Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

Estratégia: ciclo ou modelo?

Confira o texto publicado na coluna Piauí Presente no Jornal O Dia.

27/08/2019 08:10

Na análise da evolução econômica do Brasil, duas categorias são utilizadas com frequência: a de ciclo e a de modelo, às vezes tomadas até como sinônimos.

A historiografia econômica destaca os ciclos do pau-brasil, do açúcar, do ouro, do café e da industrialização. Os modelos destacados são o primário-exportador (que contempla o agro e o mineral) e o de industrialização pela substituição de importações. Em nível nacional, após a crise desse último modelo, no final dos anos 1980, ainda não se consolidou um novo modelo bem caracterizado e que tenha recebido uma denominação consensual. As baixas taxas de crescimento do PIB são o sintoma dessa ausência de modelo que dê um rumo à economia.

No caso do Piauí, tivemos o ciclo da pecuária (ou do gado) e o ciclo do extrativismo (da maniçoba, carnaúba e babaçu). O primeiro ciclo oscilando entre subsistência e integração subsidiária na economia nacional e o segundo ciclo com as características dos modelos primário-exportadores secundários que foram vários no Brasil (borracha na Amazônia, cacau na Bahia, mate no Paraná). Desde a crise desse último modelo, nos anos 1960, o Piauí se debate entre a integração passiva ou reflexa na economia nacional e uma desafiadora integração ativa.

No Brasil, avançamos para a complementação do processo de substituição de importações industriais, implantando o setor de bens de consumo duráveis (Juscelino) e dos bens de capital e insumos (PND, com Geisel e Reis Veloso). Ao mesmo tempo, desde Juscelino, combinamos a participação de empresas nacionais, estatais e multinacionais no comando do processo de acumulação. Houve também uma “industrialização” da agropecuária (EMBRAPA) e da mineração, embora essa com atrasos no uso de tecnologias mais seguras e sustentáveis (ver Mariana e Brumadinho). 

 Desde a eleição de Collor, oscilamos entre um novo modelo de integração na globalização e um modelo mais centrado no mercado interno e na inclusão social, embora esse último seja também compatível com abertura econômica. No atual governo, há uma forte ofensiva rumo à integração na globalização, com fortes tendências para a integração subordinada. Corremos o risco de não reverter o processo de desindustrialização e de voltarmos ao modelo primário-exportador, agora com um alto nível tecnológico.

No Piauí, o modelo de integração passiva exige transferências de recursos federais para alimentar o consumo do que é produzido fora (cerca de 55% do que consumimos). Nesse tipo de integração, os setores “dinâmicos” são o comércio e os serviços (44% do PIB estadual), em especial os serviços públicos (32% do PIB). 

Nos últimos anos, temos duas áreas com investimentos externos: agronegócio de soja e milho e energias renováveis. O impacto do agronegócio é visível na economia, embora concentrado geográfica e socialmente. O impacto das energias renováveis na economia interna do Piauí ainda não está bem delineado. E a mineração está nos “entretantos”; vamos esperar os “finalmente”.

 As crises, tanto a do Brasil como a do Piauí, apontam para a complexidade da economia quando atinge um certo grau de integração interna e externa e de uso mais intensivo da tecnologia. Não há mais lugar para ciclos que tenham um único setor como carro chefe do crescimento econômico continuado.

O importante é ter consciência da complexidade dos novos modelos em duas dimensões: a diversidade dos setores dinâmicos (na agropecuária, na indústria e nos serviços) e a necessária articulação entre os âmbitos interno e externo da economia. No caso do Piauí, um estado federado, o interno-externo acontece simultaneamente no âmbito nacional e internacional. Essa deve ser a diretriz de uma boa estratégia de desenvolvimento.

No Piauí, os setores em que o grande capital está investindo, já citados acima, têm seu papel na estratégia; ajudam inclusive na integração externa.

Mas temos que pensar no reforço da produção interna, seja na agropecuária de pequeno e médio porte, seja na agregação de valor a esses produtos. A SEFAZ tem o mapa do que importamos e exportamos. O comércio atacadista, tendo a CEASA e os grandes supermercados como intermediários, ajuda a completar o mapa. Cabe um esforço mais sistemático de “substituição de importações” em alguns setores que se mostrarem mais viáveis e socialmente integrativos. 

Lembro o caso da produção interna de leite longa vida. Ou o potencial da ovinocaprinocultura. O Nordeste tem 70% do rebanho de caprinos e o Piauí tem o segundo maior rebanho, atrás apenas da Bahia. O Nordeste tem 53% do rebanho de ovinos; e o Piauí é o quarto maior rebanho do Brasil, atrás da Bahia, Rio Grande do Sul, e Ceará. 

Por fim, só podemos falar em “estratégia de desenvolvimento” para um modelo de integração ativa e diversificado se houver uma articulação entre setor privado (estadual, nacional e internacional) e setor público (estadual, municipal e federal). 

A ofensa neoliberal do governo federal não ajuda muito. O que exige um protagonismo maior dos governos estaduais na área econômica e não só da oferta de serviços públicos; sem rupturas e sem deixar de insistir no federalismo cooperativo. A articulação dos governadores do Nordeste é importante. O desafio é envolver os municípios nesse esforço, o que exige criatividade e mudança de mentalidade dos gestores municipais para acreditar no potencial local.

É nessa perspectiva que devem ser vistos os contatos com investidores externos. O Banco dos BRICS começa a atuar no Brasil; é uma nova frente de apoio. 

E o debate democrático tornará a estratégia mais transparente e criará sinergias. É esse debate que também calibrada a estratégia de desenvolvimento pela incorporação dos interesses dos assalariados e pequenos produtores, ou seja, dos cidadãos e cidadãs.

Fonte: Antonio José Medeiros
Mais sobre: