca falava de outros jogadores e não idolatrava ninguém.    

- Enquanto eu, que era zagueiro, dizia que a minha referência era o Desailly, ele, por exemplo, nunca teve uma referência. Ele falava pouco desses caras. Dizia só que eram bons jogadores, mas não idolatrava ninguém. Isso faz toda a diferença entre o Cristiano e os outros jovens jogadores que sempre procuram referências e comparações. Ele sabia que podia ser melhor do que eles - observa Semedo.

Como ele se chamava Ronaldo e até já aparecia nos jornais, a galera dizia que ele era o "Fenômeno de Portugal" e as meninas iam todas atrás dele 
José Semedo, amigo de Cristiano Ronaldo

 Porém, foram algumas comparações com Ronaldo "Fenômeno" que deram problemas a CR7 na escola de Telheiras, onde os jovens do Sporting estudavam. Aos 14, 15 anos, Cristiano Ronaldo já ia conquistando alguma fama em Portugal, os jornais esportivos dedicavam algum espaço ao jovem craque da base do Sporting. E na escola, isso repercutia em fama para o madeirense - naquele período já quase sem sotaque. Semedo conta que os garotos mais velhos não gostaram de ter o seu território ameaçado.     

- Como ele se chamava Ronaldo e até já aparecia nos jornais, a galera dizia que ele era o "Fenômeno de Portugal" e as meninas iam todas atrás dele. Queriam ficar com ele e os outros mais velhos não gostavam, aguardavam no portão da escola e queriam bater nele. Eu me lembro que eu e o Fábio tínhamos de sair muitas vezes com ele, porque senão ia apanhar. Mas aí o Cristiano já estava bem ambientado, ele não queria confusão com ninguém, mas claro que já era mulherengo - disse o zagueiro.

Cristiano Ronaldo Irina Shayk, bola de ouro da FIFA (Foto: AFP)Com a namorada Irina Shayk na premiação da Bola de Ouro: craque já era mulherengo desde a adolescência (AFP)

Adaptado a Lisboa e à sua nova condição de jovem craque nacional, Cristiano gostava do assédio das meninas e, segundo os amigos, saía com muitas. Precisou até trocar de escola por causa dos problemas com os mais velhos. Nesse momento, Cristiano se separou também dos amigos incondicionais Fabio e Semedo, porque além de ter mudado de escola, recebeu o seu apartamento, quando em 2001 se tornou profissional do Sporting.     

Os três seguiram caminhos diferentes. Semedo e Fábio continuaram no alojamento para a base, mas hoje o segundo trabalha em um restaurante no Algarve, enquanto José Semedo disputa a segunda divisão inglesa.     

A vida de Cristiano Ronaldo seguiu um rumo muito diferente, mas eles ainda são amigos, tanto que Semedo recebeu dois convites do atacante merengue para assistir à final de Lisboa. O zagueiro, que nasceu em Setúbal, diz que faz tudo o que puder para ver o amigo feliz e agradece a CR7 estar onde está atualmente. É que Semedo quase foi dispensado do Sporting por falta de espaço no alojamento até que Cristiano e Fábio se ofereceram para dividir o quarto com mais um e o zagueiro poder ficar.     

- É até difícil para mim falar dele, é como um irmão mesmo. O que ele fez por mim não há palavras, ele foi falar com a direção do Sporting e pediu para eu dormir com ele. A gente brigava, mas se abraçava muito também. Ele me deu um espaço no quarto, me deixou colocar as roupas no seu armário e graças a ele, eu pude ficar no Sporting e jogar futebol. Foram anos bons. Eu era de um bairro muito complicado de Setúbal e hoje estou aqui jogando futebol na Inglaterra há sete anos, um país que eu amo, mas podia ter seguido maus caminhos e muitas vezes falo disso com ele. 

Ele me disse recentemente que ainda não tinha feito nada, que isto não era nada, que ia ganhar mais e que nunca ia ser esquecido no futebol 
José Semedo

José Semedo já visitou Ronaldo em Madrid várias vezes e diz que o craque adora a capital espanhola, mas que sua preocupação é sempre a mesma.

- Ele quer vencer títulos, troféus, só pensa nisso. 

E numa dessas viagens de Semedo a Madrid, os dois, que raramente falam de futebol, abordaram a situação de Cristiano Ronaldo nesta temporada, mas o craque recusou elogios.

- Ele me disse recentemente que ainda não tinha feito nada, que isto não era nada, que ia ganhar mais e que nunca ia ser esquecido no futebol - revelou Semedo, que foi o primeiro a acreditar que Cristiano Ronaldo não tem limites.

Fonte: Globo Esporte
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