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O futuro será verde ou não será

Confira o texto publicado na coluna Piauí Presente no Jornal O Dia.

15/10/2019 08:35

Está acontecendo o Sínodo da Amazônia, no Vaticano. Três temas em discussão: floresta amazônica, povos indígenas e mudanças canônicas na Igreja (padres casados) para potencializar a ação pastoral na região. Esse último tema gera uma forte polêmica interna na Igreja, pois com certeza será cobrada a extensão da medida para outras regiões ou mesmo como regra geral. 

O Sínodo foi convocado em 2017; sua convocação não foi motivada pela mudança da política ambiental no Brasil, com a posse do atual presidente em janeiro de 2019, como têm espalhado fakenews. É decorrência da preocupação do Papa Francisco com a questão ecológica manifestada em sua encíclica de 2015, LAUDATO SI (Louvado Seja), palavras iniciais do Cântico de São Francisco: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra”. O subtítulo da Encíclica é “Cuidado com Nossa Casa Comum” e a visão que a inspira é a da Ecologia Integral (ambiental, econômica, social, cultural) que precisa estar presente na vida cotidiana. 

Fatores conjunturais não devem ser vistos como mero acaso, mas como sintomas da gravidade da questão ambiental. Refiro-me às queimadas na Amazônia, fenômeno que se repete a cada ano no Brasil e nos países amazônicos, e também no Cerrado e no Semiárido; têm a ver com a estação seca. Mas, há evidências de que este ano houve um grande aumento das queimadas, associada ao aumento do desmatamento, porque há sinalização de relaxamento na política ambiental.

É o caso também da Cúpula sobre a Ação Climática da ONU, às vésperas da Assembleia Geral anual da entidade, no final de setembro; e que foi ampliada simbolicamente com a Cúpula da Juventude pelo Clima e foi situada no contexto da campanha mais ampla da ONU pelos ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. A Cúpula, como encontro de governantes, organizações da Sociedade Civil e cientistas, já estava prevista desde a assinatura do Acordo do Clima em 2015, em Paris. Não tem pois a ver com a polarização política que vivemos hoje no Brasil, nos Estados Unidos e alguns outros países com governos assumidamente de Direita.

Pelo contrário, a mudança da política ambiental no Brasil é que está se mostrando como dissonante de uma preocupação mundial.

É claro que a questão ambiental é complexa e são legítimas as várias posições sobre seu alcance e sobre as posturas e medidas concretas a adotar pelos governos e pelas pessoas. Mais uma vez, é o debate democrático e fundamentado (que apresenta dados e argumentos) que deve ser estimulado. 

A começar pela questão do desenvolvimento. Diante da grande pobreza ainda existente em muitos países, dos limites do bem estar para parcelas consideráveis da população, não dá simplesmente para defender o “Crescimento Zero” ou mesmo o “Decrescimento”. Este é o sentido da defesa do Desenvolvimento Sustentável para o Piauí e o Brasil, país em desenvolvimento e para os países subdesenvolvidos.  Estão em jogo ainda o atendimento de necessidades vitais mínimas, o acesso a certos bens e serviços que garantam condições decentes de vida, enfim, o respeito ao status da cidadania e dos direitos que isso implica.

Por outro lado, os processos naturais envolvidos na questão ecológica são de longo prazo, o que abre espaço para divergências nas predições. Isso permite também que “se vá empurrando com a barriga”, na esperança de que a ciência encontrará soluções. Estamos vivendo um momento de virada em que a incerteza certamente reduzirá o grau de esperança ou de otimismo. 

A questão do clima é uma dessas questões de longo prazo. O Acordo de Paris prevê que a temperatura média da terra pode aumentar 3â—¦ Celsius até 2100; e são propostas medidas para reduzir esse aumento para 2â—¦ ou mesmo 1,5â—¦. Mesmo que haja contestação dos números e do impacto desse aumento de temperatura, é sensato procurar reduzir a emissão de carbono e seu efeito estufa. 

 A questão da superpopulação está teoricamente equacionada. A tendência é haver uma redução da taxa de natalidade com o aumento da escolaridade. Os países desenvolvidos – e o problema já se coloca para o Brasil – é, pelo contrário, a baixa taxa de crescimento demográfico, que pode não repor a população. Estamos crescendo a menos de 1% ao ano no Brasil; no Piauí, essa taxa cai para 0,6% pelo saldo negativo da migração.

O esgotamento dos recursos naturais precisa ser qualificado. Há limites de certos recursos, como o petróleo; alternativas podem ser buscadas. Uma coisa é certa, porém: não dá para estender o padrão de consumo dos países desenvolvidos para o conjunto da Humanidade. É claro que pode aumentar a produtividade e pode haver mudanças de hábitos (de alimentos naturais por substâncias sintéticas), mas o consumismo tem consequências outras que só mudanças civilizatórias resolverão.

Alguns problemas concretos já são bem estudados. O problema torna-se mais sério, pois a adoção de políticas públicas corretas e a disponibilidade de recursos financeiros não parecem suficientes; é como se tivéssemos “enxugando gelo”. É caso da poluição e do saneamento em grandes cidades. O tratamento do lixo e o gigantismo das redes de água e esgoto criam problemas sérios de tratamento, de ordenamento espacial e de mobilidade. A vida vai ficando insuportável, o que exige mudanças no estilo de vida.

Quando se fala em estilo de vida, em padrão de consumo chegamos a questões que não são técnicas ou mesmo ideológicas. Têm a ver com paradigmas, com valores, com motivações e comportamento cotidiano. Em suma, têm a ver com civilização. 

É nesse nível que o Papa Francisco coloca a questão em sua encíclica: o nível dos valores, das instituições, da cotidianidade, ou seja, da civilização. Ele fala da cultura do cuidado, de espiritualidade, da civilização do amor – vale a penas voltar a essas ideias.

Fonte: Antonio José Medeiros - Sociólogo, professor aposentado da UFPI
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