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Fortalecimento dos municípios e o federalismo cooperativo

Confira o texto publicado na coluna Piauí Presente no Jornal O Dia.

13/11/2019 10:19

Nossa Constituição de 1988 tem três grandes pilares: os direitos do cidadão, o estado do bem estar social, o federalismo.

Os direitos do cidadão, grande sinal da ruptura com o regime autoritário, estão hoje sob ameaça. É expressa a intenção e são visíveis as tentativas de caminhar do estado de exceção para o estado autoritário. A Resistência é o caminho inverso; e passa pela superação da polarização político-ideológica. Política se faz pela disputa entre adversários considerados sempre como cidadãos; o confronto entre inimigos leva potencialmente à violência e à coerção. Jogar sempre o jogo democrático, mesmo contra as tentativas autoritárias.

O estado do bem estar social, desde 2015, antes mesmo de se consolidar, vem sendo enfraquecido. É a grande disputa política atual; tem a ver com indução ao crescimento econômico, geração de emprego, distribuição de renda, oferta de serviços públicos. A renda per capita do Brasil está se reduzindo, a população nos níveis de pobreza extrema e relativa está crescendo. O mercado sozinho não resolve alguns problemas. Todo estado democrático moderno promove políticas sociais que cria tensões que se manifestarão de modo ordenado ou desordenado.

O federalismo continua legitimado; o desafio é superar alguns impasses que vêm se reproduzindo ao longo dos anos. É nesse contexto que deve ser debatida a proposta de fusão de municípios com menos de 5.000 habitantes e que não tenham o percentual de 10% receita própria

No final dos anos 1980, no mundo todo, crescia uma grande onda de descentralização. Na perspectiva dos neoliberais, descentralizar era desconcentrar o poder de intervenção do Estado, tanto nos estados unitários como nos estados federais. Na perspectiva democrática e assumida por parte da esquerda, descentralizar era abrir espaço para a participação popular, para o protagonismo de um número bem maior de cidadãos. Na visão municipalista tradicional da política brasileira, era garantir o espaço de dominações familiares e clientelistas. Todos queriam o seu federalismo

A solução proposta pela Constituição foi boa: o federalismo cooperativo. Isso implica descentralização fiscal e articulação dos entres federados – União, Estados, Municípios – na implementação e mesmo na formulação de políticas públicas.

Oscilamos entre a centralização e descentralização fiscal, com iniciativas da União, através de contribuições não-partilhadas, de aumentar sua participação nos tributos. O FPE e o FPM, bem como os fundos de desenvolvimento (FNO, FNE, FCO), continuam sustentando a estrutura básica da descentralização fiscal. Muito cuidado com as desvinculações propostas pelo Ministério da Economia.

Os três sistemas nacionais de política pública – SUS na saúde, SUAS na assistência social e FUNDEB/PNE na Educação – têm sido os principais instrumentos do federalismo cooperativo. Sobretudo o FUNDEB está em perigo; precisa tornar-se um fundo constitucional permanente e não ser diluído numa vinculação constitucional conjunta de recursos para a educação e a saúde. Enquanto não universalizarmos a escola em tempo integral, não teremos a qualidade necessária na educação pública. Não tem sentido desvincular recursos para a educação enquanto não atingirmos esse patamar.

No federalismo cooperativo, o desfio maior tem sido a capacidade dos municípios de atuarem como entes federativos autônomos e equipotentes. A equipotência pode ser uma cilada. É um equívoco achar que Borá/SP (837 habitantes) tem a mesma autonomia e desempenhar as mesmas tarefas que o município de São Paulo (12.252.053 habitantes) ou que Miguel Leão (1.246 habitantes) tenha as mesmas atribuições que Teresina (864.645 habitantes).

É preciso avançar nas articulações territoriais, na forma de consórcios ou em outras formas, mas envolvendo os Municípios e cada Estado, com apoio da União.

Por outro lado, é preciso amadurecer qual a melhor forma da divisão administrativa do trabalho entre Estados e os Municípios, considerando a diversidade destes. As competências precisam ser transferidas diferencialmente, conforme a capacidade administrativa de cada município.

As experiências nas áreas de educação, saúde e assistência social, apesar de todas as deficiências ainda existentes, têm avançado.

O desafio é na área econômica, no incentivo à produção e comercialização para reduzir a dependência de transferências de recursos, seja da previdência, seja das políticas sociais. Hoje já está claro para técnicos e gestores que o desenvolvimento endógeno local ou municipal têm suas limitações. É preciso articular municipal, nacional e global. E o nível estadual da federação, onde predominam os municípios pequenos e médios, tem um papel estratégico nesse processo.

A questão do tamanho da população é importante, mas são sobretudo as questões estruturais que tornam um município não só viável, mas funcional do ponto de vista administrativo e sócio-econômico. E, com certeza, o avanço social e cultural ajuda a democratização do chamado poder local.

Fonte: Antonio José Medeiros - Sociólogo, professor aposentado da UFPI
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