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Sérgio Sette Câmara começa temporada decisiva para chegar à F1

Brasileiro tenta dar passo definitivo para a categoria principal do automobilismo a partir do próximo fim de semana, na abertura da F2; desafio de ser o companheiro de "œnovo Hamilton" é enorme

03/04/2018 14:35

Não é exagero dizer que as chances de o Brasil ter novamente um piloto na Fórmula 1, num curto prazo , um ou dois anos, começam a ser definidas no próximo fim de semana, no circuito de Sakhir, em Barein. O mineiro Sérgio Sette Câmara, 19 anos, irá disputar, pela equipe Carlin, a etapa de abertura do campeonato da F2, a chamada antessala da F1.

- Tenho consciência de ser uma temporada decisiva para a minha carreira - afirmou Sérgio nesta entrevista ao GloboEsporte.com.

Sua missão é desafiadora. Terá atrás de si uma nação ávida por novos representantes na competição. Desde a edição de 1970 do Mundial, quando Emerson Fittipaldi estreou na F1, pela Lotus, o país sempre teve um piloto na principal categoria do automobilismo. Este ano, com a aposentadoria de Felipe Massa no fim de 2017, nenhum.

Podemos dizer que boa parte dos brasileiros que se interessam por F1 sonha com mais de um piloto apenas, mas principalmente alguém capaz de grandes conquistas, como foi no período entre 1972 e 1991, quando entre Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna, o Brasil obteve oito títulos mundiais.

É um fardo e tanto nas costas de qualquer jovem piloto brasileiro trabalhando duro para chegar na F1, como é o caso de Sérgio e o de Pedro Piquet, muito provavelmente na GP3, este ano, para ficarmos nos dois mais próximos de pensar nesse salto na carreira. O que talvez nem todos têm consciência é da mudança estrutural que ocorreu no automobilismo nas últimas décadas. Só talento já não resolve mais o problema.

Felizmente é preciso continuar tendo muito talento, mas ao mesmo tempo contar com uma série de fatores favoráveis, como a eficiência da equipe e a possibilidade de se preparar, técnica e psicologicamente, para enfrentar os pilotos que fazem parte dos abrangentes programas de formação profissional desenvolvidos por algumas equipes, ou empresas.

O nível geral da competição cresceu bastante. O estágio de preparação da maioria desses adolescentes, para os muitos desafios das competições de formação, como F4, F3, GP3 e Fórmula 2, é de chamar a atenção até mesmo dos mais experientes que já estão na F1. Em resumo, o sucesso ficou bem mais difícil de ser atingido. Mas essa realidade é a mesma para todos os candidatos.

Sérgio Sette Câmara pilota carro da F2 em Paul Ricard (Foto: Divulgação)

Pressões não o afetam

- Administro bem essa questão (o histórico de vitórias do Brasil na F1), não tenho problemas com isso. As pessoas que acompanham as corridas de F2, não apenas as de F1, são mais aprofundadas no assunto, têm consciência de como as coisas se processam hoje, sem procurar desculpas. O Leclerc (Charles Leclerc, 20 anos, monegasco, este ano na F1, pela Sauber), estreou na F2 (em 2017) na equipe que tinha um carro muito superior aos demais. Uniu seu grande talento ao apoio da Ferrari, por fazer parte do seu programa, e à oportunidade disponibilizada pela Prema (seu time) e foi campeão, com méritos. Estava no lugar certo, na hora certa.

Este ano a F2 estreia um novo carro, um novo motor.

- O objetivo foi aproximar mais a nossa categoria da F1, a fim de preparar melhor os pilotos, reduzir o impacto para os que chegam na F1, disse Bruno Michel, o principal líder da F2, ao GloboEsporte.com, em Monza, no ano passado.

- Nosso carro remonta ainda a 2011. O novo gera maior pressão aerodinâmica, há bem mais recursos no volante para o piloto intervir.

Os 20 pilotos, das dez equipes que vão disputar as 12 etapas do campeonato da F2, este ano, sempre com uma corrida no sábado e outra no domingo, e no mesmo fim de semana dos GPs da F1, já treinaram por seis dias com o novo chassi Dallara equipado com um motor Mecachrome de 3,4 litros, turbo, capaz de desenvolver 620 cavalos de potência, para um peso total de 720 quilos. Os pneus são Pirelli, ainda exigindo dos pilotos saber administrá-los para evitar a rápida degradação, imposição do organizador, ainda que em menor escola que nos anos anteriores.

- Realizamos um treinamento muito bom, tanto nos três dias em Paul Ricard (França) como na outra série de três dias em Sakhir (Barein). Nossa equipe demonstrou estar rápida, principalmente em Paul Ricard, apesar do frio. O importante é que tanto eu quanto o meu companheiro estivemos sempre dentre os mais velozes, nas simulações de classificação e de corrida. Mas penso que a luta com a Prema, DAMS, ART, e a surpreendente Trident será apertada - disse Sérgio.

