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O poeta Bráulio Bessa questiona rótulo de autoajuda

Grupos de família no WhatsApp. Mensagens motivacionais associadas a Bráulio Bessa, 34, também bombam nesse reduto de tiazinhas e tiozinhos.

04/09/2019 10:06

O que este cearense da pequenina Alto Santo, de 16 mil habitantes, tem em comum com Clarice Lispector e Arnaldo Jabor?

Grupos de família no WhatsApp. Mensagens motivacionais associadas a Bráulio Bessa , 34, também bombam nesse reduto de tiazinhas e tiozinhos.

O poeta lembra uma que leu num muro –"Quando o amor pedir um pingo de sua atenção, por favor, chova". "Nunca escrevi isso. Vou dar mais dois anos e, se ninguém reclamar, vou dizer que é meu", brinca.

Ele lança, na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, "Um Carinho na Alma", sua quarta obra de poesia. Só que sua popularidade não vem do papel, mas das redes sociais –e não vamos esquecer da "Fatinha".

O bardo com pegada cordelista é um influenciador literário no Instagram, com 2,8 milhões de seguidores (Paulo Coelho tem 800 mil a menos). Por lá, posta pílulas como esta sobre o fim da visualização das curtidas na rede social: "Relaxe, não enlouqueça/ Talvez assim apareça/ Alguém que lhe curta de verdade".


Foto:Reprodução/Instagram

Fatinha é Fátima Bernardes, com quem postou foto dançando quadrilha de São João. Há quatro anos, ele é convidado fixo no programa dela na Globo, em participações quinzenais. Chegou ali para falar de xenofobia e acabou ficando.

As estrelas da casa correram para dar cinco estrelinhas ao lançamento. Na orelha do livro, elogios de Juliana Paes ("sabe o atalho mais simples para bater fundo no peito da gente!") e Paolla Oliveira ("um ativista da cultura nordestina").

Onde uns veem literatura positiva, outros avistam, com certa má vontade, autoajuda.

Ele estima que dê 25 palestras por mês, muitas para a clientela corporativa. Uma empresa especializada em vender os encontros faz anúncios dizendo que "a cabeça é chata, mas a palestra, não!". Sempre que "essa história de 'ah, é autoajuda'" dá as caras, num tom "meio pejorativo", o cearense diz que se lembra da vez em que uma mulher pediu a palavra durante uma canja sua em Quixadá, no Ceará.

Contou que tinha depressão. Todo dia buscava coragem para se suicidar. O dia chegou. Escreveu cartas de despedida para a mãe e o filho de oito anos. Aumentou o volume da TV no quarto para se matar e ouviu uma voz. Bessa declamava um poema sobre a vida.

"Quando terminou, minha vontade de morrer virou vontade de viver", ele reproduz o que escutou dela. Os pensamentos suicidas se foram, entraram um novo namoro e o forró às sextas. Por isso, sobre quem lhe chama de "coach da alma", Bessa diz: "Tô cagando pra quem tá pensando nisso. Vou lembrar do depoimento dessa mulher".

"Existe preconceito por eu estar na TV, famoso. Mas minha mãe não me pariu no sofá de Fátima", afirma. "Escrevo desde os 14 anos, existe uma trajetória até eu sentar minha bunda naquele sofá."

O poeta faz sucesso sobretudo entre leitores da terceira idade, o que explica suas sessões de autógrafo chegarem a ter fila para idosos. E o fato de versar sobre temas universais o ajuda a driblar a polarização sobre a cultura –o tal do "ame ou odeie" um artista, a depender da inclinação ideológica.

Ele não cutuca o vespeiro político, preferindo falar sobre sentimentos com que direita e esquerda podem se identificar, como ao falar de solidão. "Vez por outra o mundo chama/ E a nossa resposta é não/ Por ter marcado um encontro/ Com o próprio coração."

Lembra que já abordou, inclusive no programa de Fátima Bernardes, ideias caras à agenda progressista. "Tô falando de machismo, de homofobia, dizendo que todo amor é normal. Agora, não vou pegar minha poesia para fazer discurso político."

Nesta entrevista, ele veste uma camisa com estrofes de Lulu Santos queridas pelo mundo gay –"consideramos justas toda forma de amor".

Uma rara piscadela política que se permitiu dar veio no dia da eleição. Postou o retrato da mãe com livros seus. Estava "armada para votar". A referência era a uma campanha de eleitores de Fernando Haddad, do PT, que pedia a todos que se munissem de literatura.

Foi bem na temporada eleitoral que Bessa virou alvo de fake news. Fizeram uma montagem dele, "uma dublagem muito tosca, com sotaque megaestereotipado, eu metendo o pau no PT". Quem acreditou, diz, "é mais tosco do que quem fez".

Não que a internet seja só fonte de sofrência. Foi ela que catapultou a fama deste poeta cansado de ouvir que o que "escreve é bonitinho, mas muito regional". "Beleza, surge internet. Antes a notícia só se fazia chegar, aí o cabra do interior começou a poder mandar de volta."

Foi o que ele fez, em versos que remetem até a "La Casa de Papel". Bessa brinca que a série da Netflix, com assaltantes-heróis chamados por nomes de cidades, de Tóquio a Helsinque, podia até ter um personagem batizado Alto Santo. Do Ceará para o mundo, afinal, sempre foi um plano em seu mapa.


Fonte: Folhapress
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