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Perímetros irrigados: emancipação e/ou PPP

Confira o texto publicado na coluna Piauí Presente na edição desta terça-feira (6) no Jornal O Dia.

06/08/2019 08:55

Mais uma vez um Presidente da República visitará o Perímetro Irrigado dos Tabuleiros Litorâneos, em Parnaíba-Buriti dos Lopes. Na última visita presidencial, em 2018, foi anunciada a dotação de R$ 54 milhões; não tenho informações sobre a liberação.

Mais uma vez, o sonho voltou: agora é a “Nova Petrolina”; já foi a “Nova Califórnia”, com frutas produzidas a mão cheia. Com certeza, no clima de polarização ideológica, será lembrado o “milagre da irrigação em de Israel”. Aliás, uma obra admirável que ainda mantém seu espírito cooperativo dos kibutz.

O Censo Agropecuário de 2017 registrou apenas 32.982ha irrigados, ou seja, 2% dos 1.596.109ha usados pelas lavouras permanentes e temporárias no Piauí.

São seis os Perímetros Irrigados do DNOCS no Piauí: 1) Fidalgo, em Simplício Mendes; 2) Caldeirão em Piripiri; 3) Lagoas do Piauí, em Luzilândia; 4) Gurgueia, em Alvorada do Gurgueia; 5) Platôs de Guadalupe, em Guadalupe e 6) Tabuleiros Litorâneos, em Parnaíba/Buriti dos Lopes.

Nos seis perímetros, já estão ocupados por produtores 7.141 hectares, ou seja, 22,24% dos 32.096 hectares de área irrigável dos perímetros. Como as áreas coincidiram (32 mil ha), a área irrigável do DNOCS corresponde também a 22% da área irrigada no Piauí. Parece muito, mas é a nossa irrigação que é pouca.

O que chama logo a atenção é a demora na implantação da estrutura de irrigação e da entrega aos produtores. O perímetro do Fidalgo é de 1969, 50 anos e o do Caldeirão é de 1971, 48 anos. A implantação do Caldeirão (398ha) já foi concluída; no Fidalgo (470ha), falta implantar 159 hectares.

Os dois outros “antigos” enfrentam problemas: Lagoas do Piauí, de 1972 (47 anos de implantação), ainda não implantou estrutura de irrigação para 79,9% de seus 2.335 hectares. Aliás, tenho informação de que as terras já estão ocupados por pequenos agricultores familiares. O perímetro do Gurguéia, de 1975 (44 anos de implantação), ainda não implantou estrutura para 66,70% de seus 5.929 hectares.

Os perímetros “novos” (?) vão pelo mesmo caminho: Platôs de Guadalupe (1987, 32 anos, com 14.957ha) e Tabuleiros Litorâneos (1980, 30 anos, com 8.807ha) ainda têm por implantar estrutura para 86,56% e 69,16% de suas respectivas áreas irrigáveis.

É por isso que fica sempre a pergunta quando se anuncia uma nova “dotação” para os perímetros, sobretudo Platôs e Tabuleiros, os maiores, à margem do Parnaíba, e com grandes investimentos já feitos: Quais os recursos necessários para concluir a estrutura? Qual o cronograma de desembolso previsto? A impressão que fica é que as liberações dependem do prestígio junto à Presidência da República ou ao Ministério do “político da vez”. E esse tipo de liberação, em geral, se associa ao clientelismo político. Fico triste porque parece que, nos governos petistas, a coisa não foi muito deferente.

A concepção dos perímetros irrigados do DNOCS é boa, é como a dos assentamentos do INCRA: nasceram para um dia “acabar”, mudar de status. Os “colonos” ou irrigantes e assentados terão suas terras emancipadas e tituladas. Com tanta demora, essa meta final vai perdendo sua força motivadora.

E aqui se coloca um novo problema, que implica uma opção política que tem implicações não só técnicas (produzir), mas sociais e até éticas: para quem é oferecido a estrutura que envolve tanto dinheiro público?

De início, todos os beneficiários deveriam ser agricultores familiares que passariam a produzir para o mercado e com condições de ter uma dupla safra anual ou mesmo colheita permanente, vencendo a pobreza e – o mais importante – demonstrando a possibilidade de convivência produtiva com o semiárido.

Em etapa posterior, a legislação permitiu e incentivou a mobilização de engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas como produtores. Uma ótima ideia, pois sua presença teria uma efeito-demonstração ou mesmo de atuação sistemática junto aos demais irrigantes.

Dos seis perímetros do Piauí, apenas o do Gurgueia tem 3 técnicos agrícolas e 3 agrônomos como irrigantes e o dos Tabuleiros litorâneos tem 6 agrônomos como irrigantes. Esses produtores, nos dois perímetros, ocupam 129,50 hectares, uma média de 10 hectares por produtor.

Nos anos recentes, a partir do Governo Fernando Henrique e mantida nos governos petistas e até hoje, abriu-se a possibilidade para participação de empresas nos perímetros irrigados. No Piauí, temos a presença de empresas nos perímetros do Gurgueia, Platôs de Guadalupe e Tabuleiros Litorâneos. No Gurgueia, são apenas duas empresas, ocupando 87 hectares. Mas, nos Platôs, já são 14 empresas e nos Tabuleiros já são 17. Nos Platôs as empresas usam 1.529ha e os 186 pequenos produtores usam 480ha; nos Tabuleiros, as empresas usam 1.621ha e os pequenos produtores usam 541hs.  E essa concentração de trra nos perímetros tente a aumentar.

Essa política pública precisa ser fundamentada. Vai acelerar o aumento da irrigação e com certeza aumentará a produtividade. Mas, é uma ótima oportunidade de justiça social produtiva no campo que se perde. E sobretudo precisa ser repensado o sentido do investimento público. Tem sentido investir sem contrapartida na estrutura de irrigação para entregá-la a empresas e, algumas delas, grandes empresas do agronegócio como a Terra Cal e a Progresso, nos Platôs.

Precisamos acelerar as coisas; elas vêm se arrastando por 30, 40, 50 anos até. Seria interessante reservar um percentual da área (60 a 75%) para pequenos e médios produtores, dando-lhes as condições de crédito e assistência técnica efetiva, focada e não ineficiente como tem sido. E para o restante, pensar em algum tipo de Parceria Público-Privada com contrapartida no próprio investimento que falta nos perímetros.

Será que vai ser anunciada alguma coisa em Parnaíba?

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