Lando Norris é o companheiro de equipe de Sérgio Sette Câmara na Carlin (Foto: Divulgação)

Parceiro é um superstar

O companheiro mencionado pelo piloto é nada menos de a maior promessa britânica para dar sequência ao extraordinário sucesso de Lewis Hamilton na F1, Lando Norris, de apenas 18 anos, completados dia 13 de novembro, paparicado de todos os lados. Sérgio completará 20 anos dia 23 de maio.

Norris foi campeão por onde passou, apesar da pouquíssima idade: Fórmula 4, campeonato inglês e escocês, em 2015, europeu de F Renault 2.0, em 2016, Fórmula Toyota, também em 2016, e europeu de F3, no ano passado, esta e a F4 com a mesma equipe deste ano na F2, a Carlin, inglesa também. Não é por outra razão que Norris faz parte da Academia da McLaren e é, este ano, o reserva de Fernando Alonso e Stoffel Vandoorne.

Já Sérgio não faz parte de nenhum programa de formação e vem de uma temporada de experiência na própria F2, em 2017, pela modesta escuderia holandesa MP Motorsport, mas venceu a segunda corrida do prestigioso GP da Bélgica, no ultra-seletivo Circuito Spa-Francorchamps, além de ter sido segundo em Monza, também no domingo:

- Há quem pense que ele (Norris) possa ser favorecido na equipe. Até agora não foi. Trabalhamos muito bem juntos. Com tudo novo na F2, trocamos bem as informações, ajudamos a Carlin estar rápida, melhoramos o carro a cada treino. Como falei, até agora está funcionando muito bem.

Nos testes de Paul Ricard e Sakhir, ora o inglês registrava um tempo melhor que o de Sérgio, ora o contrário. Na média, Norris ganhou, em termos de velocidade, por pouca margem, um ou dois décimos.

- Ele foi de fato um pouco mais rápido, mas sem desejar justificar nada, minha preocupação maior não era a de tirar tudo em uma volta lançada. A maior parte das indicações sobre qual caminho seguir no acerto do carro veio do meu trabalho, nosso principal foco de atenção. Vamos ver agora em Barein, depois Baku, Barcelona. Treino é treino e corrida, corrida - lembrou Sérgio.

Felipe Massa e Rubens Barrichello tiveram carreiras longas na F1 (Foto: Getty Images)

Como Rubinho e Massa?

A esse respeito, cabe uma pergunta bastante pertinente aos brasileiros. Assim como há os que admiram a trajetória de Rubens Barrichello e Felipe Massa na F1, entendem que se um piloto não é útil não permanece tanto tempo, e bem pago, na competição – 19 anos Rubinho e 15, Massa – existem os que são essencialmente críticos, por ambos não terem sido campeões do mundo enquanto seus companheiros, sim.

E se Sérgio mais perder que ganhar a disputa com Norris na Carlin, este ano, os críticos vão passar a chamá-lo de novo Rubinho ou Massa.

- Bem, estou aqui para ser campeão do mundo, tenho grandes ambições, mas respeito muito o Rubinho e o Massa, ganharam vários GPs, foram vice-campeões do mundo. O que tenho de fazer este ano é procurar tirar proveito do fato de o meu companheiro reunir tantos interesses, chamar tanto a atenção. O Lando está na F2 não somente para ser campeão e no ano que vem estrear na F1, mas, como falei, ser o novo Hamilton.

O piloto mineiro se estendeu na resposta:

- Se eu estiver na frente ou sempre perto dele, no seu ambiente, a Carlin, por ser campeão com eles, será excelente para mim. Se for um pouco mais lento, perder mais que ganhar, não posso chutar o balde. Eu me sinto preparado para enfrentar essa eventual realidade. Agora eu te pergunto o que acontecerá se eu for mais rápido. Como falei, tenho de tirar proveito dessa situação, compartilhar uma equipe inglesa com um companheiro inglês e tido como um grande talento.

Vai ou racha

Sobre ser um ano decisivo para sua carreira, Sérgio comentou:

- Se eu andar muito bem, na frente ou no nível do Lando, é possível que as portas da F1 se abram para mim também. Para começar, pode ser como terceiro piloto, se não der para ser titular. Outro caminho é eu disputar uma grande temporada, não ter lugar na F1 e precisar disputar outro ano de F2. Tenho 19 anos apenas. Felizmente meu patrocinador, a Youse Seguros, enxerga a nossa atividade de piloto a longo prazo. É um privilégio, posso planejar meu futuro. Tenho de pensar em uma terceira possibilidade, embora não acredite nela, a de as coisas não saírem como o planejado, este ano, e ter de redirecionar minha carreira, buscar outra opção profissional fora da F1. Mas minha confiança é enorme em dar importante passo rumo a F1.

O piloto diz saber as áreas onde mais precisa evoluir para encarar não apenas o desafio interno na Carlin, com Norris, mas com os demais adversários da F2, pilotos igualmente capazes, cheios de energia, capazes de assumir riscos para realizar o difícil sonho de chegar na F1. São candidatos ao título também o inglês George Russell, 20 anos, da ART, piloto da academia da Mercedes, e o holandês Nick de Vries, 23, da ART, como Norris da academia da McLaren, dentre outros.

Sérgio Sette Câmara disputa segunda temporada na Fórmula 2 (Foto: Divulgação)

Fazer a lição de casa

- Preciso ser mais constante, afirma Sérgio. Reflito bastante sobre o meu trabalho, tenho de construir melhor o meu campeonato, oscilo ainda um pouco ao longo do ano. Necessito mais pontos com maior regularidade.

A melhor estrutura da Carlin se comparada a da MP Motosport, time de Sérgio na F3 e no ano passado, o de estreia na F2, deverá ajudá-lo a marcar mais pontos e, uma vez evoluindo no quesito da constância, se classificar mais vezes dentre os primeiros colocados ao longo das 12 etapas do calendário.

A maior seletividade da F2, este ano, não com um carro mais rápido, mas fundamentalmente mais exigente de maior interatividade do piloto com os recursos disponíveis no volante, é algo que pode ajudar Sérgio, segundo ele próprio:

- Gostei do que vi nos testes. Eu me considero um piloto técnico, os engenheiros não escondem apreciar o meu feedback, como mais uma vez mostrei nos testes com o novo carro da F2, é um trabalho que gosto de fazer.

Mas ao contrário do que podemos pensar, o novo Dallara-Mecachrome da F2 ainda está em desenvolvimento, em especial pela fornecedora do motor. Sérgio relata que nos regimes mais baixos de rotação, em curvas mais lentas, quando os pilotos aceleram, na saída, até o motor turbo ganhar mais giros há uma importante falta de potência.

Técnica de pilotagem

- Isso está fazendo com que tenhamos de desenvolver nossas técnicas para sermos menos afetados por essa característica que deve melhorar ao longo do ano. Além disso, a troca de marchas é um pouco lenta, ainda. Some a isso o fato de o carro ser mais pesado, agora. As diferenças de tempo para o ano passado serão mínimas, seremos mais rápidos nas pistas com curvas de alta, pois o carro deste ano gera maior pressão aerodinâmica.

Sérgio abordou, ainda, o sonho dos 20 pilotos da F2, a F1. Ele assistiu apenas aos melhores momentos da etapa de abertura do mundial, dia 25, na Austrália, por estar regressando dos testes de Barein. Para ele, não há dúvida da vantagem técnica da Mercedes nesse início de temporada.

- Vimos que apesar de na F1 quase tudo ser o resultado de cálculos complexos de engenharia, por trás de tudo há um ser humano. A Ferrari não tinha o carro mais veloz, mas venceu, na melhor estratégia, aproveitou bem a situação, o que foi muito bom para o campeonato. O pessoal da Ferrari deve estar superestimulado para tirar a diferença da Mercedes.

Três pilotos, em especial, chamam a atenção de Sérgio na F1 atual, embora, como disse, todos devem ser admirados.

- O Hamilton, pelo fato de se manter no nível máximo por tanto tempo, sei como isso é difícil, o Ricciardo (Daniel Ricciardo, RBR), por saber administrar a pressão em cima por ser companheiro do Max (Max Verstappen, estrela emergente da F1, da RBR), e o Alonso (Fernando Alonso, McLaren), que vai mostrar agora como um bom piloto é capaz de levar uma equipe a crescer.

Apesar de viver na Europa desde os 15 anos, quando iniciou a carreira internacional, Sérgio acompanha o que se passa no mundo do futebol no Brasil, em especial no seu estado, Minas Gerais, e este ano ainda mais. O pai do piloto, também Sérgio Sette Câmara, assumiu a presidência do Atlético Mineiro.

- Ela costuma vir às minhas corridas, conversamos bastante, mas este ano estará comigo em apenas metade das provas do calendário, por causa dos compromissos. Claro que vou sentir sua falta, mas com as facilidades de comunicação, hoje, seguiremos falando bastante, mas por telefone. Nesse sentido, o pior para mim já passou. (Sérgio lembra quando muito jovem vivia parte do tempo sozinho na Europa).

Os treinos da primeira etapa da F2 começam sexta-feira, no Circuito de Sakhir, onde costuma fazer muito calor.

Fonte: Globo Esporte
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