Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

Shows de Tom Zé em Teresina são adiados por problemas de saúde

Antes do adiamento, O DIA entrevistou o cantor, que falou sobre sexo, a música dos jovens de hoje e sobre Torquato Neto. "Torquato, que saudade!"

27/01/2017 07:44

O sexo sob um viés descomplicado e naturalmente poético. É dessa forma que Tom Zé fala sobre o assunto, ainda considerado tabu na sociedade, em seu recente trabalho “Canções Eróticas de Ninar – Urgência Didática”. As composições refletem de um retrato biográfico permeado das descobertas sexuais da adolescência do músico. A partir de toda sua irreverência, um dos ícones da Tropicália desvela nas letras experiências de forma delicada e bem-humorada e com sua já conhecida musicalidade fértil. O disco, lançado ainda no ano passado, celebra toda a carreira do músico e seus 80 anos. 
Para apresentar “Canções Eróticas de Ninar – Urgência Didática”, Tom Zé faria show em Teresina hoje e amanhã, dias 27 e 28 de janeiro, no Theatro 4 de Setembro. A apresentação, entretanto, segundo a produção local, precisou ser adiada por problemas de saúde do artista. A entrevista que O Dia fez com o músico, antes da notícia sobre o adiamento da sua vinda a capital, você leitor confere a seguir. Para mais informações sobre a nova data ou o reembolso dos ingressos, o público pode entrar em contato através dos telefones (86) 99511-4579/(86)98811-4224. 

Na época, a Tropicália se estabeleceu como um movimento sólido de expressão artística em meio a questões políticas. Acredita que a música hoje possa assumir esse papel questionador e provocador diante do momento político que atravessamos? De que forma? 
Claro que é possível, assumindo as cores e características da fase presente. Não é possível prever formas que tomará, é possível, como se diz, responder a seu tempo fazendo a antítese dele. 
Você já cantou ao lado de nomes como Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia e Gilberto Gil. Juntos construíram um legado na música popular brasileira. Pra você, qual a essência e a identidade da música brasileira e de que forma ela pode ser vista hoje em nomes e composições contemporâneas? 
Reafirmo que aprendo com os jovens, eles desembarcaram há menos tempo no planeta, confio no ineditismo da sensibilidade deles. Tenho admirações declaradas por compositores como Luiz Tatit – que maravilha!, a linguagem coloquial paulistana que ele usa, um contraponto à de Adoniram Barbosa, por exemplo – por grupos como O Terno, Trupe Chá de Boldo, por Emicida, Criolo, José Miguel Wisnik. Tão diferentes entre si, insuflam o interesse da gente. 
Ao longo de sua carreira, as músicas foram sendo experimentadas. Como sua música de alma nordestina foi ganhando ares pop? Como você a define hoje, depois de atravessar várias fases? 
Meu caro, gostaria de facilitar o trabalho dos críticos, que se põem em xeque para definir o que eu faço. Um estrangeiro ( Jon Pareles, The New York Times) me chamou de “matemático-roqueiro” e eu, um simples natural de Irará, vejo que é pertinente tal aproximação desses dois polos. Mas o que me fundamenta são os cantos de trabalho da minha terra, as vozes das lavadeiras de Irará, que tentei reproduzir em discos – “Parabelo”, do Grupo Corpo, é um deles – e o pulsar do mundo que me cerca, a música da selva urbana. 
“Canções eróticas de ninar - Urgência didática” reflete um pouco sobre sua própria vida e experiências. Como você as leva para esse novo trabalho? 
Desde o meu primeiro disco (“Tom Zé – Grande Liquidação” ) , o que está a meu redor se converte em propulsão. Em “Canções Eróticas de Ninar” a memória atua, falando do segredo de polichinelo que havia em torno do sexo, durante minha infância e adolescência. E olhe lá, Freud já influenciava, já era histórico. Até hoje, a sacralidade e a vulgaridade são polos que se chocam, no trato com o assunto. 
A quais as principais memórias esse disco lhe remete? 
Curioso e oportuno você perguntar: uma das músicas de letra que dizem ser mais ousada é “Dedo”. Sabe qual é a gênese dela? Eu ficava no meu quarto, na casa de meus avós, e as meninas, em outro aposento, na maior animação, faziam rimas eróticas bem pessoais e atrevidas. Guardei-as na memória, até hoje ouço aquelas vozes e nasceu essa canção. 
Podemos dizer que é um trabalho de certa forma biográfico? 
São bem biográficos os meus discos. A influência do meu momento de vida, que tece o tema, é determinante em todos eles. O mesmo acontece com “Canções Eróticas de Ninar”. 

Como os assuntos abordados nas canções são levados para o show, no palco? 
Cada arranjo musical, cada letra, motivam o palco. Acredito em Grotowski, que criou o “teatro pobre”, isto é, atirando sobre o ator, o performer – no caso, sobre mim, cantor – o sentido de cada peça. Cabe ao corpo, à voz, aos sentidos, a encenação. 
O sexo ainda é um tabu hoje na sociedade. Como você acredita que podemos quebra-lo e passar a encarar o assunto como ele é? Porque ainda precisamos falar mais abertamente sobre sexo? 
Em pergunta anterior eu comentei com você a fusão de sacralidade e vulgaridade contida no sexo. Dar conta dessa dicotomia, expressá- -la em sua verdade ou tentar encontra-la, é de alta complexidade. E a civilização faz do assunto uma cebola, com capas, capas e mais capas: luxo, ultraje, ofensa, acidez, vida, deslumbramento. 
Hoje vemos muitas canções atualmente que tratam da mulher e do corpo feminino como um objeto. Para você, como essa forma de tratar sobre o sexo na música pode ser prejudicial? 
Ao fazer o disco “Canções Eróticas de Ninar”, tomei cuidado para que a mulher não fosse agredida, o que muito acontece ao tratar uma temática sexual. Por mais contundente que sejam as questões sexuais, é muito importante não ferir a mulher, ninguém tem esse direito. 
Sobre suas experimentações com os sons e instrumentos alternativos, como acontece esse processo de criação, algo intuitivo ou fruto de um estudo prévio? 
Penso em trabalho quase o tempo todo, em muitas horas do dia. Ressoam no meu dia, sons e instrumentos que me alcançaram na Escola de Música da Bahia, aquela escola de uma sofisticação ímpar no mundo. Fui aluno de Koellreutter, de Ernst Widmer, de grandes professores-criadores. Eles me preservaram e desenvolveram a coragem da experimentação, de uma curiosidade que já levei pra escola. 
Quais lembranças lhe vêm a cabeça quando lembra de Torquato Neto? 
Ah, Torquato, que saudade! Na época, era a pessoa de quem eu era mais próximo, no grupo. Aquele amigo com quem a gente combina almoçar, com quem as conversas eram longas e estimulantes. Uma vivência que calou fundo nos meus afetos. 
O que ainda falta fazer como artista? Quais os próximos dados que pretende dá na carreira?
É um dom, não saber qual o próximo passo a escolher na carreira. Tenho algumas ideias, o ninho das ideias não costuma se esvaziar, mas não me tire a surpresa, eu também quero saber qual caminho tomar, a seguir.
Por: Yuri Ribeiro
Mais sobre: