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Jogadora, bandeirinha e cartola contam como driblam o machismo

No mês da Copa do Mundo, homenageamos as mulheres que driblam o machismo e constroem uma carreira de sucesso em uma das searas mais misóginas do esporte: o futebol masculino

06/06/2018 14:52

"Não dá para admitir.” Foi com essa frase que o atual técnico da seleção brasileira de futebol masculino, o gaúcho Tite, começou uma argumentação misógina em uma coletiva de imprensa em 2005. À época, ele protestava contra a atuação da árbitra Silvia Regina em uma partida do Corinthians, time que comandou. E emendou: “Ainda mais em um clássico... A velocidade com a qual ela acompanhava as jogadas... Em futebol de altíssimo nível, nessa intensidade, não dá para mulheres apitarem”, reclamou.

Três anos depois desse episódio, a CBF exigiu que as árbitras tivessem o mesmo índice dos homens nos testes físicos para apitar jogos da série A do Brasileiro. Desde então, nenhuma juíza foi escalada para trabalhar na elite do futebol masculino, mesmo estando apta após aprovação nos exames. Indagado por Marie Claire sobre sua posição em 2018, o técnico respondeu: “Estando padronizada a performance física em concordância à exigência do esporte, tudo o.k. A etapa seguinte é da análise técnica, de responsabilidade dos órgãos competentes”. Por outro lado, a Conmebol exigirá a partir de 2019 que todos os times masculinos da Taça Libertadores tenham equipes femininas. Além disso, as mulheres estão conquistando espaços historicamente dominados pelos homens, como o comando de clubes e a narração de jogos. A seguir, um time que está brilhando dentro – e fora – dos campos.

Fernanda Gentil (Foto: Reprodução/Instagram)

Fernanda Gentil, 31 anos, apresentadora 

O esporte é uma paixão antiga da jornalista carioca, que hoje está à frente do programa de mais prestígio da TV Globo na área, o Esporte Espetacular, e será o principal nome da TV na cobertura da Copa. “Quando era criança, sempre inventava uma modalidade para praticar. Acumulei raquete, quimono, bola, tênis. Usava dois meses e depois encostava.” Na adolescência, chegou a ser federada no futebol de areia. “Mas no Brasil, infelizmente, você tem que escolher entre o estudo e o esporte. Meus pais escolheram por mim e fiz jornalismo.” Na faculdade, procurou estágios na área até que chegou ao SporTV, sua ambição profissional. “Dentro do trabalho, nunca senti machismo, até porque metade das redações é de meninas. Mas no campo era outra história. No começo do jogo, a torcida te chama de gostosa. Se o time perde, você imediatamente vira piranha. Isso tirei de letra no dia a dia, estava focada no meu trabalho. Aos poucos, as mulheres vêm ocupando seu espaço. Ainda é difícil, mas não é impossível.”

Gabi Nunes. (Foto: Reprodução/Instagram)

Gabi Nunes, 21 anos, jogadora de futebol 

Nos tempos de escola na Vila Albertina, Zona Norte de São Paulo, Gabi era aquela única menina na quadra de futebol com os meninos. Aos 10 anos, viveu o primeiro episódio machista: foi proibida de jogar no time do bairro. “Não podia seguir porque era menina. Chorei muito em casa.” Aos 12, voltou a treinar, desta vez em uma equipe feminina, no Centro Olímpico (COTP), em Moema (local deste ensaio). Entrou para a seleção brasileira sub-17 aos 15. Em 2016, ganhou a Chuteira de Prata no Mundial sub-20, na Nova Guiné, como atacante. “O mais emocionante foi receber o prêmio das mãos de Marta, que me disse baixinho: ‘Tenho uma dessa também’”, diz a artilheira do Corinthians. “Meses depois, jogamos juntas e pensei: ‘Meu Deus, ia aos estádios vê-la jogar e agora passo a bola pra ela!’.” Ao longo dos anos, Gabi sofreu ofensas por ser mulher. “Minha família sempre me apoiou e por isso não desisti. Quero seguir os passos da Marta e me tornar a melhor do mundo.” Torcida ela já tem!

Nadine Bastos (Foto: Reprodução/Instagram)

Nadine Bastos, 35 anos, comentarista de arbitragem 

A rotina da dentista Nadine mudou, e muito, desde 2007, ano em que, por acaso, decidiu estudar arbitragem em Florianópolis, sua cidade. “Uma amiga que faria o curso me convenceu a acompanhá-la porque não queria ser a única mulher na sala de aula. Peguei gosto pela coisa! Comecei a apitar alguns jogos e ninguém entendia por que eu estava ali, já que tinha uma profissão. Por um tempo, conciliei as horas de consultório com as partidas.” Um ano depois, escolheu o futebol. “No começo, sofri desconfiança dos colegas de trabalho e muitas vezes ouvi a torcida gritar que lugar de mulher não é no campo”, diz a catarinense, que atuou como bandeirinha na reabertura do estádio do Maracanã, em 2013, e na final da Copa do Brasil de 2016. No ano passado, recebeu o convite da Fox Sports para ser a primeira comentarista de arbitragem de um canal de TV no Brasil.

Vivi Falconi (Foto: Reprodução/Instagram)

Vivi Falconi, 33 anos, narradora 

Jogadora de futebol de rua, Vivi cresceu em Itaquera, na Zona Leste de São Paulo e reduto do Corinthians. Formada em rádio e TV, trabalha na produção dos programas da Rede Vida. Há três anos, decidiu narrar um gol em um desafio proposto em uma página de Facebook. O sucesso foi tão grande que os amigos a incentivaram, este ano, a se inscrever em um concurso do canal de TV paga Esporte Interativo, que buscava uma narradora mulher. “Só criei coragem de enviar uma gravação quando recebi comentários positivos de alguns meninos. Insegurança, né?”, conta. “Quando disseram que eu era a vencedora, desabei no chão e chorei muito.” O prêmio foi a experiência mais marcante de sua vida: narrar, in loco, a semifinal da Liga dos Campeões da Europa, disputada entre Real Madri e Bayern de Munique, em abril. “Era a única mulher nas cabines de transmissão. Foi inesquecível, e sabe o que mais me emocionou? Receber um vídeo de uma menina, de pijama, me imitando em frente à TV após o jogo. Quem sabe eu não inspire mais garotas a seguir a profissão?”

Emily Lima (Foto: Reprodução/Instagram)

Emily Lima. 37 anos, treinadora do Santos 

“Sempre troquei as bonecas pela bola”, diz Emily, ex-jogadora de futebol e atual treinadora do time feminino do Santos. Aos 13 anos, atuava como volante num time em São Paulo. “Quando vi, já vestia a camisa da seleção brasileira sub-17.” Ela passou sete anos na Europa e representou também a seleção de Portugal nos gramados, o país de seu pai, Antônio. Depois, morou na Espanha e na Itália. De volta ao Brasil, aos 29 anos aposentou as chuteiras para ser técnica. Em 2011, assumiu a equipe feminina no Clube Atlético Juventus, em São Paulo. Há dois anos, tornou-se a única mulher a comandar a seleção brasileira de futebol feminino. Ali viveu o auge e também o momento mais machista de sua carreira: dez meses depois de assumir o posto, foi demitida com a justificativa de baixo rendimento. “Na verdade, fui desligada por ser mulher e porque queria mudar a maneira de fazer as coisas.” Na época, as atletas Cristiane, Rosana, Fran, Andreia Rosa e Maurine declararam que não serviriam mais à seleção, como sinal de protesto. Recuperada do baque, no ano passado aceitou o convite do Santos, onde trabalha atualmente.

Edna Murad, 57 anos, vice-presidente do Corinthians 

Criada nos arredores do Parque São Jorge, Zona Leste de São Paulo, Edna Murad é sócia do Corinthians desde a infância. Há dez anos, entrou para a política do clube, como conselheira. “Gosto de me envolver nas questões dos lugares que frequento. Se você não participa, não pode reclamar.” No começo do ano, foi convidada a assumir a vice-presidência do clube. “Aceitei o desafio para ir contra o machismo do futebol. Com minha presença, as mulheres estão se sentindo mais à vontade para fazer reivindicações.” Professora de português, ela ainda dá aulas em uma escola do bairro e garante que sobra tempo para curtir a família. “Meu marido (Hadlid), com quem sou casada há 39 anos, está acostumado com as mulheres no poder, até porque ele convive com cinco, eu e nossas quatro filhas”, brinca a vice, que desconversa quando o assunto é alcançar a presidência. “Deixa isso para a frente, para o futuro.”

Renata Ruel, 39 anos, bandeirinha 

Aos 14 anos, Renata decidiu que seria árbitra de futebol. “Liguei para a Federação Paulista para me inscrever no curso, mas eles só aceitavam candidatos com o segundo grau completo.” A paulistana seguiu os estudos, formou-se em administração de empresas e, em 2004, conquistou o diploma de arbitragem. “Larguei o emprego estável porque não dá para conciliar o futebol com uma carreira tradicional por causa dos horários. Perdi muitos aniversários, batizados e almoços de família, mas no final todos entenderam. Foi fácil? Nunca.” De 2011 a 2016, “bandeirou” jogos das séries masculinas. Hoje, atua nas partidas femininas. A mudança, em 2008, nos testes físicos da CBF tornou mais difícil a permanência das mulheres na elite dos campeonatos, segundo Renata. “Com o passar dos anos, nossas provas de resistência se tornaram as mesmas dos homens e todos sabem que fisiologicamente temos uma estrutura diferente. O preconceito existe, sim, e essa mudança aconteceu por causa do machismo”, diz. Fora do campo, a discriminação continua. “Já até terminei namoro por causa da minha profissão. Uma vez fui aprovada em um teste e liguei toda feliz para o namorado da época, que me respondeu: ‘Que pena, queria que não tivesse passado’. Virou ex na mesma hora.” De olho no futuro, enquanto atua como assistente, Renata se formou em outra faculdade, a de pedagogia, fez curso de treinadora de futebol e de goleira, e agora está terminando o MBA em gestão do esporte. “Quero continuar na área mesmo depois de me aposentar na arbitragem.”

Fonte: Marie Claire
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