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Combate à pandemia do coronavírus: pilares de uma política pública

Antonio José Medeiros - Sociólogo, professor aposentado da UFPI

01/04/2020 21:02

Pouco a pouco, o Brasil vai equacionando uma Política Pública de enfrentamento à pandemia do coronavírus, apesar de posturas irresponsáveis de setores do governo federal e da desenfreada ambição de alguns megaempresários.

Essa política se assenta em quatro pilares: o isolamento social, a imunidade pessoal, a proteção social e a comunicação virtual.

O isolamento social é o “fique em casa”; tem sido estimulado e regulamentado legalmente. Sair o mínimo possível, evitar aglomerações, usar máscaras, etc. Aquela faixa nas farmácias que separa o cliente dos atendentes e dos caixas é um bom exemplo.

A imunidade pessoal é um verdadeiro aprendizado: lavar as mãos, usar álcool gel, tomar bastante água, cuidar da alimentação, etc. São muitas as orientações, as dicas; um certo discernimento é preciso. E infelizmente, nem todas as famílias têm condições de cumprir o que seria desejável.

Aqui começa a proteção social, que é o contraponto necessário às consequências econômicas do isolamento social. É o núcleo central da política pública, da necessidade de intervenção do estado para compensar as limitações do mercado, ou melhor, do capitalismo mercantil, sobretudo em sua versão neoliberal.

É esse pilar que está sendo construído agora, pois a proteção social ainda vem sendo praticada pela solidariedade comunitária de inúmeros grupos que estão provendo alimentação pela distribuição direta ou através de cestas básicas. O clima de Semana Santa ajuda. 

A Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram a lei que garantirá um auxílio emergencial de R$ 600,00 por três meses. A proposta inicial do governo era de R$ 200,00; a presidência da Câmara propôs R$ 500,00 e a Esquerda e Centro-Esquerda pressionaram e o benefício foi acrescido em mais R$ 100,00.

A renda dos servidores públicos e dos aposentados, pensionistas e beneficiários do BPC não sofrerá interrupção. As dificuldades de cumprir o pagamento destas folhas já existe para estados e municípios. E aqui a realidade contaria em mais um ponto os dogmas neoliberais; empréstimos de endividamento público são justificáveis em situações de emergência. E o Governo Federal precisa comandar esse processo que inclui repasses extras a estados e municípios, em forma de transferência suplementar ou de empréstimo. 

Os assalariados do setor privado combinarão a negociação da escala de trabalho com trabalho em casa. O ideal é não haver redução de salário, e o poder público pode assumir parte do salário ou garantir linhas especiais de financiamento às empresas e flexibilização da carga tributária.

A inovação da política agora aprovada está na inclusão entre os beneficiários do auxílio emergencial dos trabalhadores autônomos e informais, dos desempregados e dos que recebem bolsa-família. O número de trabalhadores informais no Brasil cresceu bastante. Não é só a fraqueza da taxa de crescimento do PIB; é também a precarização dos diretos trabalhistas. Os autônomos são “batalhadores”; alguns conseguem renda acima do salário mínimo. Mas numa situação de isolamento social eles precisam de ter a proteção emergencial. 

Por que a proteção social pode funcionar no Brasil, numa situação de emergência? Porque desde a Constituição Federal de 1988 nós estamos construindo Sistemas Nacionais de Política Pública, na área da saúde (SUS), da educação (FUNDEB e PNE) e da assistência social (SUAS), que se somam ao federalismo fiscal com os fundos constitucionais: o FPM – Fundo de Participação dos Municípios e o FPE – Fundo de Participação dos Estados.

A crise do coronavírus veio mostrar explicitamente a necessidade de uma política pública estruturada. É uma posição política equivocada, um falta de sensibilidade social, uma irresponsabilidade administrativa o desmonte dessas políticas que vem sendo praticado no Brasil pelo novo governo. 

O auxílio emergencial vai funcionar logo a partir de abril porque temos o Cadastro Único da Assistência Social, o NIS – Número de Identificação Social, temos o cartão do Bolsa Família, o CAGED – Cadastro Geral de Emprego que permite controlar quem tem carteira assinada, o cadastro dos MEI – Microempresários Individuais. As pessoas apresentam seus documentos aos órgãos competentes; as pessoas vão direto ao banco. As coisas têm tudo para funcionar.

O pilar da comunicação virtual é o outro contraponto ao isolamento social. Já estava em curso antes da pandemia o tele-trabalho ou trabalho em casa (home office), em que as pessoas, sobretudo do setor de serviços e administrativo podem trabalhar pelo computador ou mesmo pelo celular, esse minicomputador. As tele ou vídeos conferências já funcionam há algum tempo; mas são mais funcionais para difusão de informações orientações; ainda amarram a discussão. Agora está se difundindo o aplicativo zoom que permite pelo celular ou computador que a conversa flua mais livremente, com maior participação dos que entram na “sala de reunião”.

Sei que a remuneração dos que recebem benefícios é pequena, do salário mínimo para baixo. Mas está na hora da inclusão bancária avançar e o cartão não ser usado apenas para sacar o dinheiro; está na hora do cartão de saque ser também um cartão de débito. Muitos jovens filhos de classe média têm uma mesada bem menor que o salário mínimo e usam cartão de débito.  Muitos beneficiários dos programas sociais, sobretudo os mis idosos, terão dificuldade de usar o cartão de débito, mas com certeza uma parcela significativa tem habilidade pra isso. Essa não deixa de ser mais uma dimensão da comunicação virtual.

Vale dar um destaque especial ao sistema de saúde. Em primeiro lugar, o IDHM da Longevidade tem tido melhor desempenho que o IDHM Renda e Educação. Tem a ver com o PSF, os Agentes Comunitários de Saúde, as campanhas de vacinação e combate a doenças específicas (câncer na mama, da próstata, etc.). 

O gargalho é o atendimento ambulatorial e hospitalar, com sua demora e as litasde esperas; com a falta de leitos. Apesar de ter aumentado o número e o nível de qualificação  entre os profissionais da área de saúde. O desafio é disponibilizar esses serviços para os municípios menores e mais distantes da capital. No combate ao coronavírus essa qualificação tem sido testada. E se percebe que os profissionais se sentem desafiados, o que os motiva para uma maior dedicação, que todos reconhecemos. 

Não resta dúvida de que o SUS com seu sistema de encaminhamento é um boa equacionamento da questão. Ainda não é uma boa solução porque avançamos muito lentamente na descentralização para hospitais regionais com até alta complexidade e hospitais sub-regionais com média complexidade. Os consórcios intermunicipais de saúde podem desempenhar um grande papel nesse processos. Os consórcios são uma prática bastante difundida nos estados da Região Sul do Brasil, sobretudo. O Piauí precisa avançar nesse caminho.

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