Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

A morte lenta das vítimas de feminicídio

Feminicidas matam a auto estima da mulher, as relações afetivas, a capacidade de reação. Fazem a alma das vítimas sangrar, para depois sangrarem o corpo

01/11/2017 13:43

Durante muito tempo, o word não reconhecia a palavra feminicídio. Ficava aquela linha vermelha, indicando que havia algum erro ortográfico. Mas, hoje, a linha vermelha não apareceu. É assustador constatar que a frequência com que temos noticiado esses crimes, tornou a expressão comum.

Só que a palavra feminicídio não dá conta da morte lenta que as vítimas sofreram. O atestado de óbito, com dia e hora em que o crime foi consumado, também não. A Camilla, a Iarla, a Francisca, a Hettyany, e mais centenas de mulheres que foram assassinadas pelo machismo, morreram ainda em vida. Foram definhando um pouquinho a cada dia.

Acredito que o feminicídio é um dos crimes mais premeditados que existe porque, antes de matar a mulher, os feminicidas matam a auto estima dela, as relações afetivas, a capacidade de reação. Fazem a alma das vítimas sangrar, para depois sangrarem o corpo.


Edição de 1º de novembro do Jornal O DIA

Essa não é uma reflexão muito difícil de fazer, mas parece que a sociedade se sente mais confortável em não considerar as consequências emocionais dos relacionamentos abusivos. Fácil mesmo é julgar as vítimas, mesmo depois que elas já não podem se defender.

As perguntas mais frequentes a cada novo caso de feminicídio demonstram a insensibilidade para perceber o verdadeiro culpado pelo crime. Por que ela aguentou tanto tempo? Por que não denunciou? Por que estava com ele? Por que deixou a situação chegar a esse ponto? Por que...

A cada vez que alguém faz um comentário desse tipo, morre uma criança chamada empatia. Culpar a inércia de quem está dentro de um relacionamento abusivo é a opção mais simplista e, por que não dizer, desonesta.

A sociedade acha que as mulheres devem se colocar em uma condição de fragilidade; incentiva elas a namorarem, porque entende que, sozinhas, não conseguem ser felizes; estimula o perdão ao namorado, mesmo quando as atitudes dele são questionáveis; considera o ciúme uma prova de amor.

São essas atitudes frequentes que reforçam os comportamentos machistas. E são esses comportamentos machistas que alimentam a certeza da superioridade, do poder e da posse do homem sobre a mulher. Está aí a linha de produção do feminicídio.

Fonte: Nayara Felizardo
Mais sobre: