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Mulher espancada no primeiro encontro

Maria das Graças Targino - [email protected]

07/03/2019 13:40

Lugar comum admitir que a expansão das redes eletrônicas de informação e de comunicação, ênfase para a internet, vem transformando, mais e mais, o cotidiano do ser humano. As inovações tecnológicas estão em qualquer parte e por todos os lados, embora, paradoxalmente, sem consolidar o acesso universal, deixando de fora muita gente.

São os “novos tempos.” É o crescimento de crimes cometidos em família. São enfermidades que se expandem, a cada dia, como as síndromes de Diógenes, de Münchausen e da alienação parental, sem contar o fantasma da AIDS. São jovens que circulam com as calças milimetricamente colocadas para expor a cueca colorida. É a liberdade sexual. É a mulher presente em segmentos antes restritos aos homens. São livros construídos a centenas de mãos e de corações no espaço cibernético. É o mundo de redes sociais que viralizam verdades ou mentiras, como espaço onde qualquer um pode expor alegrias e mazelas. É o uso crescente do smartphone, com o qual o cidadão grava seu cotidiano ou qualquer “coisa”, sob a forma de fotos, vídeos, textos e áudios. É o incremento da xenofobia, pedofilia, prostituição e do terrorismo.

São aspectos bons ou ruins ou simplesmente incolores dos “novos tempos.” São tantas as transformações sociais, que é impossível nomeá-las ou numerá-las. Nas redes sociais, ganham destaque os sites de relacionamento. Algumas vezes, permitem o encontro de um grande amor e desenham um belo conto de fadas, mesmo quando os amados amantes estão em continentes distantes. Há casos de horror. Perfis construídos à base de mentiras escancaradas. Encontros marcados. Desilusões. Dores. Agressões. Roubos. Tentativas de estupro. Quer dizer, trata-se de verdadeira roleta-russa, quando alguém, em plena demonstração de coragem insensata, coloca uma única bala no tambor do revólver, gira, puxa o gatilho, e, portanto, corre o risco de ser atingido ou sair vitorioso e, então, cheio de orgulho insano da façanha.

No entanto, se encontros com desconhecidos representam, sempre, um gesto de temeridade, não importa o gênero dos envolvidos, é preciso reforçar que a violência do homem contra a mulher não se dá tão somente via redes sociais. Há mulheres agredidas por companheiros de casamentos celebrados em ritos religiosos retumbantes e que seguem há anos. Há mulheres agredidas porque saíram de casa para visitar os pais sem a devida autorização do “homem da casa.” Há mulheres agredidas porque deixaram os cabelos longos mais curtos. Há mulheres agredidas porque uma das crianças do casal caiu. Há mulheres agredidas porque romperam uma relação conturbada ou simplesmente disseram – não – a um relacionamento abusivo. Há mulheres agredidas porque... São tantos os porquês. Difícil enumerá-los. São sempre justificativas simplesmente injustificáveis.

São mulheres jovens ou não tão jovens. São mulheres pobres, de classe média ou ricas; moradoras de rua ou proprietárias de belas mansões; drogadas ou não; lindas ou não; letradas ou iletradas; famosas ou anônimas. Mesmo assim, quando o caso de Elaine Caparroz, 55, veio à tona, 2019, após ser agredida pelo estudante de Direito, Vinícius Batista Serra, 27, as críticas contra a vítima alcançaram o nível de absurdo. Os dois se conheceram pela internet, conversaram durante oito meses até que, por fim, marcaram um primeiro encontro no próprio apartamento da paisagista, momento em que preparara um jantar regado a vinho ou a champanhe. Após ser despertada com agressões físicas, como socos, mordidas, dentre muitos outros atos de violência, por quatro horas ininterruptas, a reconstrução de seu rosto demandará, no mínimo, seis meses, incluindo correção de fraturas múltiplas, da ruptura do septo nasal e do assoalho da órbita, e, em fase posterior, necessárias correções estéticas.

Porém, os ataques continuaram. Desta vez, não mais físicos, mas, morais. Doidivana. Leviana. Imprudente. Louca. Mulher de vida fácil. Inconsequente. As mulheres (as acusadoras mais cruéis) que jogaram pedras de chumbo em Elaine desconhecem as razões de sua decisão em receber o algoz em casa. Ninguém sabe a dor da solidão do outro, da mesma forma, que ninguém sabe a intensidade da esperança vivenciada por ela, mesmo que fugazmente e agora, sob a cobrança de uma fatura tão alta.

Isto é, culpar as vítimas do machismo desmente os movimentos numerosos em prol da mulher, a exemplo do “Mexeu com uma, mexeu com todas”, quando as atrizes globais se juntaram contra o assédio sexual na tevê, depois de denúncia da figurinista Su Tonani contra o ator José Mayer. É somente lembrar que, deixando de lado a falta de padronização e as não notificações, as quais impedem o monitoramento efetivo de feminicídios no país, de acordo com levantamento do G1, com base em dados oficiais dos Estados, ano 2017, 12 mulheres são assassinadas todos os dias ou uma mulher é morta a cada duas horas, em média, no Brasil. São 4.473 homicídios dolosos, dos quais 946 caracterizam-se como feminicídios. Atenção: poucos com a intervenção da internet!

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