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Movimento #vivamadalena alerta para preservação de prédios históricos

Movimento reacende a discussão sobre as dificuldades em preservar o patrimônio histórico de Teresina.

19/07/2015 12:27

Amontoados pelo chão, os escombros confundem quem visualmente procura identificar a sua origem. O agrupamento de massa avermelhada seria parte de uma das paredes ou do telhado secular da residência? Pedaços de azulejos e a esquadria de alguma das portas também desafiam quem busca identificar de qual parte da casa saíram as peças. Uma vez desmembrado, o quebra-cabeça das peças históricas da residência localizada na Rua Félix Pacheco, no Centro de Teresina, é difícil de ser reconstituído. O local é a casa de Dona Madalena que, neste mês, aqueceu o debate a respeito da preservação do patrimônio histórico de Teresina, pois teve parte de sua estrutura destruída irregularmente. Através do movimento #VivaMadalena, o local chamou atenção para a realidade presente na Capital: a história arquitetônica da cidade tem sido transformada em destroços cotidianamente.

Atualmente, muito tem se debatido sobre a perda de referências. No filme ‘O Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças’, a personagem principal, Clementine, após desilusão pelo fracasso de um relacionamento, decide se submeter a um tratamento experimental, que retira de sua memória os momentos vividos com o então namorado. Sem lembranças do que viveu, Clementine passa alheia diante do ex- -amor, Joel. Para superar o fato, ele também decide se submeter à sessão de esquecimento, mas desiste durante o processo. A luta de Joel para tentar recuperar o que já foi destruído da memória de seu amor é o que emociona o roteiro apresentado durante todo o filme. Clementine, sem referências do que viveu, passa a tentar encontrar, nos fragmentos de história apresentados pelo namorado, a lembrança dos dias vividos.

O que, na ficção, foi romantizado pelas lentes do diretor Michel Gondry; na vida real, tem acontecido repetidas vezes em outro cenário. A memória da cidade tem sido apagada por alterações irregulares de sua arquitetura secular. Segundo informações da Coordenação de Patrimônio Cultural do Piauí, mais de 50% das edificações de valor histórico e/ou arquitetônico de Teresina estão destruídas.

As questões relacionadas à preservação do patrimônio histórico, como é o caso da casa da dona Madalena, não estão ligadas apenas à materialidade de sua arquitetura singular, mas, principalmente, envolvem a necessidade da manutenção da memória que o bem agrega à história da cidade. É a memória contida nas diversas construções arquitetônicas de uma comunidade, um dos elementos responsáveis para que as raízes e costumes dos locais não se percam. 

Movimento reacende a discussão sobre as dificuldades em preservar o patrimônio histórico de Teresina. Legislação mostra-se frágil neste contexto (Foto: Jailson Soares / O DIA)

O Centro de Teresina, apesar de ter sofrido grandes transformações pelo aumento do fluxo de comércio e negócios que se multiplicaram na área, ainda é o local que guarda a maior parte da memória histórica da cidade. São estruturas arquitetônicas com cenários ecléticos, caracterizados pelo uso simultâneo de elementos construtivos vindos de dois ou mais estilos variados, utilizados principalmente para fins decorativos, que contam a história de Teresina. Muitos desses já demolidos ou descaracterizados para fins comerciais. Na casa onde resistiu o movimento #VivaMadalena, o estudante de arquitetura Luan Rusvell lembra da descaracterização da cidade. “Essa casa chama atenção de qualquer um que passe por aqui, pois, se olharmos no contexto da rua, a gente não tem mais nenhuma identificação visual do ambiente, como ela possuía. A casa da dona Madalena foi construída em 1938, resistindo até pouco tempo, e diferente da rua que já foi quase 80% descaracterizada do que era”, destaca.

Aspectos como abandono dos locais, depredação, falta de aplicação de medidas de preservação, pouca informação e educação patrimonial da população, além de fiscalização e efetivação das leis municipais e estaduais, contribuem para o cenário. A casa da Dona Madalena sobreviveu à destruição total, mas são poucos, na opinião de especialistas, os patrimônio históricos da cidade que ainda resistem.  

#VivaMadalena enxerga educação patrimonial como forma de ‘defender’ a cidade

A defesa do patrimônio histórico da cidade passa também pela consciência coletiva. Esse é um dos argumentos que levaram jovens de diferentes locais, áreas de atuação e estudos, a ocuparem, até a última segunda-feira (13), a casa que se configurou, atualmente, como ponto de partida para reascender o debate sobre a preservação do patrimônio histórico da capital piauiense. Como resultado do movimento #VivaMadalena, a Prefeitura irá notificar os proprietários da residência, já que ela se encontra incluída no cadastro de imóveis de preservação municipal, exigindo a reconstrução do imóvel. 

Proprietários foram notificados pela Prefeitura de Teresina para reconstruírem o imóvel (Foto: Jailson Soares / O DIA)

Para Luan Rusvell, um dos estudantes que participou da ocupação do imóvel por 13 dias, não é tarefa difícil zelar pelo patrimônio da cidade. O problema, segundo ele, é que existe omissão na hora de fazê-lo. “Não é uma missão difícil, é uma missão fácil de ser cumprida, mas o poder público dificulta isso. A população tem sua responsabilidade, é claro, mas cumprir o dever do poder público, que é um dever muito simples em relação ao patrimônio, isso não devemos fazer. Ações como ofertar na educação básica municipal conteúdo sobre a educação patrimonial já garantiria que as gerações futuras introduzissem esse conceito de preservação para toda a vida. Acontece que as pessoas também são vítimas do descaso da gestão pública”, pontua.

O escritor francês Victor Hugo escreveria, há quase dois séculos, sobre a necessidade de resguardar o patrimônio histórico. Ele lembra que “há duas coisas num edifício: seu uso e sua beleza. Seu uso pertence ao proprietário, sua beleza a todo mundo; destruí-lo é, portanto, extrapolar o que é direito”. Luan também concorda com o argumento. O jovem afirma que a ocupação da casa da dona Madalena representou “um trabalho voluntário para a Prefeitura”. 

“A Prefeitura não tem fiscal, é omissa, viemos para ser vigilante da casa. Depois, sentimos a necessidade de fazer o trabalho de educação patrimonial e assim o fizemos com as pessoas que começaram a chegar na casa. A nossa terceira esfera de atuação foi propor emendas na legislação, já que ela realmente dá brechas para que esse tipo de coisa aconteça. Encaminhamos um projeto de lei, que estava se arrastando desde 2006 na Prefeitura, para a criação do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, que já tem em quase todas as capitais, mas Teresina não tem porque o projeto estava engavetado”, ressalta.

Com a criação do Conselho também seria garantida a participação da sociedade organizada nas decisões voltadas ao patrimônio, além de servir para que seja encaminhada à Prefeitura a inclusão de disciplinas sobre o tema dentro da esfera da educação básica municipal. 

O estudante Rafael de Oliveira corrobora com os encaminhamentos realizados após a ocupação. Grafiteiro, ele costuma andar pelas ruas de Teresina e afirma que é comum ver a destruição de áreas históricas da cidade. “Aprendi com minha família a gostar de conhecer Teresina e, sempre quando ando por aí, acompanho a mudança dos locais. A gente já perdeu muito da nossa história. O movimento serviu para abrir o olho da população e de todos para esse e outros locais que merecem ser mantidos. Seria ótimo ver isso aqui reconstruído, servindo de museu, por exemplo. A luta continua”, finaliza, esperançoso.

Confira a íntegra da reportagem na edição deste domingo do jornal O DIA.

Fonte: Jornal O DIA
Por: Glenda Uchôa
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