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"œCensura pedagógica" depõe contra o desenvolvimento dos estudantes

Não parece ser essa a maneira apropriada para formar cidadãos mais conscientes quando diante de uma urna eletrônica

12/12/2018 07:35

Escola sem partido

Primeiramente gostaria de compartilhar com o leitor minha satisfação, ao retomar, a partir de hoje, meus comentários quinzenais sobre a educação brasileira. Desta feita, nos debruçaremos sobre um tema que tem ensejado debates inflamados entre os envolvidos (partidos políticos, entidades de classe e sociedade civil). Trata-se do projeto de lei 7180/2014, de autoria do deputado federal Erivelton Santana, eleito pelo Estado da Bahia, inicialmente filiado ao PSC (Partido Social Cristão), hoje integrante do partido “Patriotas”.

O referido regramento versa sobre o “respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas”. Significa dizer que assuntos como política, sexo e religião seriam retirados dos currículos escolares? Será que essa seria uma solução adequada para uma suposta “intromissão” dos professores na vida privada dos alunos? Creio que não. A título de exemplo, fico imaginando como seria lecionar História da Grécia Antiga, evitando em sala de aula conteúdos permeados pela política e religião?

Recorro aqui ao que preconiza nossa Constituição Federal, por meio do artigo 205°: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Complementarmente, o artigo 206° reforça essa lógica, relacionando, no inciso III, que o ensino será ministrado com base no “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”. No citado artigo 205°, aparece a palavra “cidadania”, vocábulo que pode ser entendido como a faculdade do cidadão acessar direitos civis e políticos de um estado livre. Ora, cidadania e pluralismo de ideias são conceitos umbilicais à própria Constituição Federal e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96). A imposição de restrições pedagógicas (com o propósito de combater um suposto “viés ideológico” nas salas de aula), utilizando-se de uma Lei Ordinária (neste caso o projeto de Lei 7180/2014), atenta, no mínimo, contra preceitos constitucionais claramente definidos.

O ponto central desse imbróglio não está relacionado à instituição de restrições temáticas em sala de aula por intermédio de uma Lei, mas sim, à correta abordagem, pelo professor, dos assuntos em voga. O grande desafio do docente guarda estreita relação com a forma como os conteúdos são ministrados e a discussão sadia acontece em sala de aula. Diante de uma situação de extrema dificuldade pedagógica, ou seja, manter-se equidistante de quaisquer ideologia e, ao mesmo tempo, estimular o salutar debate das várias tendências políticas, conduzindo o alunado à conclusões genuínas e que façam sentido do ponto de vista cognitivo, a missão do professor adquire caráter ainda mais nobre.

Aqui, vale destacar a distinção entre os significados de ideologia e política. Enquanto ideologia refere-se a um conjunto de ideias e princípios que caracterizam o pensamento de um indivíduo ou grupo, política origina-se do grego “politiká”, que por sua vez encontra significado nos assuntos públicos ligados à distribuição e controle do poder em uma sociedade. A dimensão política não pode ser retirada dos eventos humanos, notadamente da educação.

Ademais, fomentar uma educação de qualidade, além de considerar a profícua relação professor-aluno como ponto de partida para a formulação e implementação de políticas educacionais exitosas, requer o pluralismo de ideias sem o estabelecimento de vieses ideológicos.

A escola do século XXI não pode ser cerceada pelo manancial políticopedagógico acima descrito, sob pena de retirar dos currículos escolares uma discussão rica e socialmente necessária. A “censura pedagógica” proposta pelo referido projeto de lei depõe contra o desenvolvimento e estímulo, nos estudantes, do censo crítico e maior discernimento político, incapacitando-os, portanto, para o pleno exercício da cidadania. Não parece ser essa a maneira apropriada para formar cidadãos mais conscientes quando diante de uma urna eletrônica.

Para os leitores que estiverem dispostos a vivenciarem uma experiência lúdica e enriquecedora sobre o assunto, sugiro assistirem à série intitulada “Merlí”, disponibilizada no canal de assinatura “NetFlix”. Vocês se surpreenderão com a semelhança entre os conceitos abordados nesse artigo e o conteúdo dos episódios da série.

No próximo artigo, portanto em 26/12/2018, analisaremos a educação piauiense à luz dos recentes dados divulgados pelo Ministério da Educação (IDEB, Prova Brasil e taxa de aprovação).

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