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Lutadora Aline Silva revela ter sofrido assédio sexual e encoraja denúncias

Vice mundial de luta olímpica conta trauma sofrido aos 11 anos de idade. Bárbara Seixas, Ingrid Oliveira e Joanna Maranhão também relatam diferentes tipos de abuso

24/12/2017 11:40

A voz embargada não parece a da mulher forte e decidida que estamos acostumados a ver lutar. E não é à toa. Aline Silva nunca tinha falado publicamente sobre a violência sofrida quando ainda era uma menina. E por um motivo: como a maioria das mulheres, Aline não se sentia segura para falar:

- Nós não vivemos num ambiente que traz segurança. A sociedade não está preparada para falar e proteger as nossas meninas, as nossas garotas, as nossas mulheres. E é por isso que um monte de história ainda está calada.

Impulsionada pelas várias vozes femininas que romperam o silêncio, através de campanhas pela internet como #MeToo (Eu Também), #ChegaDeFiuFiu, #MeuAmigoSecreto, #PrimeiroAssédio, entre muitas outras, Aline toma coragem e revela o que aconteceu quando tinha apenas 11 anos:

- A pior lembrança que eu tenho é de um menino chamando a atenção do outro por estar mexendo no meu corpo. Isso para mim é muito difícil...É muito difícil lidar com o assunto.

Aline conta que esse episódio infelizmente não foi o único e confessa que ainda não está preparada para relatar outros assédios que sofreu.

- Tem coisas que eu estou me preparando para começar a contar. É tão difícil, é tão vergonhoso, e a mulher é criada com esse sentimento de vergonha.

Aline Silva abre o jogo sobre assédio sexual, mas admite ainda ter vergonha de contar tudo o que sofreu na infância (Foto: Kaio Almeida/CBW)

Recente levantamento do Datafolha aponta que 40% das mulheres brasileiras acima de 16 anos sofreram algum tipo de assédio, o que inclui comentários desrespeitosos nas ruas, assédio físico em transporte público, ser agarrada sem consentimento. Além disso, outras estatísticas são assustadoras: em média, 135 estupros são registrados por dia no Brasil, sendo que 61% dos agressores são pessoas próximas à vítima, enquanto apenas 48% das mulheres reagem ao sofrer assédio.

O silêncio das vítimas, por medo ou por vergonha, contribui para a impunidade. Falar sobre assédio é muito delicado, mas pode ajudar para que outros casos venham à tona. Foi graças à denúncia de uma atleta que a regra para crimes de pedofilia no Brasil foi alterada. Desde que a lei 12.650, conhecida como “Lei Joanna Maranhão”, foi sancionada, em 2012, a contagem de tempo para a prescrição do crime só começa na data em que a vítima fizer 18 anos. Até então, esse prazo era calculado a partir da prática do crime.

A nadadora brasileira revelou, em 2008, o abuso sexual sofrido aos nove anos de idade. Joana só conseguiu falar sobre o assunto aos 21. Foram 12 anos de silêncio.

- Meu treinador tinha um poder muito grande sobre mim. Então, eu silenciei por muitos e muitos anos. Eu era uma criança, com corpo de criança e mentalidade de criança. Eu sabia que era algo errado. Era algo que me machucava, mas como na minha casa a sexualidade era um tabu, esse diálogo não existia. Então, eu não sabia como abordar com meus pais. E também pelo sentimento de culpa.

#EuTambém: atletas olímpicas brasileiras denunciam assédios

O assédio sexual pode se manifestar de várias formas. Inclusive sem contato físico. E algumas atletas, por estarem com seus corpos expostos, acabam ficando mais suscetíveis a situações embaraçosas e desrespeitosas.

Bárbara Seixas, jogadora de vôlei de praia, medalhista olímpica nos Jogos do Rio, em 2016, passou por esse constrangimento numa entrevista depois de um jogo:

Bárbara Seixas se estica para fazer a defesa na primeira fase do Mundial de Viena (Foto: Divulgação/FIVB)

- Eram dois homens e um deles começou a me fazer perguntas íntimas que não tinham nada a ver com o jogo. Eu achei aquilo meio estranho, mas eu respondi. E aí, quando eu olhei para o cinegrafista, ele estava realmente me filmando de cima a baixo, sabe?! E eu estava de biquíni! Aquilo ali me incomodou muito! Eu acho que foi a primeira vez que me senti invadida. Porque eu falei, "poxa, esse cara está realmente me filmando como se eu fosse uma vitrine, eu estou aqui exposta, querendo falar sobre o que eu faço e ele está fazendo isso comigo".

O uniforme de trabalho de Ingrid Oliveira também foi estímulo para o assédio. Ela é atleta de saltos ornamentais e postou uma foto de maiô - do alto da plataforma de saltos - assim que chegou a Toronto, para a disputa dos Jogos Pan-Americanos, em 2015. A repercussão foi assustadora. Ela revela que chegou a receber propostas de uma agência para fazer programas.

- Eu fiquei mal. Eu não sou uma garota de programa, só porque eu treino de maiô, sabe?! É o meu trabalho. O povo não consegue diferenciar e isso chateia.

Em novembro, o Comitê Olímpico Internacional (COI) lançou um documento sobre o tema, a pedido dos próprios atletas. O manual da entidade fala abertamente sobre assédio e recomenda a produção de materiais educacionais e preventivos, que ajudem na proteção dos mesmos e na punição dos criminosos. Você pode conferir o documento na íntegra aqui.

Bárbara acredita que o intuito dessa campanha seja o de desmistificar o tema. Ela acha que é importante trazer o assunto do assédio à tona, para que outras atletas possam ficar alertas. Joana Maranhão reforça o coro:

- Ninguém vai fechar, ninguém vai calar mais a gente, a gente vai falar e vai ter muito homem abusador com muito medo. Já tem e vai ter mais, e isso é bom para aprender que os nossos corpos são nossos e ninguém pode tocar a gente sem consentimento - afirma ela.

Todas as campanhas, movimentos e denúncias que apareceram este ano trazem esperança. Se ainda é difícil imaginar o fim desta violência, que ao menos esse movimento resulte em justiça.

Fonte: Globo Esporte
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