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Programas partidários, projeto de nação e centralidade do trabalho

Todo partido político tem vocação para governar, ou seja, para disputar o Poder Executivo além do Poder Legislativo.

19/02/2020 11:53

E todo programa de governo – que a lei exige seja registrado na Justiça Eleitoral - pressupõe, implícita ou explicitamente, um Projeto de Nação. Atualmente, as propostas concretas para as políticas públicas das diferentes áreas se agrupam em torno de alguns eixos: crescimento econômico, inclusão ou bem estar social, democracia, sustentabilidade. O Projeto de Nação dá um sentido ao conjunto dessas políticas.

Em artigo publicado em O DIA, na semana passada, falava que, para o PT e de fato para todos os partidos políticos, “alguns novos desafios existem e são de médio e longo prazos: 

1) A revolução da telemática tem forte impacto no emprego, ou seja, no trabalho como fator de integração social, o que é decisivo para os partidos de esquerda... 

2) O respeito ao meio ambiente – a referência para uma nova civilização – não pode impedir que o nível de produtividade e de produção da riqueza garanta um nível razoável de bem estar para as pessoas. 

3) Num mundo globalizado, qual o papel dos estados nacionais na regulação da distribuição da riqueza, nas políticas públicas e nos incentivos ao desenvolvimento?”

O desafio de preservação do meio ambiente tem se tornado o foco do debate na Europa, em torno sobretudo da questão climática, e o Brasil com a Amazônia ocupa lugar central no debate. Voltarei ao assunto.

Nessa semana, gostaria de explorar um pouco mais a questão do lugar do trabalho na integração social.

Fica cada vez mais evidente que a revolução da telemática, cujos símbolos materiais são o computador e o satélite, tem forte repercussão sobre o emprego, a renda e a identidade das pessoas, enfim, sobre a sociabilidade.

É claro que sempre houve heterogeneidade no mundo do trabalho, conforme o nível de desenvolvimento dos países. Basta lembrar a coleta de lixo feita por carros com os garis correndo atrás, como ainda é em Teresina, e a coleta em que carros com guindastes recolhem o lixo depositado em grandes depósitos. Também, não se trata apenas da questão da qualificação profissional que exige um esforço educacional enorme. O problema é mais sério: é o da empregabilidade, ou seja, da redução das oportunidades de emprego com o avanço da tecnologia, em especial da automação e dos comandos virtuais.

De início, o aumento exponencial da produtividade foi visto com otimismo. O bem estar seria massificado, a desigualdade entre as pessoas seria reduzida. Marx mesmo sonhava com a sociedade da abundância, em que “pela manhã vou pescar, à tarde vou passear e à noite leio e escrevo, poesias inclusive” (não é citação, mas a paráfrase é correta). Nos anos 1960, um intelectual de esquerda, que buscava fazer a síntese entre existencialismo e marxismo, André Gorz (romeno que vivia na França) fazia a distinção entre emprego (trabalho compulsório e heterônomo) e trabalho autônomo (de livre escolha e criativo). Gorz evoluiu para a defesa do socialismo ecológico, criticando o produtivismo e o consumismo. Domenico de Massi, na mesma linha, defende o ócio criativo. Aliás, sempre esteve presente nas reivindicações do movimento sindical a redução da jornada de trabalho.

Márcio Porchmann tem retomado o conceito de sociedade pós-industrial, mostrando que a maioria dos empregos está no setor de serviços e que o consumo é cada vez mais de serviços. Mas tudo indica que essa substituição não é suficiente para absorver o trabalho disponível, porque nos serviços também, a informatização reduz postos de trabalho e oferece o auto-serviço (lembremos o que acontece com os bancos).

Temos então que levar muito a sério a possibilidade da redução da jornada de trabalho, tanto na agricultura, como na indústria e serviços.

A perda da centralidade do trabalho exige a construção de outros modelos de previdência e proteção social. O regime de partilha (em que os beneficiários contribuem) precisa ser completado por outro tipo de financiamento, baseado no faturamento que aumenta com a produtividade. Teremos a renda cidadã. Vários países estão evoluindo nessa direção.

A perda da centralidade do trabalho como meio de integração social (Durkheim), abre espaço para a construção da identidade a partir de outras dimensões da subjetividade: gênero, raça, orientação sexual, causas assumidas, etc. Esses novos sujeitos e movimentos sociais não podem cair na “armadilha da diferença” (Flávio Pierutti); seu reconhecimento passa pela mediação da cidadania. Ou seja, do lugar da Nação como comunidade política constituída a partir de pactos, de direitos e do imaginário social.

Para concluir: “Na medida em que a grande indústria se desenvolve, a criação de riqueza efetiva torna-se menos dependente do tempo de trabalho e do quantum de trabalho utilizado do que do poder dos agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder que não mantém relação com o tempo de trabalho imediato demandado por sua produção, mas depende muito mais do estado geral da ciência e do processo da tecnologia, ou seja, da utilização dessa ciência na produção” (Giannotti, p.289).

“O trabalhador converte-se no mero órgão consciente distribuído em diversos pontos de um processo objetivo, unificado pela complementaridade de suas partes, cuja produtividade parece criar a medida daquilo que a sociedade produz. Assim se inverte a relação de sentido do trabalho vivo com o trabalho morto” (Giannotti, p. 215).

Essas citações são de Marx nos manuscritos Elementos Fundamentais da Economia Política (Grundisse), redigidos em 1858 e publicados em 1939. Estão no livro de José Arthur Giannotti – Uma Certa Herança Marxista. São as consequências lógicas da incorporação da ciência como força produtiva, percebidas por Marx, “cem anos antes delas se tornarem efetivas e assustadoras”, como diz Giannotti.

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