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Diogo Silva troca o taekwondo pela música e vê atraso com Bolsonaro

Diogo Silva completa em 2019 dez anos à frente do coletivo Senzala Hi-Tech.

14/08/2019 11:48

Há 15 anos, em agosto de 2004, Diogo Silva perdeu a semifinal da Olimpíada de Atenas. Até então, nenhum atleta brasileiro havia chegado tão longe no taekwondo em Jogos Olímpicos. A derrota lhe deu a oportunidade para mandar um recado.

Ainda no tatame, vestiu uma luva preta e ergueu o punho, repetindo o histórico gesto de John Carlos e Tommie Smith no pódio dos Jogos da Cidade do México, em 1968. Na ocasião, a dupla dos EUA tomou o ato emprestado dos Panteras Negras, o grupo ativista do movimento negro no país.

O ano de 1968 foi de profunda transformação. No Brasil, a data ficou marcada pela implementação do AI-5 (Ato Institucional nº 5) pelo governo do marechal Costa e Silva, no decreto mais radical da ditadura militar desde o início do regime, quatro anos antes.

"Em 1968, muitos países estavam vivendo em regimes ditatoriais, e isso atinge o esporte diretamente. Havia muito racismo. Parece que a gente saiu de 1968 e entramos nele de novo. O nosso governo atual, o Bolsonaro, ele representa muito do que foi aquele  ano", afirma Diogo Silva, 37.

Eleito presidente em 2018, após vitória no segundo turno, Jair Bolsonaro (PSL) já deu declarações em que elogiou o regime militar no Brasil.

John Carlos, Tommie Smith e outros cinco atletas negros foram expulsos da Olimpíada pela própria delegação americana por utilizarem o evento como plataforma de protesto. Diogo foi absolvido pela organização dos Jogos de Atenas. Repetiria o ato novamente?

"Talvez, se eu fizesse esse gesto hoje, o impacto e a retaliação pelo governo que nós temos, poderia ser muito mais grave do que foi em 2004. Era uma outra época. Estávamos ganhando uma liberdade que jamais tivemos", diz.

O protesto do lutador na Grécia tinha como pauta a falta de estrutura para os atletas de taekwondo. Desde então, a modalidade cresceu, mas não conseguiu escapar da série de  escândalos de corrupção que assolaram confederações brasileiras depois da Olimpíada do Rio de Janeiro.

Em 2016, operação da Polícia Federal afastou o presidente da Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTKD), Carlos Fernandes, condenado no ano passado em primeira instância, por crime de estelionato e fraude em licitação.

Após intervenção judicial, a CBTKD ficou —e segue— impedida de receber recursos repassados pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB), cujos investimentos vão direto para a preparação de atletas que disputam os grandes eventos.

Nos Jogos Pan-Americanos de Lima, a equipe brasileira de taekwondo conquistou 7 medalhas (sendo 2 de ouro, 2 de prata e 3 de bronze) das 8 que disputou, no melhor desempenho do país no evento.

Antes, no Mundial de Manchester, em maio, o Brasil já havia ganho 5 medalhas (2 pratas e 3 bronzes), também no melhor resultado do país em Mundiais da modalidade.

Para Diogo, ouro no Pan-Americano de 2007, no Rio, o esporte poderia estar ainda melhor não fosse a administração da confederação. Mas ele tem uma esperança.

"[Natália] é uma pessoa extremamente competente, tem fundamento acadêmico para desenvolver o seu trabalho. Só que caiu ali no covil das cobras. A gente torce para que ela consiga manter sua conduta", diz Diogo sobre Natália Falavigna, bronze em Pequim-2008 -conquista inédita para o taekwondo brasileiro em Olimpíadas-, nomeada pelo COB coordenadora técnica da seleção brasileira.

Formado em Educação Física e com MBA em Gestão Esportiva, Diogo também se mantém envolvido com a modalidade. Atualmente, é representante dos atletas na CBTKD, onde tenta aprovar um projeto para o registro dos esportistas em carteira.

"Sem isso, eles não têm nenhum direito. Se as pessoas não vão conseguir se aposentar mais ou vão se aposentar aos 65, o atleta vai demorar ainda mais", afirma.

Apesar de continuar praticando taekwondo, ele não luta profissionalmente desde 2018. Hoje, seu principal canal de militância é outro.

Diogo Silva completa em 2019 dez anos à frente do coletivo Senzala Hi-Tech. Grupo formado por ele com o percussionista Junião, o beatmaker Minari e o rapper MC Sombra,  que mistura rap, hip-hop e ritmos brasileiros e africanos.

Inicialmente, o projeto era fazer músicas para atletas, mas acabou se tornando seu mais novo meio de protesto.

Na última sexta-feira (9), o Senzala lançou o disco "Represença", que comemora uma década de atuação do coletivo.

No escritório de sua casa, na zona sul de São Paulo, um disco do rapper Sabotage (1973-2003) que está sobre a vitrola denuncia uma de suas inspirações. Os Racionais MC's e Emilio Santiago, cantor admirado por sua mãe, que o criou sozinho, também formam parte de sua base musical.

Nascido em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, Diogo Silva se mudou aos 11 anos para Campinas, onde sua mãe foi estudar Educação Física. Aos 16, e já almejando uma carreira no taekwondo, criou sua primeira banda. "Nada sério, só brincadeira", diz.

Nas muitas viagens que a carreira de atleta profissional lhe proporcionou, a música era uma forma de driblar a solidão das concentrações. Nos hotéis e ginásios espalhados pelo mundo, começou a escrever poesias e rimas, que mais tarde se transformariam em embriões das canções gravadas pelo Senzala Hi-Tech.

O compositor Diogo Silva mostra a mesma veia de protesto dos tempos em que usava quimono. O que pode ser visto no novo álbum, com faixas como "Bozolândia" e "Terra da Pilantragem". Na primeira delas, trecho da música diz que, no Brasil, "os messias andam com rifles". O recado, e ele não nega, é para Bolsonaro.

"O governo Bolsonaro nos dá um processo criativo imenso. Eu lembro que, na ditadura militar, o Caetano [Veloso] e o [Gilberto] Gil fizeram as músicas mais fabulosas deles. A 'Bozolândia', nós lançamos no dia da posse, foi para ele. Nós somos um espelho. Toda a brutalidade vai sempre voltar para ele, toda a covardia vai ser repassada", diz.

"A música é uma ferramenta muito poderosa, porque ela entra nas casas, está dentro do transporte público, dos escritórios. Hoje eu consigo levar [às pessoas] aquilo que só tinha a oportunidade quando ganhava uma medalha. Nossas músicas são atuais. É agora, para esta geração, para este tempo. A gente vem conseguindo uma transformação silenciosa. Mas impactante."

Fonte: Bruno Rodrigues, Jasmim Endo e Vinicius Martins - Folhapress
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