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Mais ou menos Capitalismo?

Confira o texto publicado pelo colunista José Almendra Filho.

19/11/2019 11:39

Nesse artigo gostaria de pontuar algumas considerações sobre um tema muito utilizado nos debates econômicos, assim como em nossas conversas no cotidiano. Trata-se do “Capitalismo”. Podemos entendê-lo como um regime econômico vigente em uma nação, e, dependendo do contexto sociopolítico, pode assumir diferentes formatos. No decorrer dos últimos cinco séculos, baseado na garantia da propriedade privada, na acumulação de capital, no trabalho assalariado, na afirmação de direitos civis, trabalhistas e políticos dos cidadãos, o Capitalismo moldou as sociedades contemporâneas segundo uma lógica própria e, de certa forma, mutante, ao adotar diferentes arranjos institucionais entre os setores público e privado.

Para efeito de classificação, podemos atribuir ao Capitalismo duas diferentes formas de expressão – o “Liberalismo” ou o “Desenvolvimentismo”. A literatura acadêmica é rica ao explicar ambos os conceitos. No que diz respeito ao Liberalismo, podemos defini-lo como uma doutrina econômica que privilegia a iniciativa privada, em detrimento de uma menor participação estatal. O "núcleo normativo" do Liberalismo consiste na ideia de que a livre iniciativa conseguiria criar uma ordem espontânea, ou seja, apesar da existência de uma entidade coordenadora do interesse comum (Poder Público), a interação dos indivíduos obedeceria a uma ordem natural, como se houvesse uma “mão invisível” (expressão usada por Adam Smith, autor inglês da segunda metade do século XVIII, considerado o precursor dessa linha de pensamento) orientando a economia e beneficiando a sociedade. Dessa forma, o Liberalismo "clássico” (conhecido também pela expressão “laissez faire laissez passer”) experimentou seu apogeu no século XIX, estendendo-se até 1929, quando da quebra da bolsa de valores em Nova Iorque (EUA). Devido ao espaço da coluna não entraremos nos detalhes desse acontecimento, mas, de maneira sucinta, podemos afirmar que no ano de 1929 ocorreram milhares de falências, cidadãos perderam tudo que tinham e a economia americana experimentou o colapso. Foi a primeira crise do Capitalismo em escala global. 

Nesta época, a partir de 1930, impelidos pela brutal recessão e desemprego, os Estados Unidos recorreram à políticas públicas geradoras de emprego e, por meio de maciços investimentos estatais em obras voltadas à construção e melhoria da infraestrutura do país, a economia foi paulatinamente recuperando seu vigor. Paralelamente, criou-se uma rede de proteção social, de maneira a assegurar aos desempregados, inválidos e idosos carentes uma condição social minimamente digna, principalmente nos momentos de ruptura econômica. 

A esse processo da recuperação americana iniciado nos anos 30, amparado por uma maior presença do Estado na economia, seja como regulador, seja como participante direto das atividades empresariais, chamamos de “Desenvolvimentismo”. Essa doutrina econômica ditou os rumos da economia mundial até o início dos anos 70. Não podemos deixar de mencionar o grande teórico do Desenvolvimentismo, o autor inglês John Maynard Keynes. Em sua obra “Teoria Geral do emprego, juros e moeda”, ele sinaliza os pilares fundamentais a serem considerados no estabelecimento de uma relação profícua entre os setores público e privado de uma economia, tendo como pano de fundo o Estado como indutor e planejador estratégico do desenvolvimento econômico de uma nação.

O Brasil, notadamente entre os anos 1950 a 1980, norteou seu crescimento (diga-se de passagem, nesse período o PIB – produto interno bruto – cresceu em média a inacreditáveis 6,5% ao ano) nos postulados do Desenvolvimentismo. A grande expansão do emprego formal qualificado, turbinado por um processo de industrialização ininterrupto, alçou o país a maiores níveis de urbanização, qualidade de vida e bem estar social. Em 1980 33% do PIB brasileiro era proveniente da atividade industrial. 

Paradoxalmente, nos últimos 35 anos o Brasil tem experimentado um crescente processo de desindustrialização, causado por uma série de fatores político-econômicos, que serão objeto de maior escrutínio nos próximos artigos. Hoje, apenas 11% do PIB tem origem na atividade industrial. Estamos regredindo a passos largos, isto é, nossa economia, notadamente as exportações, voltou a depender de produtos com baixo valor agregado. Nesse sentido, somos grandes exportadores de produtos primários (soja, milho, algodão, minério de ferro, petróleo etc.), ou “commodities” como dizem no jargão internacional. Verifica-se o contínuo encolhimento da indústria, fato que nos coloca em posição vulnerável, se aspiramos lograr maiores níveis de desenvolvimento tecnológico. Concomitantemente, nesse mesmo período, o Liberalismo (ou como alguns economistas preferem chamar, o “Neoliberalismo”), enquanto doutrina econômica, voltou a ser preponderante no mundo desde meados dos anos 80. 

A questão central nessa análise não se trata de rotular o “Liberalismo” ou o “Desenvolvimentismo” como auto excludentes, na medida em que a adoção de um acarreta automaticamente na rejeição do outro. Países têm diferentes composições sociais, idiossincrasias peculiares e estágios de desenvolvimento díspares. Esse conjunto de características requer combinações únicas, soluções únicas de políticas econômicas, que por sua vez utilizam-se do arcabouço teórico presente nas vertentes mencionadas. Em última instância, nações desenvolvidas lograram êxito nas suas políticas econômicas por meio da combinação virtuosa entre instrumentos do Liberalismo e do Desenvolvimentismo.

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