Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

Mulheres e Política: Lições de Valença do Piauí

Confira o texto publicado na coluna Piauí Presente no Jornal O Dia.

01/10/2019 08:14

Repercutiu nacionalmente o julgamento pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de uma ação judicial que teve início na comarca de Valença do Piauí sobre a “falsidade ideológica” em relação à cota de mulheres na chapa de uma coligação, nas eleições de 2016. O Ministro-relator referiu-se ao caráter “exemplar” da decisão. E com certeza nas próximas eleições, ações judiciais com esse conteúdo se multiplicarão, a não ser que a lição seja aprendida antes. 

Fiz uma pesquisa sobre situações semelhantes em outros municípios do Piauí. De 10.836 candidatos/as registrados/as para disputar o cargo de Vereador(a) em 2016, 411 (3,8%) tiverem zero voto e 273 (2,5%) tiveram um voto. Dos primeiros, 313 ou 76% eram mulheres; e dos segundos, 232 ou 84% eram mulheres.

Confirma-se o esperado: a grande maioria dos ou das candidatos/as que tiveram zero ou um voto são mulheres. E a explicação também é corrente: trata-se de mero registro de candidatura para cumprir a exigência legal de 30% de mulheres candidatas. 

É bom fazer um distinção. São candidatas “cartoriais”, mas não necessariamente “laranjas”. As candidatas “laranjas” que foram usadas para apropriação de parcela do Fundo Eleitoral por elas ou por dirigentes partidários ou outros candidatos é um fenômeno das eleições estaduais e federais de 2018, quando passou a existir o Fundo Eleitoral; e é uma possibilidade para as eleições municipais de 2020. 

O caso de Valença do Piauí não é o mais grave, em termos quantitativos. Dos 63 candidatos a vereador no município, apenas uma candidata teve zero voto e apenas duas candidatas tiveram um voto. O objeto da ação é “qualitativo”, o registro de candidatas que não são pra valer, que não farão campanha. 

No Piauí, 129 municípios tiveram candidatas com zero voto e 122 municípios tiveram candidatas mulheres com apenas um voto. Em Teresina, foram 17 mulheres com zero voto e 12 com um voto; em Parnaíba, apenas uma com zero voto e nenhuma com um voto. Parabéns! Ainda com zero voto tivemos 9 candidatas em Campo Maior, 7 em Floriano e 4 em Picos. 

Alguns pequenos municípios chamam a atenção: em Bom Princípios do Piauí, foram 48 os candidatos(as) a vereador; oito mulheres tiveram zero voto. Em Nossa Senhora dos Remédios foram sete mulheres com zero voto no total de 45 candidatos(as) e em Aroeiras do Itaim foram também sete no total de 33 candidatos(as).

A questão não é simplesmente aritmética; e seu aspecto principal não é a legalidade. É claro que a lei das cotas faz sentido até chegarmos a um momento em que a igualdade de social, profissional e cultural entre homens e mulheres sirvam de suporte à igualdade da representação política, sem precisar de suporte legal. Mas até lá a lei ajuda.

Nessa perspectiva, considerando a existência do Fundo Eleitoral, é justa a decisão que valerá para as próximas eleições de que 30% do Fundo seja destinado a candidatas mulheres. Vamos terminar aprendendo que Fundo Eleitoral só muda a política se for não para comitês de candidatos individuais, mas para a gestão coletiva dos Partidos e com votação em lista. E o povo vai entender isso, em três ou quatro eleições mais. 

A questão levantada pela ampliação da participação das mulheres na representação política mostra muito claramente que precisamos aperfeiçoar nossa legislação eleitoral, mas precisamos sobretudo mudar a estratificação social de grande desigualdade que predomina no Brasil e no Piauí. O que se faz conjuntamente com uma mudança cultural, de mentalidade, em que a educação desempenha um papel estratégico. O comportamento dos eleitos só vai mudar quando houver mudanças substanciais no comportamento dos eleitores. 

A cláusula de barreira, ou exigência de percentual mínimo de votos para um partido ter representação, já começou a funcionar. Vamos ter um número menor de partidos, o que contribui para organizar a disputa político -ideológica. A proibição de coligações também ajuda; os partidos vão ganhar mais identidade junto aos eleitores, o que vale mais que uma legislação cobrando fidelidade partidária. 

Mas é a educação combinada com a melhor distribuição de renda que vai acabar com o clientelismo, com o voto de favor ou o voto comprado, condição da verdadeira mudança em nossa política. Aliás, essa é a razão principal do “caixa dois”, uma porta aberta para a corrupção pura e simples. 

É nesse contexto mais geral que se coloca a questão da representação das mulheres, das diferentes etnias e raças, das diferentes visões religiosas, etc. E não resta dúvida que, por constituírem “a metade do céu”, a representação das mulheres é a que mais simboliza a mudança profunda de nossa política, como expressão de uma mudança social e cultural. Valeu a lição de Valença do Piauí!

Mais sobre: