Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

Tenho fama, dinheiro e sucesso

Maria das Graças Targino - jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca /Instituto de Iberoamérica

13/05/2020 11:23

“Eu me casei três vezes. Tenho fama, dinheiro e sucesso, mas na intimidade de meus casamentos, sempre abri mão de meu poder para agradar ao homem com quem estava apenas para ser aceita por ele.” Esta afirmação surpreendente (pelo que tem de verdadeira) pertence a ninguém menos do que Jane Fonda, 82 anos, símbolo da beleza, do charme e do poder feminino. Com coragem, essa atriz norte-americana traz a público uma confissão que, decerto, é também de muitas mulheres anônimas e comuns (eu estou entre elas), perdidas em meio a todos os movimentos de emancipação da mulher, a todas as tentativas de igualdade econômica, à corrida ao mercado de trabalho, à tentativa de divisão igualitária das tarefas de casa e assim sucessivamente. 

Contrariando as tendências feministas e os avanços que marcam a sociedade contemporânea, essa declaração é extremamente simbólica da dependência da mulher à figura do homem. Como resultado das pressões sociais vivenciadas ao longo dos tempos, nós, mulheres, interiorizamos o desejo quase insano de agradar ao parceiro, a quem, de fato, ainda cabe o direito de escolha. A nós, sobra ser escolhida. É ele quem decide com quem dançar. É ele quem decide com quem estar. É ele quem decide com quem casar. E assim por diante... O mais impressionante é que, salvo raras exceções, são as mulheres quem endossam essa “soberania”. Diante de um homem malcuidado, a vizinha é a primeira a acusar a esposa ou a companheira desse homem por seu desleixo, como se ele não tivesse ultrapassado a primeira infância e a capacidade de se cuidar. Diante de uma casa caótica, a culpa é atribuída à mulher. Diante de uma criança rebelde, a maior responsável, aos olhos da sociedade, ainda é a mãe. Diante de um adolescente problemático, idem. Diante de uma pia cheia de louças sujas, é a mulher quem deve ocupar o lugar. E assim por diante, quase que incessantemente.

Assim, essa afirmativa, que deve estarrecer àquelas que integram o movimento feminista, responsável pela luta para a ampliação legal dos direitos civis e políticos da mulher e pela equiparação de seus direitos aos do homem, ainda é atual. Não há direito civil ou político, não há situação econômica ou social, por mais privilegiada que seja, que substitua o carinho de um companheiro, a sensação de que não se está só, o sentimento de que se é amada, não por um dia, uma semana, um mês, mas por uma vida inteira, dentro do preconizado formalismo do casamento ou de uma união estável ou, vá lá, de uma união efêmera, confirmando as palavras do diplomata, médico e escritor brasileiro João Guimarães Rosa em “Grande sertão: veredas”, de que “qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura [e na solidão, acrescento eu]” (p. 311). Ouso, pois, em minha pequenez, reforçar a fala de Jane Fonda, mesmo que isto cause espanto ou furor entre as feministas. Nem aí...

E questiono: feminismo, onde anda você, que não me acalenta, não me acaricia, não me faz sorrir ou chorar? Em que caminhos posso encontrar a certeza de um amor vivido intensamente? E respondo aos que me perguntam o porquê de minha submissão aos homens a quem amei num dia qualquer: não há titulação, não há imóvel ou bem móvel, não há viagens, não há nada que substitua o bom dia de um bem-querer. Por isto, como ela, busquei, sem pudor e sem artifícios, agradar aos homens com quem compartilhei dias, meses ou anos de minha vida. Não apenas com o fim de ser aceita por ele, mas para viver um sonho de paz e amor. 

Mais sobre: